Cidades de Papel (John Green)


Na minha opinião, todo mundo tem seu milagre. Por exemplo, muito provavelmente eu nunca vou ser atingido por um raio, nem ganhar um Prêmio Nobel, nem ter um câncer terminal de ouvido. Mas, se você levar em conta todos os eventos improváveis, é possível que pelo menos um deles vá acontecer a cada um de nós. Eu poderia ter presenciado uma chuva de sapos. Poderia ter me casado com a rainha da Inglaterra ou sobrevivo meses à deriva no mar. Mas meu milagre foi o seguinte: de todas as casas em todos os condados da Flórida, eu era vizinho de Margo Roth Spiegelman.
–Q

John Green consegue nos fascinar de inúmeras maneiras diferentes. Então acho forte demais querer rotular um livro dele como “meu favorito”, mas se eu tivesse que fazê-lo, Cidades de Papel é um deles, certamente. Diferente de outras coisas do autor, esse livro mesclou tudo o que tivemos nos demais de maneira muito precisa. Então tivemos todo o bom humor e irreverência de Will Grayson, Will Grayson, a genialidade peculiar de O Teorema Katherine e a emoção incomparável de A Culpa é das Estrelas. Foram risadas infinitas, foram lágrimas no final, foram enigmas inteligentes e dicas a serem estudadas e desvendadas… foi uma experiência sublime.
Cidades de Papel conta a história de Quentin Jacobsen – um adolescente prestes a se formar na escola que nutre uma paixão platônica por sua vizinha há anos. Quando ainda eram crianças, os dois encontraram um homem morto no parque perto de suas casas, e isso marcou a vida de ambos de maneiras diferentes, mesmo que nenhum deles fale sobre isso, ou pense conscientemente no assunto. Ela é um grande mistério indecifrável, mas que Quentin tentará decifrar, e ele é um jovem repleto de possibilidades que está ainda descobrindo quem ele realmente é na vida. Com uma gama de personagens carismáticos e profundamente apaixonantes, o livro flui e você nem o vê passar.
E acaba depressa.
Foi em um cinco de maio que a vida de Quentin mudou drasticamente. Margo entrou em seu quarto, vestida de ninja, com a cara pintada de preta, e o chamou para uma missão um tanto quanto maluca. E ele viveu a noite mais divertida e memorável de sua vida, com uma astúcia genial que John Green conhece muito bem. No entanto, quando todo o plano foi concluído perto das 6 da manhã, Q não sabia que tratamento lhe esperava na escola no dia seguinte, depois da fantástica noite com Margo. Mas Margo não aparece na escola. Sempre um grande enigma, ninguém sabe onde Margo está, o que nem chega a ser uma grande novidade – mas a novidade está nas pistas que ela deixou para ele dessa vez, e ele vai tentando desvendá-las para chegar até a menina que achava que conhecia.
E descobrir que não a conhecia de fato.
Tudo começa em uma noite, 11 passos e 11 partes de um plano grandioso que Margo Roth Spiegelman está tentando colocar em prática com a ajuda de Quentin. É a primeira imagem que temos de Margo, e a achamos intrigante desde sempre, mas nos divertimos horrores. É tudo tão engraçado, tão divertido e tão incrivelmente inteligente que chega a ser bizarro. Uma junção de ações malucas às quais Quentin é arrastado, mas ainda assim a diversão é o que reina. Porque temos o telefonema, os três peixes, a foto indecente, a sobrancelha depilada, a dúzia de tulipas e Gus como segurança em um prédio que lhes permite ver toda a cidade.
Uma cidade de papel.
Muitas coisas se tornam importantes já nessa parte – como o uso aleatório de maiúsculas por Margo, porque o padrão “parece uma injustiça às palavras que ficam no meio”, e como o planejamento se mostra ainda muito mais legal do que realizar a ação em si. Como invadir o Sea World. E Margo desaparece – simples assim. Depois de proporcionar as melhores memórias da vida de Quentin, ela simplesmente desaparece aparentemente sem querer ser encontrada de volta, e Q se torna obcecado. Obcecado por que a quer de volta, obcecado porque acredita que ela lhe deixou pistas que o levassem até ela, obcecado porque descobre que Margo não é a garota que ele sempre projetou.
Porque ela é apenas uma pessoa.
Depois da excelência de Tiny Cooper e Hassan, John Green mais uma vez nos surpreende com amigos excepcionais para o protagonista: Ben e Radar! Não tem como não adorar aqueles dois. Ben um incrivelmente fofo e bobo, com uma empolgação contagiante (as cenas sobre o sapato de formatura foram ótimas!), e Radar muito mais centrado, muito inteligente e carismático. E aquela fascinação pelo seu site é impressionante… cenas que realmente me marcaram profundamente em relação à amizade dos três: quando Ben começa a tossir ao telefone e diz que não poderá ir à aula no dia seguinte, e segundos depois Radar liga para Q dizendo o mesmo; a bronca de Radar depois da festa; e como os dois abandonam a colação de grau antes de colar grau, pelados sob a beca, e partem em uma road trip com o amigo.
