O Homem Duplicado (Enemy, 2014)
“O caos é
uma ordem por decifrar”
Baseado em um livro de José Saramago que eu ainda
não li (mas que está na minha lista porque, além de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, é o que mais me instiga do autor,
por enquanto), embora eu tenha uma professora especialista em Saramago que já
nos avisou que o filme é bem diferente – o próprio Pipocando avisou que só a premissa básica é a mesma. De todo modo,
nós temos um filme excelente duplamente protagonizado por Jake Gyllenhaal, que
nos instiga amplamente. Estou atualmente em uma maratona de filmes complicados
com meus amigos, e olha: estamos nos
divertindo horrores! O filme é excelente, e aberto a interpretações e
teorias, exatamente o tipo de filme que eu adoro. Tenho a crença de que o filme
que termina e te deixa pensando, discutindo e argumentando é um bom filme. Tive
dificuldades para dormir à noite pensando no filme! Próximo ao fim do filme,
meus amigos e eu estávamos com uma postura de “Ah, nem é tão complicado assim!”, até aquela aranha gigante
aparecer. Então olhamos um para a cara do outro, começamos a rir demais, e
partimos para as teorias.
O que é a melhor parte!
A ideia do filme é bastante interessante: Adam é
um professor de história, que dá aula sobre ditaduras especificando a maneira
como os padrões costumam se repetir ao longo da história, com uma namorada com
quem tem um relacionamento puramente sexual. E tudo caminha nessa vida monótona
de Adam, com um desânimo impressionante, até que ele veja um filme recomendado
por um amigo. “Where there’s a will,
there’s a way”. E entre os figurantes do filme, um bellboy, ele encontra um
cara EXATAMENTE idêntico a ele. Naturalmente, isso vira uma verdadeira
obsessão, enquanto Adam busca, loucamente, encontrar esse cara que é tão
parecido com ele. Não parecido, exatamente igual! É assim que ele consegue o
nome do ator, Anthony St. Claire, vai à agência que o representa e é confundido
com ele (pegando uma correspondência, inclusive) e tenta constantemente entrar
em contato com ele, porque precisa encontrá-lo pessoalmente. Anthony, um
“atorzinho de quinta”, tem uma esposa, grávida de 6 meses.
A trama é bem intricada, você precisa conectar
detalhes para construir um sentido bacana ao término do filme. Jake Gyllenhaal,
como sempre, tem uma interpretação tocante e convincente, e ajuda a construir
um clima de suspense e tensão incrível. Há uma clara construção da distinção
entre os dois protagonistas, Adam e Anthony, e suas respectivas personalidades.
Anthony é um ator que trai a esposa, cuja vida ele supostamente tenta abandonar
depois daquela cena inicial no bordel, com uma prostituta matando de salto alto
matando uma aranha, começando a construir todo o poder simbólico do filme.
Construído em cima de metáforas, há várias explicações a respeito das aranhas
que constantemente aparecem no filme. Uma de minhas partes favoritas,
especialmente pelas interpretações possíveis e dicotômicas, é o momento em que
a esposa grávida vê “Adam” na escola, como um professor de história.
No entanto, certamente um dos momentos mais
intrigantes e, consequentemente, esclarecedores, é a cena em que Adam conversa
com sua mãe. Temos um diálogo muito bem escrito que nos revela muita coisa e
que nos deixa intrigados. Desde o início. Primeiro pela escolha da mulher de
NÃO usar o nome do personagem em momento nenhum. Depois o negócio dos mirtilos,
sobre como é “óbvio que ele gosta”, mas ele diz que não. As informações mais
interessantes surgem através dos conselhos dela, como “Você tem uma carreira respeitável, um apartamento legal. Você devia
parar com essa fantasia de ser um ator de 5ª categoria!” O que diz muita
coisa! E ela trata com indiferença todo o “problema” do filho transtornado pelo
fato de ter encontrado outro cara exatamente idêntico a ele. E garante: “Você é meu único filho”. Ali, quando
parece que ela fala tanto com Adam quanto com Anthony ao mesmo tempo, e garante
que eles são seu ÚNICO filho, as coisas começam a se encaixar para entendermos
que, de fato, não existem duas pessoas, mas apenas duas manifestações de um
mesmo homem.
Que é como eu entendo o filme.
Eles acabam trocando de lugar, eventualmente.
Anthony louco para ficar com a namorada de Adam, traindo a mulher novamente,
enquanto Adam, essa personalidade melhor, vai para casa com a esposa na
expectativa de assumir a vida de “Anthony” – e a esposa fica feliz em ver como
o marido chega em casa, como o professor e não o ator, e acha que as coisas vão
melhorar. Até que ele abra o envelope e veja a chave lá dentro. Avise de um
compromisso à noite. Volte a trair – dali surge a aranha assustada do final: Anthony está de volta, independente do
acidente que o “matou”. Acontece que, a meu ver, Anthony é o “verdadeiro”,
e aquela é a sua esposa. Nos seis meses desde que ela engravidou, ele deixou de
atuar como figurante (é o tempo que o porteiro da agência diz que ele está
afastado) e passou a dar aulas de história, o que garante uma estabilidade à
família. É uma prisão e uma escapatória, uma maneira de Anthony se tornar uma
pessoa melhor na forma de Adam. Recomeçar. Mas ele não deixa de ser o Anthony
por isso, um cara verdadeiramente complicado que ainda tende a trair a mulher.
Como um ciclo que volta a se repetir.
Sempre e sempre e sempre. Ao longo da história.
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