Young Goodman Brown


Passando pela dificuldade de compreensão da obra de Nathaniel Hawthorne, chegamos a seu cerne e à sua natureza profundamente sarcástica que revela tanto da hipocrisia humana através de uma conversa com o Demônio e um ritual quase macabro que revela a verdadeira identidade das pessoas. Publicado em 1835, o conto lido em seu original apresenta um vocabulário bastante complicado e palavras do inglês arcaico que às vezes precisamos do dicionário para entender, além de uma ordem sintática muitas vezes confusa. Young Goodman Brown exige atenção e releitura de quem resolve se aventurar por suas páginas no idioma original, mas é um trabalho recompensador.
Young Goodman Brown começa quando Goodman Brown se despede de sua jovem e inocente esposa (convenientemente chamado de Faith) para uma jornada rumo à floresta. Com muita escuridão, Hawthorne nos apresenta a um “velho” com um cajado misterioso, que é a encarnação do próprio Demônio, conversando com Goodman Brown, revelando-lhe passagens macabras das vidas de seu pai e de seu avô (que ele acreditava serem cristãos puritanos completamente santos), e guiando-lhe a uma reunião na floresta, com muito mais pessoas do que ele podia imaginar, uma vez que até a velha Goodly Cloyse, sua antiga catequista, também já passou por ali e aceitou a ajuda do Demônio para que pudesse chegar mais rapidamente.
Goodman Brown questiona seus atos, planeja voltar, mas acaba seduzido por toda essa atmosfera sombria e chamativa que o autor consegue criar – usando ora das sombras ora do fogo e do vermelho para criar a ambientalização de sua obra, Nathaniel Hawthorne cria um panorama muito aceitável em nossa cabeça e, curiosamente, convidativo. Mesmo determinado a retornar e não participar da tal reunião, Goodman Brown nota que mesmo os “mais santos” (como ele acreditava), como o sacerdote, estão indo para a floresta, e ele acaba seguindo até um ritual alegórico que remonta a alguns rituais religiosos, mas dessa vez exaltando o pecado e, ironicamente, e verdadeira natureza humana. Faith também está lá, e depois disso, a vida de Goodman Brown nunca mais é a mesma.
Nathaniel Hawthorne trabalha fortemente com a ironia em sua obra. “I have been as well acquainted with your family as with ever a one among the Puritans; and that’s no trifle to say” – a fala do Demônio evidencia a venda de uma imagem santa, e uma falsa fachada que esconde os atos cruéis realizados pela família de Goodman Brown no passado, em nome de “Deus”, como a queima de bruxas em Salem, ou o ato de atear fogo a uma aldeia indígena. Do mesmo modo, mais tarde, somos confrontados com os filhos que mataram os pais por causa da herança, com as mulheres que mataram os maridos, os “santos” da igreja se engraçando com as empregadas de suas casas, as jovens que enterraram seus bebês para não ter que criá-los em uma sociedade conservadora…
E o quanto isso não é verdade?
“By the sympathy of your human hearts for sin ye shall scent out all the places – whether in church, bed-chamber, street, field, or forest – where crime has been committed”. Tudo uma maneira interessante de Hawthorne de criticar a sociedade contemporânea a ele, que ainda se aplica até hoje, mas ainda mais do que isso: uma habilidosa maneira de expor a hipocrisia, acima de tudo.
A maneira como o autor caracteriza seus personagens também é bastante interessante para a obra. Goodman Brown é descrito e narrado como um rapaz jovem e curioso, mas bastante receoso e crente – ele fala de Deus em diferentes momentos, e aceita Faith como sua representação na Terra. Acredita na santidade das pessoas em sua aldeia, a seu redor, acredita nos feitos de sua família, mas não nega a curiosidade de entender o que está acontecendo na floresta. E isso muda sua vida drasticamente para todo o sempre. Ele não consegue mais olhar para o diácono Gookin no dia seguinte, ou no sermão de domingo, ele não consegue mais aceitar Goody Cloyse catequizando as crianças, nem mesmo sua mulher parece mais tão pura quanto antes…
Porque Faith vem repleta de simbologia. Na verdade, além de seu nome ser um poderoso símbolo evidente, o que mais marca na personagem são suas fitas cor-de-rosa, o tempo todo em sua cabeça, que representam a pureza e a inocência da personagem. Em meio a tanta escuridão ou clarões de fogo, a delicadeza do rosa é contrastante – e ganha uma significância muito grande e dolorosa no momento em que ela a perde – “But something fluttered lightly down through the air and caught on the branch of a tree. The young man seized it, and beheld a pink ribbon”. Toda a construção de uma mulher jovem, inocente e pura é desfeita com a perda da fita em paralelo com sua iniciação na comunidade do pecado, através do sinistro ritual realizado na floresta.
Ou não realizado?
Agora o velho é, talvez, o personagem mais bem narrado e construído do conto, como um protagonista e um mistério a ser desvendado. Sem de fato ganhar um nome, ele é continuamente associado às palavras como “devil”, assim como suas falas sugerem isso de maneira inteligente, como “Ajudei teu avô, o policial, quando ele chicoteou com tanto vigor a mulher quacre pelas ruas de Salem; e fui eu que dei a teu pai uma tora de pinheiro, acesa em minha própria lareira, para atear fogo numa aldeia indígena na guerra do rei Filipe” – quer dizer, qual o tamanho dessa simbologia e o quanto se pode estudar apenas a partir dessa simples passagem?
Representado pelo cajado, o velho também é uma constante tentação. “But the only thing about him that could be fixed upon as remarkable was his staff, which bore the likeness of a great black snake, so curiously wrought that it might almost be seen to twist and wriggle itself like a living serpent. This, of course, must have been an ocular deception, assisted by the uncertain light” – a própria figura da serpent, comumente associada ao mal, além das tentativas persistentes do velho de oferecer o cajado, tanto a Goodman Brown quanto a Goodly Cloyse como um apoio que os ajudará a andar mais depressa, com mais segurança, e chegar ao destino mais depressa. Como Eva foi tentada pela serpente quanto ao fruto proibido no Paraíso.
Por fim, a inteligente ambientação em Salem que traz toda uma história de pano de fundo importantíssima para o tema central tratado no conto. Salem ainda é constantemente associado ao episódio dos julgamentos por bruxaria guiados pelas superstições daquele pequeno povoado, que matou um grande número de mulheres, muitas vezes queimadas em fogueiras, na intenção de “acabar com o mal”, mas sem ao menos terem certeza de que realmente se tratavam de bruxas. Quantas pessoas inocentes não foram mortas naqueles incidentes? Salem, 1692, ainda é palco para muitas histórias escritas e apresentadas nos dias de hoje, como a mais recente temporada de American Horror Story, Coven, e a nova série da WGN America, Salem, que traz toda a atmosfera sombria também utilizada por Hawthorne em sua narrativa.
Se tudo foi verdade ou não, isso é uma mera sugestão do autor, que nos permite refletir sobre o que nos foi apresentado. É curioso que Goodman Brown tenha tido a impressão de acordar no meio da floresta, com todos os demais presentes desaparecidos, logo depois de ter gritado “Faith! Faith! Look up to heaven, and resist the wicked one”, como se ele mesmo estivesse renunciando aos mistérios do pecado, e por isso tenha sido liberto de tudo aquilo… seja como for, a vida seguiu “normalmente” depois para ele, ou pelo menos assim parece que foi, mas ele nunca mais conseguiu ser o mesmo, ou olhar para o mundo a seu redor da mesma forma… e assim, ele morreu na escuridão.

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