A Hora da Estrela (Clarice Lispector)
Perdoem-me aqueles apaixonados por esse conto, mas
meu primeiro contato com Clarice Lispector foi com Feliz Aniversário – e não acho que na época eu tenha sabido
aproveitá-lo. Mais tarde, na faculdade, conheci Felicidade Clandestina – e então foi paixão instantânea. Assim, já
foi com um sorriso no rosto e um brilho nos olhos que eu me sentei para ler A Hora da Estrela – já apaixonante e
memorável na primeira página, com a belíssima introdução filosófica-reflexiva e
romantizada da autora. “Enquanto eu tiver
perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo
início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história
já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a
existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato.”
O protagonista de verdade é o narrador, que passa
quase 40 páginas descrevendo a história que contará sem contá-la, falando de
seus sentimentos e sensações sem realmente caracterizá-los, tentando criar um
suspense que é mais agonizante do que qualquer coisa – que teria me feito
largar o livro caso não tivesse que realmente lê-lo para a faculdade. Não que
não tenha sido belo, mas admito que tenha sido cansativo. Depois de uma bonita
introdução, lá pela quinta página da mesma coisa eu já estava querendo mudar,
querendo conhecer a tal garota nordestina e o que aconteceria com ela…
E talvez tenha sido essa mesma a intenção.
Rodrigo descreverá a nordestina muito bem e com
muito detalhe – saberemos quem ela é, o que ela faz, como ela pensa. Sentiremos
seu cheiro, veremos sua aparência, nos encantaremos com a inocência e
simplicidade de sua vida. Gostei particularmente de momentos em que ela escuta
o rádio e se depara com palavras difíceis, que não entende, como cultura, tecnologia, renda per capita.
Sua ingenuidade ao se apaixonar por uma música em espanhol sem se dar conta que
possa existir uma língua além da “brasileira”, aquela falada no Brasil. A
felicidade em pequenas coisas como a palavra “efeméride”, pela qual ela
simplesmente se apaixona em seu trabalho de datilografia.
Uma média de sete personagens, foi o que o
narrador nos prometeu lá no começo. Olímpico de Jesus é o segundo que
conhecemos – uma narrativa simples, falas infantilizadas e pouco reais, um
namoro nem um pouco feliz de uma pessoa que nunca existiu de verdade, mas que
poderia ser real. Grosso, estúpido, mas digno o suficiente para terminar com
ela antes de precisar traí-la, mesmo fazendo isso de maneira brusca, “sincera”
e desnecessária – acho que Macabéa peca em sua veracidade nesses momentos, ao
parecer sempre tão boa, tão inocente, nunca se machucando com nenhum
comentário, com nenhum acontecimento. Quase como se não possuísse sentimentos.
O mais interessante está em Rodrigo, aquele que
conta a história – aquele angustiado que precisa externar a história de
Macabéa, mas que não sabe o que vai acontecer; mesmo quando diz que poderia
começar pelo fim, que justificaria o começo, como a morte justifica a vida. Ele desempenha o papel de Deus, com
uma vida em suas mãos, com uma pessoa a ser moldada a todo instante, com um
destino a ser decidido… e esse narrador, atrás do qual Clarice Lispector tenta
se esconder, em vão, representa o processo criativo e sincero de um escritor –
as coisas surgindo à sua frente, as decisões sendo tomadas no momento,
escolhendo que tipo de pessoa cada um será, e que tipo de rumo tomará em suas
vidas… a literatura imitando a vida, em
seu constante processo de criação.
A Hora da
Estrela consegue te prender depois que ele passa da primeira metade e o
narrador pára de apenas tentar atiçar a curiosidade do leitor – mesmo com suas
constantes interrupções entre parênteses, reclamando de qualquer coisa, a
história caminha com rapidez e destreza, mas pouca veracidade. Parece tão
superficial o que sabemos de Olímpico, de Glória, e da própria Macabéa,
chegando a recorrer a uma cartomante para, enfim, “ter um destino”. Até a
cartomante ganha uma história que em nada combina com as demais, mas que faz
muito sentido e sempre parece permear as narrativas mais clássicas: o sexo. Me
pergunto o que, de tudo aquilo, Macabéa de fato entendeu.
Estrutura linguística de repetição de palavras e
expressões, de idéias inacabadas representadas por sentenças que terminam em
preposições, sem uma conclusão. Parece que assim todo o livro foi construído, a
história de uma nordestina que buscava a Felicidade, tema recorrente nas obras
de Lispector – uma personagem que se achava feliz, mas que ao descobrir não
sê-lo, resolveu buscar por isso, mas sendo impedida por um final melancólico,
no entanto muito bonito. Comovente, interessante…
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