Doctor Who: Season Six (2011) – Part 2
“You’re twice the man I thought you were!”
ADORO como Doctor
Who tem umas discussões extremamente humanas através de representações
diversas que, muitas vezes, nos levam a questionar as nossas próprias condições
primárias. Somos nós e não o somos. A questão da “carne” é bastante impactante,
e a divergência de possibilidades é assustadora – eu fico altamente dividido em
relação a que pensar, medrosamente assumindo certa racionalidade em ambos os
lados. É complicado. Difícil de formar, de fato, uma opinião a respeito do
tema. E uma das coisas que eu mais gosto em Doctor
Who é a maneira como ele conecta a temporada de forma completa e integral,
juntando pedaços que nem esperávamos que se juntassem. Os episódios parecem
quase independentes, como os episódios que costumamos ver em Doctor Who, com pequenas provocações que
nos instigam para a temporada como um todo (como a Amy constantemente vendo a
mulher do tapa-olho em escotilhas misteriosas), mas a finalização de The Almost People é deliciosamente
surpreendente.
Não é bom como Doctor
Who nos choca dessa maneira?
Particularmente eu fico extasiado, dando pulinhos
na poltrona!
O terceiro episódio da sexta temporada, The Curse of the Black Spot, coloca o
Doctor e seus companions em uma
situação divertida com piratas. Eu gosto muito do fato de que Doctor Who pode ser o que quiser, e
navegar por entre os gêneros que escolher. Então se eles decidem que, dessa
vez, eles vão ser um episódio sobre piratas em um navio, okay. Amy pode se
vestir de pirata, colocar um chapéu e empunhar uma espada. Mais legal ainda: eles podem tranquilamente não só oscilar
entre gêneros, mas integrá-los. O místico da sereia/demônio que sente o
cheiro de sangue e marca as pessoas para a morte é assustador o suficiente. É clássico o cântico
hipnotizante da sereia, mas ineficaz quando Rory é a vítima – não por causa
dele, mas porque nem Amy nem o Doctor vão permitir que ele seja levado. Eles só
precisam dar um jeito na lenda da sereia. “Just like a shark. In a dress. And
singing. And green! A green singing shark in an evening gown”. Toda
a construção cenográfica e os interessantes figurinos caracterizam bem a ideia
toda do episódio, e é bacana ver os personagens nessa situação inovadora.
Mas o mais legal é, de fato, as interessantes
reuniões de gêneros. Se constrói, gradualmente, uma boa história para a sereia
(e eu adorei a sua aparição, verde/vermelha, iluminada), que sai de reflexos
para buscar aqueles que tenham sido feridos de alguma maneira, ou que estejam
doentes. Como Toby, o filho do Capitão, marcado com uma marca negra por causa
da febre tifoide. E então, depois da desesperadora cena da chuva no deque,
quando Rory cai no mar e o Doctor manda a sereia atrás dele, surge toda a
proposta de universos sobrepostos, como
dois carros estacionados no mesmo lugar. E é bacana, já que os reflexos
surgem como portais entre um mundo e outro. Quando chegamos nessa segunda
ambientação do episódio, bem distinta do primeiro, mais moderna, eu já imaginei
algo como a sereia poderosa. “She’s not a
killer at all. She’s a doctor”. Foi bom, foi criativo – afinal de contas
ela só leva os doentes ou feridos porque é a interface de um programa de
proteção que quer mantê-los vivos. E ela o faz. Embora não possa curá-los, ela
os mantêm vivos para que possam ser curados mais tarde.
“Why don’t you let me heal my
husband?”
Adoro como o Rory consegue, finalmente, incutir
algum tipo de ciúmes em Amy (ficará mais forte futuramente), mas me angustia
como ele ADORA morrer. Quantas vezes o Rory já morreu mesmo?! É desesperador,
embora já tenhamos visto sua morte várias vezes, ver a Amy tentar
ressuscitá-lo, vê-la chorar… wow! E o mistério todo de Amy continua apenas como
uma constante provocação do roteiro, com o confuso teste de gravidez que o Doctor
roda na TARDIS, mas que não chega a conclusão nenhuma de fato, e as aparições
da mulher do tapa-olho, com dizeres como “It’s
fine. You’re doing fine. Just stay calm”. E, falando em TARDIS, o episódio
seguinte, The Doctor’s Wife traz uma
proposta bastante intrigante: a personificação da TARDIS. A alma e a mente de
uma mulher (Idris) é apagada para que ela possa ser preenchida com o espírito
de uma TARDIS, o que por sua vez vai atrair o seu respectivo Time Lord a um
planeta FORA do Universo, devorador de TARDISES.
Parece macabro. Extremamente macabro.
E é.
