Reinações de Narizinho – O irmão do Pinóquio


Me perguntando o que Lobato quis dizer com “mudar de estado”. Sério.
Essa é uma das histórias de que mais gosto em Reinações de Narizinho, talvez porque eu particularmente sou bem chegado à história original de Pinóquio. Mas eu gosto demais de como a história se desenvolve, e toda a aventura das crianças no Sítio do Picapau Amarelo mais uma vez se caracteriza como uma série de brincadeiras e imaginação infantil. Como as leituras de Dona Benta, e suas próprias andanças pelos livros da avó, mexem com o imaginário dessas crianças, que têm os mais belos e loucos planos para colocar em prática, que imaginam histórias fantásticas através de tudo o que escutaram… Narizinho, particularmente, tem uma imaginação bastante fértil!
A história começa quando novos livros chegam no Sítio porque os netos de Dona Benta estão insaciáveis por mais histórias! Quando Pinóquio chega, Dona Benta decide lê-lo para as crianças de maneira fragmentada: três capítulos por noite, para que o livro renda. Mas o que mais me interessou, como fruto do Curso de Letras, foi a maneira como Lobato fala da escrita “antiga”: “A moda de Dona Benta ler era boa. Lia ‘diferente’ dos livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo do onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje. Onde estava por exemplo, ‘lume’, lia ‘fogo’; onde dava com um ‘botou-o’ ou ‘comeu-o’, lia ‘botou ele’, ‘comeu ele’ – e ficava o dobro mais interessante”.
Quanta visão! Foi uma crítica genial (que eu nem percebia como criança) à escrita, e de certa forma aos ditos clássicos que as escolas insistem em pregar: como se tudo o que foi bom tivesse sido escrito no passado. Fora toda a questão da língua em transformação com “o português do Brasil de hoje”. GENIAL.
Deixando isso de lado, a história parte daí, com uma ideia genial de Emília: se Gepetto encontrou pau vivente para fazer o Pinóquio, talvez ainda houvesse mais madeira dessa qualidade, e Pedrinho pudesse construir um irmão para o Pinóquio. Interesseira que só ela, Emília ganha um cavalinho sem rabo do menino como recompensa pela ideia, mas quando vê que pode ter o presente confiscado porque pau vivente nenhum é encontrado, ela arma com Visconde um plano para enganar Pedrinho! E Pedrinho cai. Ele encontra um pedaço de árvore que “geme”, e corta madeira o suficiente para criar um boneco… um boneco feio desenhado e feito por Tia Nastácia, mas que não tem vida. Não era pau vivente coisíssima nenhuma! Era qualquer madeira comum…
Pedrinho fica frustrado com a história, e é Narizinho quem vê as coisas acontecendo de maneira diferente, acentuando a ideia do sonho e da imaginação. Até ali tudo tinha sido muito comum, histórias sendo lidas, bonecos sendo criados… até que Narizinho cerre os olhos na beira do ribeirão, novamente, e as coisas começam a mudar. João Faz-de-Conta, irmão de Pinóquio, ganha vida, e se mostra de muito bom caráter! Narizinho vê uma festa na floresta, com ninfas dançando e um fauno tocando, exatamente como em uma ilustração que vira no livro de Dona Benta no dia anterior. Depois segue-se uma aventura que classifica o alfinetezinho dado por Tia Nastácia a Emília como uma poderosa Varinha de Condão, Narizinho fechando os olhos fortes e chegando à casa de Capinha Vermelha, e por fim retornando ao Sítio…
Como? Fechando os olhos bem forte. “Quando Narizinho reabriu os olhos, viu que estava outra vez no pomar, à beira do ribeirão”. Lobato ressalta como nada daquilo é verdade. Como parte é brincadeira de criança, como parte é sonho e imaginação. Como Narizinho junta os elementos comuns como o boneco de madeira, o desejo que ele tenha vida, uma personagem que ela gosta, o alfinete de Tia Nastácia e uma ilustração que viu no livro de Dona Benta, e transforma tudo aquilo em verdade. Em uma história fantástica que uma criança de 7 anos pode viver! Porque não foi verdade… mas para Narizinho foi verdade. E se para ela foi verdade, quem é que pode dizer o contrário?

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