Reinações de Narizinho – O Sítio do Picapau Amarelo
De volta do Reino das Águas
Claras, Narizinho começou todas as noites a sonhar com o Príncipe Escamado,
Dona Aranha, o Doutor Caramujo e mais figurões que conhecera por lá. Ficou de
jeito que não podia ver o menor inseto sem que se pusesse a imaginar a vida
maravilhosa que teria na terrinha dele. E quando não pensava nisso pensava no
Pequeno Polegar e nos meios de o fazer fugir de novo da história onde o
coitadinho vivia preso.
Até onde vão as possibilidades de um sonho infantil.
Eu não sei se todos os livros de Monteiro Lobato
que se passam com os personagens do Sítio do Picapau Amarelo girarão em torno
dessa possibilidade, mas começo a ficar assombrado com as coisas que venho
notando relendo Reinações de Narizinho
agora, que eu estou razoavelmente mais velho do que a primeira vez em que o li.
Essa segunda história do primeiro livro das aventuras de Narizinho, ambientada
no fantástico sítio da dona Benta, mostra um pouco mais os personagens que
acompanharemos mais tarde. Temos o Marquês de Rabicó, um leitãozinho muito
guloso que mora no sítio, e Pedrinho, o primo de Lúcia que mora na cidade, com
tia Antonica, mas vem sempre passar as férias de verão no sítio de sua avó.
O Sítio do
Picapau Amarelo, o nome da segunda história, começa de maneira bem
convencional – e bem típica das histórias do Sítio. Temos Narizinho e a famosa
música da jabuticabeira: tloc! pluf!
nhoc! A imagem de Narizinho em cima do pé de jabuticaba é tão comum, tão
recorrente, que parece de domínio público. O Marquês de Rabicó fica no pé da árvore,
comendo as cascas que a menina joga fora… e enquanto o Sítio vai sendo
apresentado, conhecemos uma vespa que é morta e enterrada depois de morder a
língua de Narizinho (ela estava escondida dentro de uma jabuticaba que a menina
tentou comer), e a oportunidade de Emília de pescar! O que eu acho bem bacana,
porque ela é uma simples e leve boneca de pano, com uma pedra no colo e uma
vara amarrada na mão!
Mais uma cena tradicional: Emília encharcada,
colocada no sol para secar!
Também é nessa história que conhecemos Pedrinho,
que fora apenas brevemente citado na primeira história de Reinações de Narizinho. Mas sua participação nessa trama toda é
ínfima. É apenas sua chegada e apresentação… porque o que importa mesmo é a
visita de Narizinho e Emília, a Duquesa de Três Estrelinhas, ao Reino das
Abelhas. É uma proposta interessante, diretamente tirada da visita original: o
Reino das Águas Claras. Se temos tal reino lá, no fundo do ribeirão, por que
não outros tantos reinos para qualquer animalzinho que more ali no Sítio? A
história toda é muito fantasiosa, cheia de elementos fantásticos e admiráveis,
como a imaginação de uma criança correndo solta…
E é basicamente a impressão que temos ao ler essa
passagem do livro.
Como sugerido na primeira passagem, mas agora mais
enfaticamente, tudo não passara de um sonho. Com exceção da boneca de pano que
fala, tudo parece absurdamente normal – e apenas depois que Narizinho dorme é
que as aventuras mais imaginativas começam. Rabicó, falando pela primeira vez,
aparece batendo na janela – formiguinhas entram trazendo croquetes para Emília
e o convite; Emília manda um borboletograma de resposta, e eles partem para uma
aventura, uma excursão ao Reino das Abelhas. Tudo propositalmente depois que
ficou bem claro que Narizinho tinha se deitado para dormir! Tom Mix aparece e
guia um assalto, Rabicó foge com medo e Lúcia, cruel e vingativa, pede que Tom
Mix ache Rabicó, porque ela quer comer feijão enfeitado com torresmo de Marquês
no dia seguinte!
Adoro a passagem do ouro-macela, a perna vazia, e
as muletas do besourinho!
Assim como o final da história sugere [evidencia]
que tudo não passou de um sonho, toda a construção da história é como um sonho
infantil. Narizinho usou o que ela já sabia e havia visto, como o doutor
Caramujo, o Major Agarra e colocou naquela história, enquanto imaginava como
seriam outros reinos. Toda a organização e beleza do Reino das Abelhas. A
paixonite pelo Príncipe Escamado, e como ela fica esperançosa de que seja ela a
garota por quem o Príncipe está apaixonado. E aquele retorno macabro, no qual a
preocupação toda com dona Carochinha a fez imaginar todos os moradores do Sítio
do Picapau Amarelo transformados em animais… e como então, mais do que em
nenhuma parte do livro até então, entendemos que tudo isso (desde que Rabicó
bateu na janela com o convite) fora um sonho:
Horrorizada com a feiúra da
velha, Narizinho fechou os olhos. Depois criou coragem e os foi abrindo
devagarinho. E viu… sabe quem? Viu Tia Nastácia a olhar para ela e a dizer:
– Acorde, menina! Parece que
está com pesadelo…
Narizinho sentou-se na cama,
ainda tonta, esfregando os olhos.
– E vovó? – perguntou.
– Lá dentro, costurando.
– E Pedrinho?
– Fazendo uma arapuca no
quintal.
– E… e Tom Mix?
– Deixe de bobagens e venha
tomar o seu café que já está esfriando – rematou Tia Nastácia.
Então… o quanto das aventuras no Sítio do Picapau Amarelo não foram um sonho?
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