O Pequeno Príncipe (filme de 2015)
O problema
não é ser adulto. O problema é esquecer.
Maravilhosamente poético, O Pequeno Príncipe – adaptação do grande clássico de Antoine de
Saint-Exupéry, publicado pela primeira vez em 1945 e adaptado para o cinema,
novamente, agora em 2015 – é um filme diferente de qualquer outro que você vai
ver. E aqui eu tenho tanta dificuldade para explicar. Embora seja uma animação e
os pais levem as crianças, eu não acho que o filme seja nada infantil… ele é
incrivelmente belo, com mensagens impressionantes, mas contadas em uma versão
cheia de alegorias que enriquecem a narrativa e a tornam uma complexa obra de
arte com um grande valor literário, cinematográfico e humano. Ao mesmo tempo em
que acho que muita gente pode ter tido dificuldade para processar tudo, eu
também admiro o tom do filme, que resgata aquele tom de quando o lemos…
Porque não é um livro particularmente feliz,
embora seja bonito. Não é um filme colorido e alegre, embora seja belíssimo. Eu
acho que, cinematograficamente falando, o filme está INCRÍVEL, com uma junção
perfeita de linguagem cinematográfica e literatura, exaltando o trabalho de
Antoine de Saint-Exupéry. O filme brinca com o mundo quadradinho da Garotinha,
no qual todo mundo age igual e vive sob uma doutrina padronizadora que não permite
diferenças, “infantilidades”, em paralelo ao mundo colorido e feliz do Aviador,
tão profundamente ensinado pelo Pequeno Príncipe, seja ele quem for: uma visita
real e importante para ele, ou uma imagem que ele criou no deserto segundo a
qual pôde viver toda sua vida depois…
Assim, o filme começa exatamente como o livro, com
o desenho. “Mostrei minha obra-prima às
pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes dava medo. Responderam-me: ‘Por
que um chapéu daria medo?’” Esses adultos que não entendem nada… para eles,
tudo tem que ser muito bem explicadinho. E depois de uns créditos iniciais
fantásticos, que usaram as aquarelas originais do autor, somos apresentados à
Garotinha, e seu “sonho” de entrar na Werth Academy. Na verdade, ela vive
seguindo uma doutrina fechada, pressionada por sua mãe que quer que ela cresça
rápido demais. Essa concepção é assegurada pelas casas exatamente iguais, pelas
formas geométricas precisas (até as árvores são quadradas!) e a falta de cor…
porque quando a Garotinha tem a casa invadida pela hélice do Aviador, seu
vizinho “maluco”, ela percebe que a vida não é bem assim…
Pra que crescer tão rápido? Pra que crescer?
O filme não segue exatamente os passos do livro,
que conta a história da viagem do Pequeno Príncipe – mas exalta a obra original
de maneira incrível. Parece-me uma possibilidade de escrita para o livro, e o
filme se preocupa em já usar as passagens específicas, e contar e retirar
trechos da obra de Antoine de Saint-Exupéry as interpretando, usando o
denotativo e o conotativo em paralelo, guiando a Garotinha a entender sobre o
que o livro fala… e enquanto ela faz isso, recebendo trechos do livro do
Aviador (escrito e desenhado por ele) e o visitando mais frequentemente,
aprendendo a ser criança, o filme também conta a história do Pequeno Príncipe,
com cenas completas e lindas, em uma versão do personagem perfeitamente
adaptada das aquarelas do autor, filmadas em stop-motion (técnica de A
Fuga das Galinhas), em contraste à animação computadorizada do mundo “real”
da Garotinha.
Aí está um dos grandes feitos do filme: misturar
técnicas que podem lhe render prêmios!
Uma das minhas cenas mais aguardadas, porque é a
cena mais marcante do livro, na minha opinião, é a cena da Raposa. E quando o stop-motion começa e eu vi o Pequeno
Príncipe na grama… eu me segurei. E foi um diálogo lindo. A Raposa explica para
o menino que ela é uma raposa como qualquer outra para ele, e que para ela ele
é um garoto como qualquer outro – a não ser que ele a cative. Porque então cada
um passará a ser único para o outro. A Raposa, um personagem tão lindo e tão
marcante, é representado ao longo de toda a trama como um ursinho no mundo da
Garotinha, e eu achei fantástico… porque foi um paralelo incrível com a maneira
como ela e o Aviador estavam se cativando.
No fim do filme eu estava aos prantos, mas explicando: “Se a gente não cativa as pessoas, e não deixa que elas nos cativem… a
gente não vive”.
Não é?
É uma obra incrível e poética, exatamente uma
adaptação como o livro pedia – não é simplista, não é corrida; é perfeitamente
introspectiva, e repleta de símbolos impressionantes. Como toda a jornada da
Garotinha durante a noite, encontrando o Senhor Príncipe naquele mundo de
adultos, que era uma caminhada que ela precisava fazer, e precisava fazer
sozinha, para entender o que o Aviador estava tentando lhe ensinar… acredito
que aquela parte tem um tom sombrio e misterioso que meio que reflete os nossos
sentimentos ao ler o livro: melancólico, embora bonito. A Garotinha quer ir
embora com o Aviador, mas ele não pode levá-la, e ela não entende… até que ele
esteja no hospital e ela tenha a linda cena de ir atrás dele, de passar por sua
jornada e finalmente poder estar com ele, dando-lhe de presente uma linda versão
do livro como o conhecemos, usando as imagens que estiveram lá na nossa
infância, e podem ser vistas ao longo do filme…
O Pequeno
Príncipe mudou a vida dela e de sua mãe.
Ele também pode mudar a nossa. Filme lindo.
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