Peter Pan nos Jardins de Kensington (James Matthew Barrie)
“[…] ter fé é ter asas”
Peter Pan
é, provavelmente, o meu personagem favorito na literatura – alguma coisa nele
me fascina profundamente e sou apaixonado por sua história desde muito novo. Em
1902 o personagem surge pela primeira vez, em um livro de James Matthew Barrie,
e é publicado como Peter Pan nos Jardins
de Kensington em 1906… a PRIMEIRA HISTÓRIA de Peter Pan, sua belíssima
concepção em uma narrativa cheia de coração. Incrivelmente doce, poética e
apaixonante, o livro consegue te deixar com um sorriso bobo no rosto e lágrimas
nos olhos. Também é profundamente triste. Ver como o personagem foi concebido
antes de tudo me comoveu mais do que qualquer outra história do personagem.
Barrie conduz uma narrativa calma, envolvente e em tom de poesia te leva para a
maneira como as crianças enxergam as coisas mais triviais e as mais belas da
vida. Assim, com essa proposta, surge PETER PAN, e é naturalmente fascinante.
O livro se inicia de forma calma, poética,
apresentando a beleza dos Jardins de Kensington, num tom diferente do que
estamos habitualmente acostumados. Percebemos o tom do livro já ali, e eu
percebi, comovido, que seria emocionante. A narrativa em primeira pessoa fala
conosco, e parece brincar com uma poesia belíssima, com uma mentalidade
infantil, inocente, imaginativa – e bela. Como a mulher dos balões, que fica
abaixada para não ser levada, ou que tem o rosto vermelho pelo esforço de se
segurar ao chão. As crianças com pernas tortas que são aquelas que foram
obrigadas a começar a andar cedo demais porque os pais queriam seus carrinhos
para carregar os seus barcos para navegar na Lagoa Redonda. A Serpentina e a
sua floresta submersa, cujas árvores crescem de ponta-cabeça, se você der uma
espiada… dizem que, à noite, existem
também estrelas submersas.
Os Jardins de Kensington são apaixonantes,
relaxantes, ainda mais na visão de uma criança. Eu queria estar lá, queria ver
tudo acontecer… queria poder ir, embora nenhum humano vá, até a Ilha de Peter
Pan. Conhecê-lo e agradecê-lo por tudo. A grande marca deixada por J. M. Barrie
em Peter Pan nos Jardins de Kensington
(ainda não há nada de “Terra do Nunca”) é a poesia na beleza da inocência da
interpretação infantil a coisas que adultos mal dão atenção. Tudo é
impressionante, apaixonante. Poético. O autor só apresenta o personagem Peter
Pan, de fato, no segundo capítulo, e sua história é repleta de simbolismo e
significado – só o fato de sua mãe e sua avó se lembrarem de Peter Pan, tê-lo
conhecido e o fato de ele ter todos esses anos e não ter ano nenhum, porque tem
apenas 7 dias de vida, é inocente, puro, ingênuo e feliz. Quando fugiu tinha 7
dias, e nunca teve um aniversário na vida e nunca terá.
Será sempre esse garoto.
Peter Pan.
Não sei explicar QUEM seria Peter Pan. É uma
belíssima história passada de geração a geração – conhecida e vivida por todos.
Talvez seja o delicioso espírito das crianças que muitos adultos insistem em
deixar para trás e negar. De todo modo, é intrigante a proposta de que todos
fomos pássaros antes de sermos humanos, e por isso, quando “nascemos”, ainda
somos selvagens nas primeiras semanas de vida… por isso Peter Pan nunca virou
totalmente humano. Ele é meio-humano. O livro é repleto dessas ideias e dessas
metáforas, dessas possibilidades bonitas e imaginativas sobre como as coisas
podem ter acontecido – e quem dirá que não são verdade. Barrie é convincente.
Barrie explica tudo. E é mais gostoso pensar nisso como verdade do que na
“verdade” que realmente conhecemos. Porque tudo se torna mais mágico, mais
bonito e faz todo o sentido. Viemos, portanto, de pássaros? Salomão nos mandou
para nossa mãe depois que ela nos pediu em cartas?
