Black Mirror 1x03 – The Entire History of You
É irônico e preocupante pensar em uma sociedade em
que tudo está exposto, onde não existe mais segredo ou privacidade, e se dar
conta de que isso não é um “mero plot
de ficção científica distópica”. Vivemos NESSE MUNDO. Capitu traiu Bentinho? O episódio
traz um caso de traição fortíssimo e bem elaborado, e às vezes as pessoas se
focam apenas nesse aspecto de “The Entire
History of You” sem se dar conta de que a crítica é muito mais abrangente
que isso, e é isso o que torna o episódio tão incômodo de se assistir. Acabei CADA
episódio da primeira temporada de “Black
Mirror” transtornado. Com o coração nervoso e batendo rápido, com um pouco
de falta de ar, horrorizado… a série não é apenas ficção científica ou
suspense, mas quase um terror psicológico
que brinca conosco e nos estapeia continuamente.
Como dói perceber a REALIDADE por trás de “Black Mirror”.
O episodio é uma intensa crítica à maneira como
lidamos com as tecnologias AGORA. Fotos e vídeos incessantes… paranoia. O implante
do Banco de Memórias é apenas uma questão de TEMPO. Não nego que inicialmente a
premissa me fascina, assim como há tantos – a possibilidade de ter cada minuto
do seu dia gravado é assustadora e eletrizante, de modo paradoxal e uno. Momentos
que nunca mais queríamos reviver, mas seria “bom” retornar a algumas
experiências, e não apenas sexuais, como ressalta Jonas. A ideia é
surpreendente, nem tão surreal, e pode parecer um “sonho”, cheio de
possibilidades. Mas o episódio é eficaz ao evidenciar os PROBLEMAS disso, e o
quanto essa tecnologia, ao lado da natureza humana que perturba e obceca, pode
ser prejudicial. Não deixaríamos de VIVER se estivéssemos nesse mundo.
Não deixamos de VIVER, de ver as coisas para
vê-las através da tela do celular?
Já no
presente?
“The Entire
History of You”, em primeiro instância, nos faz pensar nisso: no quanto nos
tornamos DEPENDENTES dessas tecnologias. “Ah, mas isso não existe de verdade”,
você me diria, mas os seus predecessores sim, e as pessoas estão IGUALMENTE
dependentes. Real, atual e preocupante. Acredito que isso nos maquiniza, coloca
em cheque a nossa subjetividade e própria HUMANIDADE. Talvez não saibamos mais
como “ser humanos”, a não ser atados a uma máquina, a uma tecnologia qualquer. É
como quando uma das personagens fala da “ineficácia” das memórias orgânicas,
como são frágeis, não confiáveis e até manipuláveis… mas talvez elas sejam
assim POR UM MOTIVO! Talvez, por nossa própria sanidade mental, precisemos que
elas sejam assim, precisamos do esquecimento… o quão atados e incapacitados de “seguir
adiante” aqueles personagens estão?
Nesse terceiro episódio de “Black Mirror”, temos o EXEMPLO (e é apenas um exemplo de uma discussão
muito mais ampla concentrada em quase 50 minutos de episódio) dos ciúmes e de
uma traição. Liam Foxwell (interpretado por Toby Kebbell), depois de uma
entrevista bastante insegura, está em um jantar com “amigos”, em que nota que
sua esposa, Ffion (interpretada pela agora Doctor, Jodie Whittaker), está próxima demais de Jonas. Os ciúmes se
manifestam de forma diferente nessa época, assim como TUDO O MAIS. A discussão
é séria, e esse implante de memória torna tudo muito mais doentio… aumenta a pressão, o controle sobre o outro, a obsessão. Quando
Fi assume que namorou Jonas por um mês, e Liam diz que ela tinha dito que fora “uma
semana”, ela não pode mentir… porque ele
tem a prova do que ela disse, eternamente registrada.
E isso é doentio.
Acredito que as pessoas ficam DOENTES nessa realidade,
e isso é representado no próprio personagem de Liam. Ele DEIXA DE VIVER porque
está obcecado por tudo o que passou a acreditar agora. Independente dos ciúmes,
o episódio ainda é eficaz na construção estética do mundo, e ao evidenciar como
esse “Banco de Memórias” denigre as próprias relações humanas, quando Fi e Liam
transam, mas estão com os olhos vidrados em memórias antigas, de uma boa noite
de sexo, para alimentar um sexo morno e sem graça do presente. As coisas se
tornam impessoais, as memórias se tornam objetos, e tudo destrói o ser humano. E,
novamente ressalto: estamos próximos demais disso. Com tecnologias similares, a
doença e a obsessão imperam… muita gente agiria exatamente como Liam com o
Banco de Memórias. Ele vê e revê memórias, lê coisas nos mínimos detalhes, se
torna DOENTIO.
