Altered Carbon 1x03 – In a Lonely Place


“Death isn't up to us to give or withhold”
Muito me espanta o horror das atitudes dos Matusas, e muito mais me aterroriza saber que é apenas a visão interna de uma sociedade futurística que brinca e desvaloriza a vida humana do mesmo modo que as classes abastadas fazem no nosso terrível presente de 2018. Eu digo isso na dissertação do meu Mestrado, e reforço o quanto é verdade: a ficção científica não é algo distanciado da realidade, mas apenas a representação alegórica da mesma, e nos reconhecemos em símbolos o tempo todo. Um gênero pesado, portanto. O episódio começa muito bem, apresentando Mykola-Maluco e o Homem-Retalho, uma história para “assustar criancinhas” que é deveras macabra, e aquele bonito e triste momento de Tak e Rei, quando crianças: “We gotta stick together, Rei. Never face the monsters alone”. Seguindo esse mote, Kovacs não vai enfrentar seu monstro sozinho.
Os monstros se anunciam em uma “festa” doentia que Laurens Bancroft organiza para todos aqueles que podiam querer matá-lo, e Kovacs é convidado. No entanto, ele não planeja comparecer sozinho. Poe, infelizmente, um dos melhores personagens de “Altered Carbon”, não pode deixar o hotel, pois ele É o hotel, mas ele pode ajudar de outras maneiras. Além de uma ajuda remota, ele também permite que Takeshi Kovacs vá atrás de Elliot e lhe proponha um acordo: ele o ajuda dando cobertura na festa, e ele ajuda Lizzie, que precisa de uma psicocirurgia, algo que Poe pode fazer! Gostei do fato da trama do episódio passado se conectar intrinsecamente com a construção do futuro da série, e eu acho que Kovacs, Elliot e Poe formam um inusitado e perfeito trio… é uma pena só que Poe não possa deixar o hotel, porque eu o queria na festa.
“Don’t take this personally, but… I don’t care about anyone”
Poe é bastante competente no que faz. Enquanto Elliot e Kovacs saem para se armar para o “evento”, Poe fica no Hotel THE RAVEN oferecendo a Lizzie um quarto virtual repleto de rosa (sua ideia de “não-ameaçador”) e cuidando dela. Eu gosto de como, mesmo sendo uma Inteligência Artificial, ele tem toda essa sensibilidade e capacidade que o ser humano, no caso Elliot, não apresentou. Ele se aproxima de Lizzie e consegue empreender melhorias significativas, como fazê-la falar, e a cena chega a arrepiar. Como Kovacs cumpriu a sua parte da promessa, com Poe mantendo Lizzie em segurança, agora é hora de Elliot ajudar Tak, e ir com ele para a festa dos Matusas para dar-lhe cobertura. E para mim, isso foi o mais ATERRADOR. Há quem diga que foi “enrolação”, e não é o caso: a festa está permitindo que “Altered Carbon” cumpra o intuito da ficção científica: fazer pensar.
Ficção científica é sobre isso.
A representação do Universo Matusa é perfeito, e horripilante. Tudo ali me causa ânsia, repugnância. Kovacs está ali para conversar com os convidados, para tentar descobrir quem poderia ter matado Laurens Bancroft, como a própria filha, de 67 anos, que usa o corpo da mãe para transar com convidados, por exemplo, ou Isaac, o filho beberrão que perde o controle. A princípio, nenhum dos filhos, no entanto, teria motivo para matar o pai, tendo em vista que está bem claro no testamento que, caso morra, Bancroft deixará os filhos sem nada. De todo modo, é algo a ser investigado. Mas o horror da sociedade Matusa é expresso na frieza com que mostram seus “objetos especiais”, por exemplo, como a mão de um homem ou um estuprador cuja consciência foi baixada em um réptil, com aquele discurso de que “as leis não se aplicam a nós”. Nada distante da realidade.
Leis não são para todos, independente do que você queira acreditar.
Não são.
Tudo se converte em mercadoria para quem tem dinheiro para pagar por ela, e Bancroft mostra o seu “objeto especial”: O Último Emissário, Takeshi Kovacs. A tensão escala para a finalização doente do episódio, com um duelo até a morte da capa entre um casal, enquanto os Matusas assistem deleitados, o que evidencia a mente deturpada do ser humano. É perverso, mas o descaso com a vida humana sempre foi observada em nossa sociedade. A luta entre o casal começa em gravidade zero, mas se intensifica quando sai dessa área para um local de gravidade normal, onde somos confrontados com a violência gráfica que só expressa o quão problemática aquelas pessoas são. A dor infligida é REAL, independente do cartucho ser reencapado, e me pergunto “como submeter um ser humano a isso?” A crítica é evidente. Duas coisas deixam tudo ainda mais forte: a trilha sonora clássica e irônica, e o sangue da mulher espirrando nos convidados, que reagem com prazer…
Até provando o sangue.
Eles são nojentos.
Então, Bancroft coloca Kovacs na batalha, e a cena se torna mais de ação e batalha real do que de crítica, mas permanece assustadora. Todos torcem pela morte do Emissário, e enquanto golpes baixos são desferidos, Kristin Ortega faz de tudo para salvar Kovacs, dizendo a Bancroft que “ele não tem licença para isso”. Quando o Matusa diz que “legalmente Kovacs é sua propriedade”, Kristin termina a luta com um tiro na placa que a controla… é uma cena e tanto! Takeshi Kovacs sobreviveu, com a ajuda de Kristin, mas Bancroft o avisa para “manter-se longe de sua esposa”. No entanto, o final desesperador do episódio leva Kovacs de volta ao puteiro onde conheceu Alice, agora muito mais machucada, e ela é obrigada a sedá-lo, antes de ser brutalmente assassinada. Agora, Takeshi Kovacs, o Último Emissário, está preso e prestes a ser torturado.
Que angústia.

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