“Peter Pan saiu pela janela, que não tinha
grades. Ele ficou no parapeito e observou à distância as árvores que, sem
dúvida, eram dos Jardins de Kensington. No momento em que as viu, ele se
esqueceu completamente de que era um garotinho usando pijamas e saiu voando,
passou pelas casas e se dirigiu aos Jardins. É incrível que ele possa ter voado
sem asas, mas o local onde elas costumavam estar eram muito sensíveis e,
talvez, todos nós pudéssemos voar se tivéssemos absoluta certeza de tal
capacidade, assim como aconteceu com o forte Peter Pan naquela noite” (p.
21).
Talvez todos pudéssemos voar? Isso é LINDO. Mas “[…] no momento em que você duvida que pode
voar, perde para sempre tal poder. O motivo para os pássaros poderem voar e nós
não é o simples fato de que eles têm plena fé. E ter fé é ter asas” (p.
24). Isso me arrepiou prontamente. Peter Pan perdeu sua capacidade de voar ao
tomar consciência de sua nova forma, sua forma diferente da dos pássaros… de menino. Assim ele ficou preso na
Ilha, e sua mãe ficou esperando que seu garotinho voltasse pela janela mantida
aberta. Peter Pan passou a viver na Ilha, nem inteiramente pássaro nem
inteiramente humano. E sabe como ele se alimenta? Com migalhas de pão levadas
dos Jardins para Peter na Ilha… assim “Agora
você sabe que, quando grita ‘Sai! Sai!’ para um pássaro que rouba um pedaço de
pão, não deveria fazê-lo, pois, provavelmente, ele está levando comida para
Peter Pan” (p. 27). Mas Peter anseia por voltar para os Jardins de
Kensington.
Divertir-se como um garoto comum.
Brincar com as FADAS.
Lindo, infantil e poético, um grande NINHO DE
SABIÁ construído pelos pássaros para ajudar Peter Pan, finalmente pode levá-lo
de volta para os Jardins de Kensington, onde ele brincava toda noite e se
divertia com o que encontrava… como um bambolê, que ele achou ter descoberto a
função ao usá-lo como barco na Lagoa Redonda, entrando para resgatá-lo toda vez
que ele afundava, ou um baldinho que ele achou que fosse para se sentar e no
qual entalou, ou ainda a cômica interação de Peter com um carrinho de bebê, que
ele foi incapaz de entender. A inocência e a pureza de uma mente infantil e
FELIZ é fascinante. Peter Pan vive feliz, se diverte, e sua pureza garante isso.
O livro é de uma delicadeza tocante, uma cena linda após a outra, sempre se
superando e surpreendendo o leitor. O tempo de leitura se prolonga porque você
não tem pressa. Você lê e saboreia cada palavra, cada parágrafo, cada página.
Se entrega a sorrisos, devaneios.
Paixões.
Uma LINDÍSSIMA passagem é o trecho das fadas. É
dificílimo vê-las, segundo o autor, porque elas são astutas e vivem se
escondendo ou se passando pelo o que não são. No entanto, pode-se ter certeza:
ELAS SEMPRE EXISTEM ONDE TÊM CRIANÇAS. Elas apareceram nos Jardins de
Kensington assim que as crianças foram permitidas lá, na mesma noite. Elas não
conseguem segurar o impulso de segui-las. Mas ninguém pode vê-las, no geral.
Porque elas costumam se vestir de flores e se fazem passar por elas, e você
nunca sabe quando está olhando para uma flor de verdade ou para uma fada – e
suas casas são feitas da cor da noite e por isso não podem ser vistas durante o
dia, pois não há notícia de alguém que possa ver a noite durante o dia! Suas
aventuras são divertidas, e consistem em quase serem pegas e, por fim,
conseguirem passar sem serem vistas ou coisas assim… nunca fazem nada de útil.
E você sabe como elas nasceram?
ISSO PARA MIM É UMA DAS MELHORES PASSAGENS DO
LIVRO:
“Quando o primeiro bebê deu sua primeira
gargalhada, esse riso se quebrou em um milhão de pedacinhos, que saíram todos
saltitando. Foi assim que nasceram as fadas” (p. 46).