Durante grande parte do episódio, acompanhamos o processo
de “investigação” de Liam. Ele está revivendo eternamente o jantar da noite
anterior, vendo a maneira como Fi muda antes e depois de sua chegada. Vendo como
ela olha para Jonas, e depois como olha para ele. E isso lhe machuca porque ele
realmente VÊ coisas. Tudo é tão mais concreto e analisável agora, e isso me faz
pensar no quando o embasamento de memórias orgânicas pode ser benéfico. Pode evitar
conflitos. Porque com as memórias gravadas, Liam descobre que Fi não esteve com
Jonas uma semana, nem um mês. SEIS MESES. E então ele vai até a casa de Jonas
para tirar algumas coisas a limpo, e temos uma das cenas mais fortes e mais
angustiantes do episódio! E parece obcecado, mas no fundo eu entendo a angústia
que é para Liam pensar em Jonas se masturbando com memórias antigas de sua
esposa.
Não sei se é certo ou errado, mas é ANGUSTIANTE.
O episódio chega ao seu ápice quando Liam acorda
depois de um acidente e revê as coisas das quais nem se lembra, vê como ameaçou
Jonas com uma garrafa quebrada, fazendo-o apagar todas as memórias de Ffion, ou
então ele mesmo arrancaria o chip detrás de sua orelha! E então ele percebe
algo ainda MAIS perturbador e vai embora, com uma pergunta bem direta: “Am I Jody’s father?” Porque ele viu,
nas memórias de Jonas, que ele esteve com Ffion 18 meses atrás, no quarto
DELES, e então eu me pergunto qual era, por fim, a proposta do episódio. Porque
ficou dúbia. Liam era doentio, ciumento e obcecado, mas ele REALMENTE descobriu
algo! Ffion tinha coisas a esconder, coisas escondidas que não tornavam o
relacionamento saudável. Ele quer saber se, 18 meses atrás, Jonas usou
camisinha para transar com a sua esposa, porque pode ser que a filha que ele
acredita ser deles nem seja dele, afinal. E isso pesa nele e pesou em mim.
Doeu-me ver isso tudo.
É desesperador, e Fi não pode mentir. A sequência
é dolorosa e intensa. Liam faz perguntas sobre a camisinha, sobre onde Jonas a
tinha, sobre de quem foi a ideia de usá-la, e por fim pergunta de Fi o viu
colocar, e quando ela diz que sim, ELE PEDE PARA VER. Isso expressa a doença
humana, mas também expressa que NÃO PODEMOS ter esse tipo de tecnologia, porque
é algo que um grande número de pessoas faria. E é preocupante. Era evidente que Ffion tinha realmente traído o
marido e não tinha usado camisinha. Porque ela mente que apagou, mas se recusa
a mostrar o espaço em branco, tenta apagar naquele momento e ele não deixa… e
quando ele a obriga a colocar o momento na tela, é a destruição total do ser
humano. Não há camisinha, aparentemente, e tudo o que Liam vê é a esposa
sentindo prazer com outro homem, possivelmente gerando a filha que ele chama de
sua.
E aquilo foi PERTURBADOR.
Termino o episódio, novamente, sentindo-me
arrasado, com dor no peito, com vontade de chorar, tremendo de pura angústia. Mas também é uma verdadeira obra de arte! Perturbador
e angustiante? Sem sombra de dúvidas! Mas “The
Entire History of You” é uma das melhores obras de ficção que já assisti! Um
episódio PESADO, com uma bela retratação do nosso destino caso sigamos o
caminho que estamos seguindo… o episódio é doloroso e melancólico, e termina
com Liam revivendo algumas de suas memórias boas com a esposa e com a filha,
antes de ele mesmo cortar a parte de trás de sua orelha para arrancar o Banco
de Memórias, depois de finalmente perceber o quanto aquilo era doentio, o
quanto aquilo fazia mal e o quanto destruía a vida dele e de todos… era preciso
fazê-lo. Era preciso seguir o conselho de “ser mais feliz” sem o Banco de
Memórias. Foi angustiante de se assistir, mas talvez Liam vá ter uma nova vida agora. Provavelmente não ao
lado de Fi, essa relação já foi destruída…
…destruída por uma aliança da natureza humana e a
tecnologia avançada…
…e por culpa dos dois. Não é culpa de Liam. Não é
culpa de Fi. É de AMBOS!
Estava pensando sobre tecnologia e como estamos tão conectados hoje em dia, e me assusto um pouco...porque não deixa de ser uma dependência; e entra aquela questão do: "postei, logo existo", no sentido de estou aqui! Tenho isso! Faço isso! Sou isso! e EXISTO! Porque se eu não postar nada, ou não colocar uma selfie numa rede social, eu não existo, ninguém saberá quem sou eu, ninguém falará comigo....serei esquecida pelos amigos e pelos amigos virtuais...é muito doido!
ResponderExcluirSério, não assisti todos os epis de Black Mirror, só esse e o dos "likes" (ASSISTE ESSEEEEE!!!!!!!!!!!!!) é muito doentio, e como você disse, não é uma coisa "que não existe", e que só teremos no "futuro", já TEMOS isso agora! Com um celular na mão você grava momentos e tira fotos pra guardar pra eternidade, tanto coisas boas, quanto ruins...não deixa de ser igual esse chip aí...você revive coisas, usa tanto pro bem, quanto pro mal, e cada vez nos afundamos mais (quer dizer, quem não tem noção mesmo...quem não consegue sair dessa tecnologia doida!).
Enfim...já filosofei demais e perdi o foco hahahahahaha
é isso
Beijãozão *