Todo o episódio me lembrou um pouco uma daquelas
produções esquisitas de Tim Burton, e não do tipo colorido. Do tipo bizarro e
macabro mesmo. A confusão é estabelecida de cara, e ninguém sabe exatamente
aonde querem chegar. Uma correspondência de outro Time Lord, um planeta de
quatro habitantes, sendo eles o Tio, a Tia, o Sobrinho (um Ood) e a Idris
(agora a TARDIS). E as coisas ficam assustadoras quando o Doctor tranca os Pond
na TARDIS, na esperança de protegê-los, e se depara com uma Coleção de Pedidos
de Socorro de Time Lords, usadas para atrair o Doctor. Para que ele pense que
tem amigos ali, mas são gravações de pessoas há muito mortas. Tim Burton se
mistura a Frankenstein com o “Lar” “consertando” os seus moradores quando eles
“quebram”, com partes dos corpos de outros Time Lords. Olhos 30 anos mais novos
que ele. Um braço mais comprido que o outro. Dois pés esquerdos. “You gave me
hope and then you took it away. That’s enough to make anyone dangerous. God
knows what it’ll do to me. Basically,
run!” E então o Doctor está preparado para perder o controle.
Um dos momentos mais desesperadores é fruto do
desespero e da perseguição que o Lar, que tomou a TARDIS, impõe aos Pond. Em
vista da ameaça de a TARDIS ser devorada, os Pond tentam enrolar o Lar e
correm. Correm. Correm. Enquanto isso, o Doctor lida com as consequências de
ter assumido que aquela é a última TARDIS que existe, enquanto anda com uma
bizarra versão personificada da TARDIS que demora um pouquinho para de fato
ganhar nossa confiança. E, no Vale das TARDIS Devoradas, surge a proposta: “It’s not impossible as long as we’re alive.
Rory and Amy need me. So yeah, we’re gonna build a TARDIS”. Construir uma nova TARDIS.
É no intenso e bonito diálogo entre a TARDIS (ou Sexy) e o Doctor que nós nos
afeiçoamos de fato por ela. Ela é a TARDIS que sempre conhecemos, nossa
irredutível parceira sem a qual Doctor
Who jamais existiria. Aquela que esteve com o Doctor o tempo todo. Sua mais
longa companion. E ela é divertida e
diz coisas bizarras como “I wanted to see
the Universe so I stole a Time Lord and I ran away. And you were the only
one mad enough”. Então
eu gosto.
O Lar se “divertindo” no casco da TARDIS e
manipulando as vidas de Amy e Rory daquela maneira é doentio – a tortura
perfeita. O divertimento que eles
prometeram. E a tensão e o horror se misturam em uma sequência perturbadora
de cenas na qual Amy constantemente abandona Rory para trás, e ele não pode
resistir a isso. O garoto que esperou.
A relatividade do tempo, minutos para ela e anos para ele, angustia. A cada vez
que uma porta se fecha entre eles. Primeiro, ela vira um corredor e se foram
horas para ele, chorando esperando por ela. Depois, ele está HÁ ANOS abandonado
e se torna ameaçador, porque esperou por ela por 2000 anos e ela faz isso com
ele. Barba e cabelos grandes, juízo já se foi. E ele ameaça Amy. Na próxima
porta fechada, as mensagens vermelhas escorrem macabramente das paredes. “DIE, AMY!” “HATE AMY!” E então Rory
está morto, um esqueleto em decomposição, morto pela milionésima vez. “Amy?” – a manipulação da mente é que
perturba, é que nos deixa desconfortáveis. Como Rory aparecendo atrás de Amy
enquanto ela chora por sua morte. Jovem novamente, vivo e bem. Como ela o
deixou segundos atrás. E nada daquilo aconteceu.
Um doentio jogo que brinca com a mente de Amy e
Rory.
“He’s messing with our heads, c’mon,
run!”
Detalhe para a Sexy (a TARDIS) chamando o Rory de “the pretty one”. Concordo. Sobre os 30
layouts da TARDIS? Adorei! Quer dizer, ele não teve só uns 12 modelos
diferentes até agora? Sim, até
agora. “You can’t archive something that
hasn’t happened yet”. Vermelho. Onze. Deleite. Petricor. E o final é
profundamente emotivo e nos leva a pensar na relação do Doctor com sua TARDIS
de uma maneira inovadora e divertida. Adoro poder ouvi-la, conversar com ela.
Mas a depedida dela machuca. É triste, o Doctor chora. Mas então ela retorna à
vida, como a TARDIS. E enquanto Amy e Rory voltam para o seu quarto (novo), a
TARDIS leva-os dali, talvez nem sempre para onde eles queiram ir, mas sempre
para onde eles precisam ir. E isso é interessante, porque o quanto a TARDIS
conhece o Doctor é inigualável. Admirável. E independente de tudo, ela sempre
estará ali. E eles sempre serão isso. Um mad
man and a box.