Não poderia ser MAIS BELO!
E poético, como disse.
Na cultura das fadas, o membro mais JOVEM da
família é sempre o líder, quem é coroado o príncipe ou princesa, quem dá as
ordens… é por isso que crianças supostamente “desobedecem” seus pais, ficam
sentadas quando deveriam deitar e coisas assim… acontece que elas só estão
fazendo o que as fadas fariam, e
levam cerca de 2 anos para se adaptarem aos modos humanos. HÁ EXPLICAÇÃO MAIS
LINDA? Ah, seu jeito de falar também é perfeitamente inteligível: trata-se da
LÍNGUA DAS FADAS! Ah, e os grandes Bailes das Fadas, lindíssimos e felizes, nos
quais Peter Pan é a orquestra, tocando sua flauta… elas o amam tanto que lhe
concedem um pedido, que astutamente Peter consegue transformar em dois pequenos
pedidos. E, assim, ele decide voltar para a sua mãe, em uma cena é tanto linda
quanto profundamente triste. É nesse momento, para ir ver a mãe, que as fadas
lhe concedem o dom de voar.
Novamente.
Não por causa de ter sido um pássaro, mas um
presente das fadas.
Peter Pan vai até a mãe, onde a janela está sempre
aberta o esperando, e ele a vê, deitada triste em sua cama, e toca a flauta
para ela até que ela esteja serena… depois vai embora, de volta para os Jardins
de Kensington, mas ainda com a determinação de que voltará para casa de forma
definitiva, que voltará para sua mãe, mas postergando isso enquanto pode,
porque também ama sua vida nos Jardins e teme se despedir dela. Até que um dia
ele resolve voltar de fato para a mãe, certo de que ela nunca se cansará de
esperá-lo e de que as janelas sempre estarão abertas… e então ele encontra as
janelas fechadas, com grade e a mãe está lá dentro, deitada na cama, com um
novo garotinho. E AQUILO É TÃO TRISTE. Me parte o coração ver o Peter passar
por isso e eu fico pensando que tipo de mensagem J. M. Barrie está passando nesse
momento.
O capítulo seguinte nos apresenta A CASINHA, e é
um amor de passagem! A aventura de Maimie Mannering nos Jardins depois do toque
de recolher é uma coisa fofa e deliciosa. Ela está nos Jardins em um dia de
neve no qual as fadas planejaram um de seus grandes bailes… Maimie presencia
algo que pouquíssimos humanos no mundo presenciaram: as árvores se
espreguiçando, tomando vida, fitas que levam a um baile para que as fadas não
sujem seus pés para chegar lá, e ela conhece Brownie, que faz o coração do
Duque finalmente se apaixonar… e quando descoberta, Maimie foge e é lindamente
salva por um desejo de Brownie. Assim, as fadas constroem uma LINDA casinha em
volta dela, para protegê-la do frio, e quando ela acorda, acolhida, a casinha
míngua até desaparecer em um montinho de neve, o que a deixa muito triste… até
que uma voz lhe peça que ela não fique triste.
A voz de Peter Pan.
Tudo é tão doce, tão leve e ainda assim tão
profundo.
O último capítulo é de arrepiar de TÃO TRISTE!
Peter e Maimie têm uma história lindíssima. Eles conversam, ela lhe conta sobre
o que as pessoas do lado de fora dos Jardins conhecem sobre ele, e tenta
ensinar-lhe como usar os brinquedos da maneira correta… é aqui que surge a
história do “beijo” e a história do “dedal”, que são confundidos por Peter. É
aqui que ele convida Maimie para ir para a Ilha com ele, mas ela não pode
fazê-lo porque ama a sua mãe e não pode lidar com a ideia de, talvez, um dia
ela não lhe querer mais. Eles se casam, um casamento rápido de fadas, que
acontece quando ela pula nos braços dele, e se despedem, o que é de partir o
coração. Mas eles nunca se esquecem um do outro. Ela lhe deixa presentes, como
uma cabra, que as fadas tornam real de forma fácil, uma cabra que o Peter pode
montar enquanto toca sua flauta todas as noites.