A parte dois do livro já foi consideravelmente mais melancólica e deprimente do que a primeira, que nos levou às gargalhadas, mas foi onde tivemos uma abundância desses amigos, uma festa bizarra, e a ascensão de Quentin na escola, quase se tornando uma Margo. John Green encheu essas páginas de pistas a serem seguidas, mistérios a serem desvendados, uma obsessão de Quentin mesclada à pressão dos últimos dias de aula, as provas finais, o baile de formatura, festas de despedida, colação de grau… é inteligente e muito real a maneira como as coisas vão se misturando na vida de Q, e uma coisa leva a outra enquanto ele tenta montar o quebra-cabeça.
E CHEGA A AGLOE!
“Está engraçado, por enquanto, com Ben precisando ir ao banheiro e a gente precisando fazê-lo segurar.[…] Me pergunto se Margo criou esta viagem para nós de propósito ou por acaso – e, qualquer que seja a resposta, é a coisa mais divertida que já fiz desde a última vez que passei horas atrás do volante de um carro.” (p. 280)
Por fim, a parte três foi sem dúvidas a cena mais divertida do livro, e eu mal posso esperar para ver isso no cinema! Muito mais do que a primeira parte… porque os três amigos e Lacey (e eu também a amo!) embarcam em uma típica road trip incrivelmente cronometrada. Uma viagem de quase 25 horas que deve ser realizada em 21! O que quer dizer que eles terão que fazer xixi em garrafas de cerveja, realizar paradas de 6 minutos que mais parecem um pit-stop e tentarem sobreviver a uma baleia terrestre. E eu ri, o tempo todo, do começo ao fim! É uma narrativa hora a hora de uma corrida contra o tempo frenética. Mas sério, aquela parada no posto BP de seis minutos (na qual eles ainda ganharam 20 segundos!) foi simplesmente GENIAL!
“[…] eu sei como eu me sinto: Jovem. Estúpido. Infinito” (p. 290)
A bundinha do Ben, os gritos de “VAI EXPLODIR” – tem como não amar?
Uma pergunta da Adivinhação Metafísica basicamente resume toda essa cena: “O que é, o que é… uma história e tanto?”. Depois de tudo pelo o que essas quatro pessoas passaram em meras 21 horas, impossível um laço muito forte não existir. Primeiramente, que os três garotos sempre foram muito amigos, e estão nessa jornada pelo Quentin, mas a maneira como todos estão tão entrosados ao término da 21ª hora – e mesmo antes, com os planos minuciosos de como fazer a parada mais rápida e eficaz possível. Aquilo foi incrivelmente engraçado, mas de certa maneira também foi emocionante, e eles certamente jamais serão os mesmos. Belíssimas mensagens ali!
O final, em Agloe, é basicamente um Epílogo – e beira a genialidade. John Green amarra todas as pontas soltas sem ser previsível, ele termina seu livro de maneira bonita, satisfatória, e ainda assim nos faz conter as lágrimas. A impressionante simbologia usada por ele finalmente faz um sentido completo e fecha um ciclo: as cidades de papel, o local para onde Margo foi e o que isso tudo representa para ela e para nós. Suas projeções aos 10 anos, suas motivações desde sempre… finalmente conhecemos, parcialmente mas o mais próximo que podemos, quem é Margo, quem é Q. E só então eu realmente parei para pensar nos fios, na relva e no navio… e no quanto isso é bonito, e significativo. E o quanto isso nos proporciona momentos de reflexão.
“Eu entendo agora que não posso ser quem ela é, e que ela não pode ser quem eu sou. Talvez Whitman tivesse um dom que não tenho. Já eu preciso perguntar ao ferido onde dói, pois não sou capaz de me tornar o ferido. O único ferido que posso ser sou eu mesmo” (p.353)
Mais um livro maravilhosamente bem-escrito de John Green, que nos leva a outro mundo, nos faz viver a vida de outras pessoas por quem nos apaixonamos. Minha lista de pessoas que eu amo e de quem sinto falta só aumenta: Gus, Hazel Grace, Will Grayson, Tiny Cooper, Hassan, Lindsey, Colin Singleton, Ben, Radar, Quentin… essa maravilhosa capacidade de nos divertir com uma escrita irreverente, linguagem jovem sem pudor, gírias e palavrões muito reais, mensagens e filosofias belíssimas, e uma emoção impressionante. Cidades de Papel é mais um livro a ser guardado para a posteridade. E para ser lido e relido inúmeras vezes.


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