Sítio do Picapau Amarelo (2002) – Memórias de Emília
“Verdade é só uma mentira bem contada que ninguém
desconfia!”
Talvez nenhum
outro livro da coleção transmita com
tanta precisão o que é a Emília e como é a sua relação com o Visconde de
Sabugosa. “Memórias de Emília” é um
dos MELHORES LIVROS de Monteiro Lobato, e também é uma das melhores adaptações
na primeira temporada do “Sítio do
Picapau Amarelo”, que fez a grande maioria dos livros originais. A história,
que foi ao ar entre os dias 18 e 22 de Março de 2002, começa com o Pedrinho
falando sobre o Toni Power e indo assistir ao seriado de televisão com a
Narizinho, então a Emília fica livre para “incomodar” a Dona Benta, que, por
sua vez, está lendo um livro de memórias de Monteiro Lobato. Assim surge a BRILHANTE
IDEIA de Emília, que resolve escrever as
suas memórias, e todas as aventura que se seguem… algumas verdadeiras, embora não as tenhamos
visto, outras que só aconteceram na mente criativa de Emília.
MAS TODAS
FASCINANTES!
“E eu posso saber o que a senhorita entende por
memórias?”
“Memória é a história da vida da gente com tudo o que
acontece desde o dia do nascimento até a morte”
“Mas então a pessoa só pode escrever memórias quando
morre?”
“Não, senhora! Ela vai escrevendo, escrevendo,
escrevendo até sentir que a morte vem vindo. Aí ela para e deixa o finalzinho
sem acabar. Morre sossegada”
“As suas memórias serão assim?”
“Não, porque eu não pretendo morrer. Só finjo que
morro. As últimas palavras das minhas memórias serão essas: ‘Então, eu morri’,
com reticências…”
“E depois?”
“Depois, eu pisco o olho e sumo atrás do armário. Pra Narizinho
pensar que eu morri. Essa será a única mentira das minhas memórias. O resto
será tudo verdade!”
Determinada,
Emília vai em busca do Visconde para “ser seu secretário”, e exige “papel cor
do céu com todas suas estrelas” e “tinta cor do mar com todos os seus peixes”
para registrar suas MEMÓRIAS, e como não é possível, ela manda o Visconde começar a escrever naqueles papéis ali do
escritório de Dona Benta mesmo. Assim, linda e mandona, Emília começa o Capítulo 1 com SEIS PONTOS DE
INTERROGAÇÃO, “porque começar é difícil”, e então ela começa a narrar que “nasceu
no ano de cof cof”, “na cidade de cof cof”, até chegar à informação de que
nasceu muda e tomou uma pílula falante do Dr. Caramujo! A ambição de Emília é
grande: “Quero, nas minhas memórias,
falar da minha filosofia de vida”. Basicamente, na “filosofia de vida da
Emília”, a vida é uma série de piscadas; pisca e nasce; pisca e chora; pisca e
um monte de coisas, até que você pisca
pela última vez…
“E depois que morre?”
“Depois que morre vira hipótese”
Essa bonequinha
é ESPERTA.
Assim, Emília
se afasta das memórias pela primeira vez.
Avisa ao Visconde que está indo ver o Quindim e manda ele continuar escrevendo,
fingindo que ela está ali ditando para ele, e o deixa com uma única instrução:
contar a história do Anjinho… “ninguém sabe a verdade verdadeira do que
aconteceu quando ele esteve aqui mesmo”. Mas, conforme aponta o Visconde, “assim
as memórias serão dele, e não dela”, mas Emília resolve isso com um simples: “Ah, depois eu dou um jeito!” Assim,
Visconde começa a contar a história, contando sobre como eles voltaram de sua
Viagem ao Céu com o Anjinho, e que isso atraiu um navio de crianças inglesas,
entre elas a Alice e o Peter Pan… vemos cenas de Emília ensinando coisas ao
Anjinho, como “o porquê de as árvores não andarem”, e são cenas deliciosas, em
formato de flashbacks, com posição de
câmera diferenciada, mas nunca as vimos
antes.