E várias pessoas deixam seus presentes para o
Peter nos Jardins…
Tudo é ABSOLUTAMENTE TOCANTE. O livro te conduziu
para SENTIR acima de ler, e isso é lindíssimo e apaixonante. O último momento te
comove. É lindo saber dos presentes, bem como é maravilhoso entender quais são
as ações de Peter nas “noites úteis das fadas”, ou seja, aquelas em que não há
Baile… ele coordena a construção de casinhas como a de Maimie toda noite, e
então anda pelos Jardins em busca de crianças que, como a Maimie, se perderam,
para que possa protegê-las – acho que assim nascem os Garotos Perdidos. Mas no
momento mais melancólico do livro, J. M. Barrie explica que não é seguro ficar
nos Jardins depois do toque de recolher, ainda que as fadas construam casinhas
e que Peter busque as crianças para protegê-las, porque nem sempre ele consegue
chegar a tempo, e algumas morrem de frio antes que Peter as salve, e então ele
as enterra e coloca uma pequena lápide com suas iniciais.
Pequenas lápides que nunca são encontradas pelos pais
das crianças perdidas.
É assim, com lágrimas nos olhos e um sorriso no
rosto, que terminamos.
Admirando a beleza e a poesia de um livro
EMOCIONANTE.
E o nascimento de um personagem icônico!
BARRIE, James Matthew. Peter
Pan – A Origem da Lenda; tradução por Suria Scapin; tradução de Peter Pan in Kensington Gardens. São
Paulo: Universo dos Livros, 2015.
Olá Jefferson, tudo bem? Olha, eu estou envolvida numa pesquisa sobre Peter Pan e encontrei muitas coisas maravilhosas, mas a mais importante descoberta foi conhecer e compreender a verdadeira história desse personagem, que foi construído com bases numa história humana e real, que é a história do autor, James M. Barrie. Não tenho como expressar em palavras todas as sensações que tenho vivenciado com essa complexa, profunda e mágica história! A grande maioria do público leitor conhece Peter Pan através do filme realizado por Walt Disney em 1953 e através de todas as outras versões e adaptações que se seguiram... Infelizmente, é um conhecimento superficial... Quando soube do livro "O pequeno pássaro branco" e pude ler, quase engasguei, rsrsrs. Nossa, ali está o começo de toda a história! E tem mais: há dois outros livros escritos por Barrie antes deste, onde estão delineados o futuro Peter Pan. Consegui encontrar na Internet, mas ainda não li e estou muito ansiosa para isso! Hoje encontrei seu blog e me emocionei com a sua narrativa a respeito das suas impressões sobre o livro! Magnífica, parabéns! O livro nos transporta para um mundo mágico, repleto de emoções humana e meio-humanas... Eu estou absolutamente encantada com toda essa história que a maioria das pessoas nem suspeita que esteja por trás desse personagem incrível chamado Peter Pan. Esse personagem, na verdade, é o próprio Barrie, que "parou" de crescer após a morte trágica do seu irmão. Barrie sofreu muito com isso, especialmente porque sua mãe entrou em processo depressivo e isso repercutiu tremendamente em Barrie... Um homem complexo, sofrido, solitário, que encontrava no convívio com as crianças uma forma de manter viva a criança dentro dele. Apesar de ser um adulto, Barrie tinha uma personalidade infantil, doce, inocente. Suas histórias eram uma forma de, apesar de adulto, não "crescer". Há muita coisa envolvida, muitas coisas trágicas. Enfim. É fantástico!
ResponderExcluirNossa, que história triste, mas bonita, sem dúvida. Enaltece ainda mais "Peter Pan", que é um personagem que, particularmente, eu sempre amei... ler esse "Jardins de Kensington" foi extremamente EMOCIONANTE para mim, mas vou procurar "O pequeno pássaro branco" também, quem sabe eu o comente no blog em breve. Muito obrigado pelo seu comentário e por compartilhar suas impressões e suas descobertas ao pesquisar a respeito do personagem e do autor! Até mais! :)
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