Doctor Who
foi construído em cima disso, não?
“Fear me, I’ve killed hundreds of
Time Lords”
“Fear me, I’ve killed them all”
Então, por fim, o SURPREENDENTE two-parter que me encantou, do qual eu
gostei MUITO MAIS do que eu esperava gostar. A história intrigante começa com The Rebel Flesh, com a proposta
inovadora de réplicas humanas criadas através de “carne”, que está viva. É
instigante pensar em réplicas perfeitas de seres humanos que poderiam fazer
nossos trabalhos mais perigosos. Réplicas idênticas e vivas, com recriações
perfeitas de pele e até de roupa, com as almas e mentes controladas remotamente
por humanos que as controlam como avatares. Seria interessante (e revolucionário)
se a “carne” que é a matéria-prima para as réplicas não estivesse viva e não sofresse. Não vivesse. E
então tudo se torna questionável. Doctor
Who não faz isso o tempo todo? E, depois de um tsunami solar, as réplicas
assumem suas vidas como pessoas de verdade e resolvem sair por aí. Resolvem
viver. Não como uma ameaça, a princípio, aos seres humanos. “You gave them this. You poured in your personalities, emotions, traits,
memories, secrets, everything. You gave them your lives. Human lives are
amazing. You surprised they walked off with them?”
Mas se as réplicas não são ameaças, em um primeiro
momento, humanos são.
E humanos criam ameaças para si mesmos!
Achei confuso. Por isso digo que meus sentimentos
estavam verdadeiramente divididos ao longo do episódio. Minha primeira reação
era gostar das réplicas, e entender ou tentar entender suas dores. Fazia sentido. “You both have the same childhood memories. Just as clear. Just as real”. Como diferenciar o humano
da réplica? E, mais do que isso, como ousar dizer que um é real e o outro não é
quando eles são, na verdade, A MESMA PESSOA? Quão diferente eles realmente são
se têm as mesmas memórias e viveram exatamente a mesma vida? Quer dizer, é
culpa dos humanos, sempre cometendo os mesmos erros. São questionamentos
interessantes e perturbadores. “Just let
us live”. O pedido das réplicas que lhes sejam permitidos viver é
fundamentado, doloroso. Justo. E quando as réplicas decidem se voltar contra os
humanos, é culpa deles ou é culpa dos humanos que os rechaçam? O quanto uma
pessoa pode ser julgada pela maneira que age quando ela é ameaçada e precisa se
proteger?
“Doctor, you said they wouldn’t be
violent”
“But I did say they were scared. And
angry”
Na primeira parte do episódio duplo, acredito que
Rory é quem mais empenha-se em uma discussão a respeito da natureza das
réplicas. É fortíssima sua relação com Jenny, e as conversas que ambos têm. “My name is Jennifer Lucas. I’m not a factory part. I had toast for my
breakfast. I wrote a letter to my mum. And then you arrived. I noticed your
eyes right off. […] Nice eyes. Kind. […] I am Jennifer Lucas. […] I feel
everything that she has ever felt and more. I’m not a monster. I am me! Me! Me!
Me! Why did they do this to us? Help me, Rory. Help me”. Difícil não
aceitá-la como alguém que precisa de ajuda e a merece. Há muita dor, muito
sofrimento, muita tristeza. A proposta é forte e pungente. E quando Jenny chora
e sofre, Rory a abraça e sofre por ela. E esse é o Rory que conhecemos. Humano. E ele a protege. De uma forma
intensa que só ressalta o meu profundo amor pelo personagem. Não tem como não
amá-lo e como não defendê-lo. “No, you
listen! NOBODY TOUCHES HER!” E é bom que ele se imponha contra Amy em algum
momento.
Isso o fortalece como personagem.
Minha conclusão das réplicas: eles são tão maus quanto são provocados para ser. Então só são tão
maus quanto seus humanos correspondentes lhes instigam a ser. Achei legal do
Doctor fazer o mesmo que Rory e se dispor a protegê-los. É fofo. É bacana. Eu
queria, como o Doctor, encontrar a harmonia, prová-la possível. Coisa que os
humanos estão relutantes a aceitar, como o seriam na vida real. “Sorry. They’re monsters. Mistakes. They
have to be destroyed”. A Revolução se inicia porque um humano tira a vida
de uma réplica e, de todo modo, É UMA VIDA. Mas você sabe que as coisas vão
mudar na Parte Dois depois do SURPREENDENTE final do primeiro episódio. “Trust me, I’m the Doctor”. E eu
confesso que minha primeira reação foi a de um CALAFRIO. Não os considero
vilões e gosto das réplicas, mas é meio assustador quando suas feições não são
totalmente humanas. E aquele Doctor-Réplica estava meio creepy. Bem creepy. Mas
você sabe que é só dessa maneira que as coisas podem, de fato, se resolver.