Visconde chega,
então, à parte em que Narizinho foi capturada pelo Capitão Gancho, e no fim
todos acabam presos, com o Marinheiro Popó (a adaptação da TV para o Popeye!)
vindo ao resgate… quando o Popó está apanhando, Pedrinho diz que “é porque ele
ainda não tomou o açaí”, e depois de uma cena maravilhosa, o Marinheiro Popó
salva as crianças, mas está longe de ser o herói que inicialmente ele parecia…
porque depois de vencer o Capitão Gancho, ele anuncia que quer levar o Flor das
Alturas com ele para o cinema, onde eles vão fazer um filme juntos… portanto,
para defender o Anjinho da Asa Quebrada, as crianças precisam enfrentar o forte
Marinheiro Popó, e como fazê-lo? Bem,
impossível vencê-lo, a não ser com a ajuda da Emília!
Porque a
Emília é ASTUTA. Assim, ela conversa com o Marinheiro Popó e consegue descobrir
que o efeito de cada lata de açaí que toma dura, em média, 30 minutos. Assim,
ela o engana pedindo para a Tia Nastácia fazer um suco de beterraba, e então
troca os potes… enganar o Marinheiro Popó é a cara da Emília mesmo! Além disso,
ela ainda dá o açaí, que é o equivalente ao espinafre do Popeye, para o
Pedrinho e o Peter Pan, e assim os dois desafiam Popó para uma luta, E BATEM
NELE! Com a sua super força jogando-o para longe e tudo, eles o fazem fugir e
desistir do plano maluco de roubar o Anjinho para ele… toda a sequência é bem a cara de crianças contando história mesmo! Depois
de encerrar essa história, Emília novamente sai e deixa o Visconde sozinho para
continuar as “suas” memórias, então ele
resolve contar uma história sobre ele.
“E agora? Virei o escritor fantasma de uma
boneca de pano!”
Narrando a si
mesmo como UM GRANDE SÁBIO, o Visconde conta sobre quando criou “o Periscópio
do Invisível”, e como ele e as crianças foram testá-lo perto de uns cogumelos,
onde a Emília conseguiu ver sete sacizinhos… a boneca, no entanto, domina o Periscópio
só para ela, e quando ela e Narizinho brigam pelo aparelho, elas acabam o quebrando. Visconde tem UM
TRABALHÃO para consertá-lo, e depois desaparece… e como o próprio Visconde narra nas Memórias de Emília: “Foi um drama,
todos ficaram muito preocupados. A casa de Dona Benta ficou muito triste sem o
grande Sábio Sabugosa, era um lamento só. […] Essa parte do livro de memórias
da Emília tá perfeita!” Por essa altura, a Emília retorna para ver como
anda a escrita de seu livro, e então assume novamente a narração, mudando o foco para ela mesma e suas
brilhantes ideias.
Esses narradores não-confiáveis.
Na história
do Periscópio, Visconde é encontrado pelo Saci, ESMAGADO POR UMA JACA, e a
Emília é bem maldosa, agora, rindo do “Visconde enjacado”, mas Visconde sabe
como as coisas aconteceram de fato: “Agora
você está rindo, mas o Pedrinho me contou que quando vocês me viram lá,
esmagado, foi uma comoção geral”. E embora Emília diga que “nem ligou”, no
presente, quando viu o Visconde esmagado ficou mesmo muito triste, e sua
declaração de amor ao sabugo de milho foi LINDA: “Ele não pode morrer. Ele faz parte de mim como um órgão! Eu tenho
olhos, braços, pernas… e o Visconde!” O sábio sabugo passa por um
transplante de espiga, mas continua desfalecido, só voltando à vida quando
Emília dá a ideia de espremer o sabugo antigo e retirar “o caldo da ciência”, e
assim eles conseguem ressuscitar o Visconde, mais sábio e vivo do que nunca.
Terminada essa
história, Emília quer contar “sobre o dia que conheceu Toni Power”, embora o
Visconde lhe diga que isso nunca
aconteceu. “Comigo é diferente. Eu conto
o que deveria ter acontecido, não o que aconteceu”, Emília argumenta. Assim,
ela começa a contar sobre como foi até o estúdio e levou o Visconde com ela
como seu segurança (!), E AS CENAS SÃO ÓTIMAS. Temos a Emília andando pelo
estúdio de óculos escuros, toda fofa e se achando
um máximo, e ela conhece o Toni Power, que também a conhece, e pede para
participar do programa dele… a sua ideia é refilmar uma versão da “Chapeuzinho Vermelho” em que ela seja a
Chapeuzinho, o Visconde seja o Caçador e o Toni Power seja o Lobo Mau… E TUDO É
TÃO FOFO! A Emília vestida como Chapeuzinho Vermelho é, possivelmente, a coisa
mais FOFA da história!
