On Broadway – Cabaret – Here... life is beautiful!


Life is Cabaret!
Adoro a ironia com a qual a história de Cabaret é contada. Esse não é um dos meus musicais favoritos na Broadway, mas eu realmente gosto muito de como certas partes parecem descontraídas, repletas de conotação sexual sem qualquer pudor; em contrapartida também gosto demais da surpresa de uma trama muito mais complexa e profunda oculta por trás de toda essa fachada de cabaré. E como essas duas coisas tão distintas se misturam no palco e te proporcionam um espetáculo bastante bom! Então você está se divertindo e rindo com as garotas e os garotos do Kit Kat Klub, em alguns momentos até correndo o risco de ficar excitado, e de repente você é bombardeado com cenas chocantes que apertam o seu coração. E você se pega angustiado, prendendo a respiração, e desejando um final feliz que você sabe que não virá. E não vem. Para nenhum dos personagens.
Cabaret é realmente bastante liberal, e eu adoro isso. É pervertido e sexy, perfeitamente ousado. Vide, por exemplo, cenas como Two Ladies. Mas nem precisamos ir tão longe. A performance de Willkommen é uma das melhores coisas do espetáculo, com toda a apresentação das garotas e as piadas subsequentes; e a apresentação dos garotos, inclusive sem saber diferenciar quem é quem. “This is Victor!” E os figurinos de cabaré estendidos à orquestra é uma jogada inteligentíssima! Porque então a orquestra se torna parte do espetáculo, e a vemos em todos os momentos... e eles realmente parecem pertencer àquele lugar! Gosto dos dois solos da orquestra que o espetáculo proporciona, e também gosto que parte do elenco também toque instrumentos musicais. Por exemplo, os meninos ficaram subitamente muito mais interessantes por tocarem instrumentos musicais.
“No one blows like him”
Acompanhamos a história a partir do ponto de vista de Clifford Bradshaw, de certa maneira. Interpretado por Bill Heck, Cliff é um autor americano que chega a Berlim para escrever um livro. Eu gosto de como o personagem é ambíguo e, sei lá, bissexual. Então ele tem a história com Sally Bowles, mas também teve um caso com Bobby, um dos garotos do Kit Kat Klub, em Londres. E eu adoro todas essas sutilezas gays que estão presentes em todo o espetáculo! Então temos, no começo, o Emcee tão interessado nos garotos; depois depois o “Would you buy a boy a drink?”, e o telefonema de Bobby logo depois do telefonema de Sally. E Clifford está igualmente interessado! O beijo deles está realmente incrível! E foi fantástico ouvir o choque da platéia, vindo daqueles que ainda não conheciam a história. E toda essa faceta só torna o personagem de Cliff ainda mais interessante, porque eu realmente gosto bastante dele.
Também temos Sally Bowles, interpretada por Emma Stone. Inicialmente, por ter visto no Brasil, eu achei que fosse por eu não ser tão fã de Cláudia Raia assim, mas não. Sally simplesmente não é uma boa protagonista. Eu não consigo gostar realmente dela, me importar com ela. Ela não tem a empatia necessária. Emma Stone está ótima no papel, adorei sua performance de Maybe This Time, e todos os aplausos e gritos depois de Cabaret foram perfeitamente merecidos, porque ela arrasou. Mas é a personagem... não consigo me conectar à personagem. O musical parece realmente pertencer ao Emcee, interpretado brilhantemente por Alan Cumming – tanto que ele foi quem levantou toda a platéia quando o espetáculo terminou. Ele está presente em quase todos os momentos, e guia todo o show enquanto todas as cenas estão acontecendo, dentro e fora do cabaré. Uma presença constante, divertida, sensual... realmente o rosto de Cabaret para qualquer um que o tenha assistido.
Acredito que a maneira como o Brasil escolheu apresentar Tomorrow Belongs to Me com mais intensidade trouxe mais cedo a sombra do Nazismo e da Segunda Guerra Mundial ao musical. Mas isso não falta no Cabaret na Broadway – a primeira versão dessa música vem em uma vitrola, e aquilo fica estranhamente sombrio, quase macabro. Mas guarda todo o impacto e força para a reprise, no fim do primeiro ato. A maneira como aquilo nos choca é absurdamente grande – e lamentamos por Fräulein Schneider e Herr Schultz. E passamos o intervalo todo meio que engasgados. O segundo ato traz toda a força dessa parte da história, todo o horror da perseguição aos judeus, toda a injustiça daquele período... e todo o sofrimento. Porque todas as histórias andam para um caminho ruim, e nada parece acabar bem. Clifford vai embora sozinho, Sally fica para trás, tendo tirado o bebê, numa desgraça de vida, Schneider e Schultz desistiram do casamento e se separaram, o Emcee acabou preso...
Todo o terror e massacre do nazismo.
Por fim, essa é a história de Cabaret, e essas são suas facetas. Você entra feliz, você espera uma coisa completamente diferente, mesmo quando você já conhece a história – e acaba surpreendido dessa maneira. Você ganha a promessa de uma noite sem preocupações, você ganha a promessa de que aqui a vida é bela. Mas parece que nesse cenário de Alemanha em 1929, ascensão do Nazismo, não existe qualquer lugar onde a vida é bela. Nem mesmo em um cabaré como aquele. Adoro a profundidade do musical, e a maneira como eles brincam com todas essas possibilidades, e por fim lhe entregam algo com muito mais conteúdo do que você poderia ter esperado. Não, realmente não é um dos meus musicais favoritos na Broadway, mas eu parei para contar: eu já assisti 32 musicais da Broadway, 14 deles ao vivo. Também não é a coisa mais fácil entrar nessa lista, huh?

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