A Forma da Água (The Shape of Water, 2018)



Tocante. Inteligente. Provocante. Belo.
Eu estava extremamente curioso, ansioso e confiante por “A Forma da Água”. Desde “O Labirinto do Fauno”, de Guillermo del Toro, eu aprendi a respeitar e desejar mais produções do diretor, por causa dessa sua visão peculiar e envolvente do mundo e de todo esse universo mais místico. Ele brinca com brilhantismo por estilos diferentes, criando uma narrativa densa e repleta de momentos, de leituras e de críticas. “A Forma da Água” tem uma força impressionante, e é um dos filmes mais belos que eu vi na vida. Tudo trabalha para um resultado final admirável, do visual impecável à trilha sonora cuidadosamente escolhida, e atuações brilhantes que tornam tudo tão verdadeiro e singelo. O trabalho é delicado e cuidadoso, e nos conduz por uma série de paixões e angústias, se envolvendo e se distanciando conforme necessário.
É apaixonante.
Tecnicamente, o filme é IMPECÁVEL. O visual proposto por Guillermo del Toro pode ser sentido desde a primeiríssima cena, embaixo da água, e aquilo me arrepiou! Cuidadosamente trabalhado todos os cenários e figurinos, e o visual da Criatura era lindo. Também adorei a escolha da trilha sonora, presente com tanta força em momentos importantes de transição de um ponto a outro da narrativa. Momentos simples e belos como Elisa e Giles sapateando enquanto sentados no sofá faz toda a diferença para a construção dessa tocante amizade que os dois compartilham… a trilha, escolhida de acordo com a época em que o filme acontece, é composta por músicas em inglês, francês e português, com um momento divertido em que ouvimos Carmem Miranda e, por algum motivo, aquilo é tão bom! Ouvir o português no áudio original de um filme hollywoodiano.
A história de “A Forma da Água” traz Elisa Esposito, uma mulher muda que trabalha em um laboratório secreto do governo, como parte da equipe de limpeza. Estamos no meio da rivalidade entre Estados Unidos e Rússia, e a famosa corrida espacial, e os lugares baixos a que o ser humano pode ir em busca pelo poder é perturbador, porque eu não consigo me convencer de que isso é “ficção”, porque não é “apenas” ficção. Então tudo se torna profundamente doloroso. Elisa descobre, por acaso, uma criatura marinha, mas em forma humanoide, que é mantida “prisioneira para estudos” no laboratório, e a maneira como o tratam é totalmente desumana… rapidamente, ela se aproxima dele de forma muito bonita, primeiro lhe trazendo ovos para comer, depois trazendo-lhe música para escutar, e eles se comunicam através de sinais.
Foi delicado colocar a protagonista muda, porque isso facilita a comunicação dela com a criatura, que não pode falar, e isso me comoveu. Talvez uma das maiores forças do filme tenha sido a relação entre as pessoas, não apenas entre Elisa e a criatura. Elisa tem dois amigos para a vida toda que são muito ESPECIAIS. Primeiramente, Zelda, a sua colega de trabalho que a adora, e que sempre a ajuda quando ela chega quase atrasada para bater o cartão. Em segundo lugar, Giles, o homem com quem mora e que, parece, faria tudo por ela. A relação de Elisa com cada um deles é tão bonita que chega a me arrepiar… e, eventualmente, percebemos que Elisa, Giles e a criatura têm muito mais em comum do que se pode imaginar, e assim ganhamos algumas das quotes mais bonitas e mais inteligentes de todo o filme… tudo é realmente admirável em “A Forma da Água”.
Depois que Elisa vira amiga da criatura (e as cenas são delicadas, e apresentadas em uma sucessão bonita que torna tudo muito sincero), trazendo-lhe ovos e discos, ela está tão encantada que faria de tudo para protegê-la. Mas ela parece ser a “única” a perceber com humanidade o que é essa criatura, e quando Richard Strickland, o cara dos dedos e interior podres, se mostra disposto a MATAR a criatura em uma dissecação viva, ela sabe que tem que fazer alguma coisa. A força e a coragem de Elisa são admiráveis. Ela é “só a garota da limpeza”, mas ela não pode permitir que a criatura siga sendo torturada… o momento em que ela assiste e ouve a isso escondida, por exemplo, foi fortíssimo, e eu quase não tive coragem de assistir eu mesmo, porque era revoltante demais. Por isso, Elisa convoca a ajuda que puder convocar para libertar a Criatura.