Porque é o Doctor.
Assim,
The Almost People vem EXPLOSIVO. Os
questionamentos se intensificam. A Revolução se intensifica. E a trama
principal da temporada choca. O episódio começa genial quando a Réplica do
Doctor tem dificuldades para lidar com as regenerações passadas e ainda solta
um “Would you like a jelly baby?” que
fez qualquer fã saltar em êxtase. Mas depois que ele se estabiliza como Matt
Smith, o negócio fica divertidíssimo. Nós temos dois Eleventh Doctors, e a
química não pode ser mais gostosa. E mais divertida. E eles são INCRÍVEIS. E se
aceitam como Doctor, ambos. De sapatos diferentes. “I’m the Doctor” “Yeah, so am I!” É perturbador que Amy não confie,
no entanto, em um dos Doctors, e é doloroso quando ela o chama de “Quase
Doctor” e ele diz que isso não é nada, e que pode chamá-lo, então, de John Smith que dá no mesmo. Eu não posso
dizer que não entenda a Amy, afinal um sempre esteve ali e o outro surgiu
agora, então é verdadeiramente confuso. Me perturba. Mas se o Doctor confia e
acha que eles são, de certa maneira, um só? E quanto podíamos confiar em Amy
vendo aquela mulher de tapa-olho em escotilhas imaginárias o tempo todo? Ah,
seria ótimo jogar na cara dela a verdade – se
eu fosse o Doctor réplica, certamente faria isso.
Mas eu sou maldoso.
Dói um pouco que Amy espere, ainda, que o Doctor
que ela viu morrer, 200 anos mais velho, seja o Outro Doctor, a réplica. E ela
se revolta contra ele e deixa, definitivamente, de confiar nele quando ele se
torna um pouco ameaçador, a segura pelo pescoço, machuca-a e deixa, totalmente,
de soar como Matt Smith. Mas ainda é ele. E a pergunta nos olhos de toda
réplica morrendo: WHY? Mas eu gosto
de como o Doctor é irredutível e ele assume posições do tipo “Eu acredito nele. Se você não acredita, está
duvidando de mim também” contra Amy. Ela precisa ser questionada mesmo! E a
grande questão que permeia o episódio é: “Who are the real monsters?” Respostas podem
variar. E quando o Outro Doctor é constantemente traído e questionado, e então
ele se junta às Réplicas e diz um “Call
me Smith. John Smith”, eu temi. Mesmo. Mas eu sabia que o Doctor não era
mau, e sua réplica, portanto, também não podia ser. Ele liga para Adam, o filho
de Jimmy. E é lindíssimo. E então, embora fizesse todo sentido (porque eu acho
que as réplicas só queriam fazer com os humanos o que eles sempre,
impiedosamente, fizeram com eles), o Doctor consegue um meio-termo.
“No. I’ve helped him into an act of
humanity”
Não há Revolução. Não há vitória. Há, finalmente,
uma harmonia encontrada. E é
belíssimo. “It doesn’t have to be about revenge.
It can be so much better than
that”. É possível viver com eles e isso foi provada, e Jimmy Weeks, a beira
da morte, aceita sua réplica, e diz que ele é o pai de Adam. Isso é tocante! “Jimmy Weeks. You’re a dad”. Mas a
emoção é sobrepujada pelas revelações bombásticas futuras. Do tipo “trocamos de sapato”. É perfeito (e
coloca Amy no chão!) o plano dos Doctors para conhecer melhor a “carne” através
dos olhos de Amy! Afinal eles trocaram de sapatos para que estivessem trocados
o tempo todo. Isso é forte. Porque Amy não amava mais um Doctor que outro pela
maneira que ele era, mas sim por quem ela acreditava que era. Era aleatório, na
verdade. E isso provado é genial. O abraço dos dois é genial! E então o
entendimento de todo o lance da escotilha e da mulher do tapa-olho. O teste de
gravidez inconstante na TARDIS. As contrações que Amy sente “sem” estar
grávida. O trabalho de parto se iniciando AGORA.
E Amy era “carne” O TEMPO TODO.
Não estava na TARDIS há muito tempo. “You haven’t been here for a long time”
Então o Doctor desintegra a Réplica de Amy.
E promete e ir atrás daquela Amy, “verdadeira”,
presa em algum lugar pela mulher do tapa-olho, entrando em trabalho de parto nesse exato momento. Sabe-se lá há
quanto tempo essa Amy está lá. E isso é meio assustador, creepy. Me arrepia todo pensar nessa possibilidade. Acho que minha
reação foi próxima a de Rory. Mas que é genial, é.
Doctor Who
sempre consegue nos surpreender.
Sempre.
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