O Relatório Minoritário (Philip K. Dick, 1956)


Eu gosto muito dos contos de Philip K. Dick porque é sempre uma loucura muito grande, uma viagem, e uma série de grandes questionamentos… além de apresentar um futuro bastante crível e idéias interessantes, o autor sempre retorna a perguntas essenciais – como o que é real e o que não é, e a essência do ser humano. Como funciona a mente de um assassino? E como julgar uma pessoa?
No futuro criado por Philip K. Dick, uma nova área da polícia foi criada, chamada Pré-Crime. Ali, com a ajuda de três pre-cogs, o nome de assassinos em potencial é impresso em um cartão. Os três pre-cogs são (ou foram) seres humanos com a habilidade cognitiva apurada, e praticamente vivem no futuro, murmurando palavras e frases que são interpretadas por um computador, que detalha com clareza o nome do assassino, o momento e o modo do assassinato e quem será a vítima.
A idéia é simples. Prender um culpado antes que ele cometa o crime, assim salvando a vida da vítima.
Mas como julgar e prender alguém por um crime que ela ainda nem cometeu? E que, quem sabe, possa nem vir a cometer? Uma grande discussão de ética e justiça é levada em conta em O Relatório Minoritário, uma vez que se o crime nunca aconteceu, como alguém pode ir preso por ele? Tecnicamente as pessoas ali presas são inocentes… é uma proposta inteligentíssima, e o autor só leva os personagens a realmente pensar em tudo isso nesses termos quando Anderton, um dos criadores da Pré-Crime, tem o seu nome impresso em um cartão.
É aqui que começa uma das mais clássicas temáticas da obra de Philip K. Dick. Certo de que a mulher e Witwer (o novo assistente, muito mais jovem, que chegou recentemente para trabalhar com ele) estão trabalhando juntos para incriminá-lo, para tirá-lo da Pré-Crime, ele pensa em fugir para outro planeta, desesperado e atormentado por uma teoria da conspiração. Seqüestrado por Leopold Kaplan, quem o cartão afirma que ele matará, o conto toma rumos bastante distintos daqueles que lembramos do filme, e é muito interessante porque é impossível saber em quem acreditar… e as coisas mudam muito depressa, da maneira como só Philip K. Dick consegue fazer, constantemente brincando com nosso cérebro e nos fazendo acreditar em coisas diferentes a todo momento.
O conto gira em torno do assassinato que pode ou não ser cometido, a fuga, e a tentativa tanto de Witwer de expor o perigo de Anderton livre à sociedade, quanto do exército de expor as possíveis injustiças da Pré-Crime. Cada um com suas próprias motivações, o conto é extremamente inteligente ao nos explicar o conceito de Relatório Majoritário e Minoritário – basicamente, os três pre-cogs trabalham juntos nas previsões, mas é freqüente que dois concordem e um apresente um relatório diferente (o chamado relatório minoritário), que é descartado. Afinal, dois “computadores” chegarem a idênticas respostas erradas parece muito improvável… Anderton começa então a tentar pôr a mão em seu Relatório Minoritário…
Daqui para a frente é impossível contar com detalhes o que acontece, pois não pretendo estragar a surpresa de ninguém. É maravilhoso ver o conto, e nos perguntarmos até que ponto chega tanto a paranóia humana, quanto a nossa capacidade de defender nossa inocência e/ou as coisas nas quais acreditamos. Extremista, absurdo e bonito, é um dos poucos contos de Philip K. Dick que termina com um final bem fechado e bem explicado, mas as grandes questões a se pensar estão inseridas em cada linha de sua narrativa. Questionamentos puramente filosóficos.
E encaixar as peças é um exercício delicioso. Enquanto a história começa e as informações vão sendo divulgadas, o número de perguntas é exaustivo. Se ele não tem a intenção de cometer esse crime, estaria a Pré-Crime errada pela primeira vez? Primeira? E com as decisões finais, estaria o relatório minoritário errado? Existe realmente um relatório minoritário e um majoritário? Quem é culpado e quem é inocente? Quem acertou e quem não acertou?
Ler Philip K. Dick, como eu sempre digo, é maravilhoso. O final ainda deixou uma mensagem meio “ciclo da vida”, com a possibilidade de a história se repetir com Witwer. E o autor deixa sua opinião mais ou menos clara, mas aberto o suficiente a questionamentos – e somos levados a pensar se concordamos ou não com ele no fim das contas. E se acreditamos ou não na Pré-Crime… discussões que podem levar horas. Eu realmente preciso de amigos tão fascinados por ficção científica como eu, que possam ficar tempos e tempos lendo Philip K. Dick…

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Comentários

  1. A sua resenha é super boa. Eu amo os livros do gênero de ficção, e acho que os livros de Philip K. Dick são os melhores. Também gostei dos filmes de Blade Runner baseados no seu livro "androides sonham com ovelhas elétricas". O último da sequela me surpreendeu. É um dos melhores filmes de ficção , tem uma boa história, atuações maravilhosas e um bom Blade Runner 2049 elenco. Foi uma surpresa pra mim, já que foi uma historia muito criativa que usou elementos innovadores e bons atores com Harrison Ford e Ryan Gosling. Se alguém ainda não viu, eu recomendo amplamente, vocês vão gostar com certeza.

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