Uma das cenas mais LINDAS acontece quando Elisa tenta convencer Giles. Eu até entendo o receio de Giles: eles não são “ninguém”, e tentar tirar algo do laboratório secreto do governo é arriscado, mas ela faz isso por AMOR, e ainda nem é um amor romântico. Foi fortíssima a cena em que ela fala com Giles sobre a criatura, o defende, diz que ele a entende e que olha para ela e gosta dela pelo o que ela é, sem saber que ela é “incompleta”. Aquilo doeu. E Giles está disposto a não escutá-la, dizendo que “ele nem é humano”, e então um dos momentos MAIS FORTES de todo o filme: quando ela bate na parede para chamar sua atenção e diz: “Se nós não o ajudarmos, também não seremos”. Isso foi de um impacto TREMENDO, e um dos meus momentos favoritos… depois disso e outras desilusões, Giles é um fofo decidindo ajudá-la.
Mas a sequência de fuga é DESESPERADORA. Acho que há muito tempo não ficava tão apreensivo no cinema, e eu fiquei tenso do início ao complicadíssimo fim. Uma sequência repleta de tensão, esse é o primeiro clímax do filme, e conta com a participação de muita gente. Elisa e Giles não teriam conseguido sozinhos, se não tivessem a ajuda do Dr. Hoffstetler, ou Dimitri, que se mostra um bom homem, afinal, e a própria Zelda, que ama e protege Elisa a todo custo e bate o seu cartão no momento certo, felizmente, e acaba se envolvendo naquela eletrizante fuga que eu quase achei que não seria bem-sucedida… foi com tranquilidade e amor que eu assisti a eles saindo de dentro do laboratório, frustrando Strickland e ainda destruindo parte de seu carro. Também foi com ORGULHO e PRAZER que assisti à Elisa sendo dissimulada, como se não soubesse nada, e ainda o provocando com um “FUCK YOU” delicioso.
<3
Com a Criatura fora do laboratório, a história toma um rumo novo e segue uma trajetória muito bem construída. Eu gosto do paralelo entre ele, Giles e Elisa, como eu disse. Todos são páreas, todos se sentem distantes, rejeitados, “com defeito”. A Criatura pela própria maneira como ele é tratado no laboratório. Giles por ser gay e sozinho, e me partiu o coração aquela conversa que ele teve com a Criatura, quando disse que sentia que “tinha nascido atrasado ou adiantado demais para a sua vida”. E, claro, Elisa, que se sentia “incompleta” por não poder falar. Tudo isso, delicadíssimo, é tratado de forma cuidadosa e completa, e eu achei isso lindíssimo. E a mensagem do filme é clara, a maneira como eles são todos muito mais HUMANOS que personagens como Strickland. Quando Giles fala, na abertura, sobre o “monstro”, ele nunca se referiu à Criatura.
Nem tinha o porquê.
A Criatura, no entanto, segue sendo selvagem. A cena em que Giles dorme enquanto cuida dele me tencionou, e foi triste vê-lo comer um dos gatos de Giles, mas ele não podia culpar a criatura. Achei bonito, também, como Elisa seguiu as pistas e conseguiu encontrá-lo dentro do cinema, e levá-lo de volta para casa, onde eles começam a se envolver de uma nova forma. A sensibilidade ao toque é expressada através de luzes azuis que tomam conta do corpo da Criatura, bem como aquilo que surge nele quando ele toca o machucado de Giles, por exemplo, e eu fico pensando nas infinitas POSSIBILIDADES que essa Criatura oferece… ali, no banheiro, sem medo, Elisa se entrega a ele, e eles fazem amor pela primeira vez, e a humanidade do filme é tão forte que tudo parece poético. Eu confesso que fiquei emocionado, inicialmente, e me diverti depois, na conversa com Zelda.
Até porque a Zelda é MARAVILHOSA!
Elisa e a Criatura se envolveram romanticamente, e a maneira como se entendiam era mais profunda do que uma conversa podia expressar. Era íntimo. O filme é permeado por cenas singelas como aquela canção dela, finalizada em língua de sinais, e a maneira como os dois se conectam, e como Giles e Zelda se tornam cúmplices. Infelizmente, no entanto, quando muito próximos do momento de liberar a Criatura de volta ao mar, especialmente porque ele está sofrendo do lado de fora, Strickland consegue a informação de quem “roubou a coisa”: as mulheres da limpeza. Que AGONIA de cena quando ele vai atrás de Zelda, e que ódio daquele marido inútil dela! Mas ela liga para alertar Elisa, e ela foge com a criatura e Giles, embaixo de chuva, até as docas, onde ela poderá liberá-lo, e a despedida é profundamente dolorosa… ele quer que ela vá com ele!
“Eu e você. Juntos”, ele sinaliza.
No segundo clímax do filme, Strickland atira na criatura e depois atira em Elisa, e é doloroso como ambos caem mortos, e eu fiquei pensando em Ofelia e no final de “O Labirinto do Fauno”, e meu coração se apertou, embora eu ainda estivesse achando que toda a construção do filme era belíssima. Giles é quem bate em Strickland, e a Criatura se levanta, mesmo depois dos tiros, com o poder de curar-se – como um deus, quase. E ele mata Strickland rapidamente, como ele merecia. Então, despedindo-se de Giles, a Criatura pega Elisa nos braços e pula com ela no mar, onde depois de um beijo, a sua cicatriz em forma de três arranhões no pescoço se tornam guelras, e parece que eles poderão “viver felizes para sempre” lá embaixo, enquanto Giles, acredito e espero, pode expor os desenhos de Elisa e a Criatura, e quem sabe fazer sua vida a partir disso.
Quero pensar que ele foi feliz.
O final é LINDÍSSIMO, e termina embaixo da água, naquele abraço tão bonito, e as teorias são mirabolantes e bacanas. Guillermo del Toro e sua capacidade de nos fazer pensar. As leituras são várias, mas eu fico me perguntando se Elisa já não conhecia a Criatura e o seu povo. Afinal de contas, as marcas são características e ela foi encontrada no mar, isso foi expresso mais cedo no filme. Além do mais, ela nunca teve medo dele. Também é possível, quiçá, que ela até fosse um deles, por algum motivo entrando no mundo humano desde muito cedo. Não sabemos a extensão desses poderes de “cura”, não sabemos se aquela cicatriz em seu pescoço não foram sempre guelras inutilizadas do lado de fora, tampouco sabemos se ela não pode falar por causa de um ferimento ou porque ela sempre foi como a Criatura e não tem esse poder.
Não sabemos.
Mas sabemos que ela viveu “feliz para sempre” com a Criatura! <3
O filme é belíssimo e totalmente cuidadoso. Preocupado com os detalhes, ele foi brilhantemente escrito com tudo se justificando antes mesmo de acontecer, até em coisas “pequenas”, como o caso do cartão-ponto de Elisa e as ajudas de Zelda. O final é tocante e repleto de possibilidades, e eu quase lamento ter que me despedir desses personagens tão apaixonantes e desse universo, que é tão revoltante, real e doloroso quanto também é singelo e bonito. Esperei muito por esse filme, sempre com uma ansiedade imensa, e eu saí do cinema extremamente feliz e REALIZADO. Como disse no início da postagem, atuações impecáveis, visual marcante e trilha sonora muito bem escolhida, o filme é um verdadeiro primor, uma obra de arte apaixonante e apaixonada, que te encanta e te envolve do início ao fim. Um filme para ficar para sempre guardado em nossos corações!


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Comentários

  1. Adorei como fizeram a historia por que não tem nenhuma cena entediante. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto Fahrenheit 451 o filme será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes de ficção cientifica, acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

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