Então, Emília
cansa novamente… passa o trabalho para o Visconde.
“Sabe escrever memórias, Emília? Mas a maior
parte das suas memórias quem escreveu fui eu! Ora, isso com escrever com a mão
e a cabeça dos outros é escrever memórias, é?”
“Isso mesmo. Fazer coisas com a mão dos
outros, ganhar dinheiro com o trabalho dos outros, pegar nome e fama com a
cabeça dos outros, isso é que é saber fazer coisas!”
“Não me diga, Emília!”
“E digo mais! Eu estou no mundo dos homens
há pouco tempo, mas já aprendi a viver. Aprendi o grande segredo da vida: é a
esperteza, ser esperta é tudo, Visconde! Tchau, Visconde, faça tudo direitinho!”
Um pouco maquiavélica, mas quem não ama essa
bonequinha?
Assim,
cansando-se de ser feito de escravo pela boneca de pano, o Visconde resolve se
vingar, e escreve o que bem entende em suas memórias: “A Emília é uma tirana sem coração, não tem dó de nada”, ele
começa, contando sobre como Emília assiste e ainda dá pitecos quando a Tia
Nastácia vai matar frango. “A Emília é a
criatura mais egoísta e interesseira do mundo. Tudo o que faz é por interesse! Só
pensa nela, na vidinha dela, nas coisas dela! Por isso está se tornando a
pessoa mais rica da casa!” AMO A VINGANÇA DO VISCONDE, mas a Emília chega
logo em seguida, vê o que ele está escrevendo e manda ele deixar assim mesmo, porque é verdade. Ainda diz que se é
assim, é tudo culpa da Tia Nastácia, porque foi ela quem a fez desse jeito! Então,
ela conclui a história da Chapeuzinho Vermelho, com ela defendendo o Lobo Mau
do Caçador.
Cansada, ela
diz que “o Visconde pode terminar como quiser”, e ele, exausto, diz: “Como quiser? Ponto!” Achei sensacional,
mas Emília ameaça depená-lo (?), e eles acabam brigando e tudo é tão divertido
e tem tanto o espírito do que Monteiro Lobato escrevia sobre a Emília… nós a
amamos, mas ela é abusada, um pouquinho maldosa, escraviza o Visconde, e no fundo
tem um bom coração, de algum modo… de todo modo, eles BRIGAM, ela diz que “ele não
serve pra nada”, e ele vai embora bravo, dizendo: “Sua mal agradecida! Eu quero que seus leitores durmam quando lerem
suas memórias!” Sozinha com as suas MEMÓRIAS, a Emília então se prepara
para finalizá-la, e é o momento MAIS LINDO de todos. Depois de tantas aventuras
e recordações, algumas invenções também, ela diz como se sente a respeito do
Sítio e seus moradores…
“Antes de pingar o ponto final das minhas memórias,
quero que saibam que é uma grande mentira o que o Visconde falou! Eu tenho
coração, um lindo coração. Ele só dói quando vê injustiça. Dói tanto que pra
mim a pior coisa do mundo é injustiça. E por isso é que eu adoro viver aqui no
Sítio do Picapau Amarelo. Tudo aqui acontece como um sonho. A criançada só faz
duas coisas: brincar e aprender. Narizinho briga muito comigo, mas pra mim ela
é a primeira menina do mundo! Pedrinho é muito corajoso. Brigamos muito também,
mas ele é um menino que vale a pena! Dona Benta é uma sábia, o que mais gosto
nela é seu modo de ensinar. Tudo fica claro como água! Tia Nastácia é outra
sábia, sabe cozinhar, costurar e sabe fazer bonecas de pano maravilhosas como
eu! Gosto muito mais dela do que dos seus famosos bolinhos. O Visconde é meu. Aquele
sabugo embolorado não vive sem mim! Eu tenho olhos, boca, pernas, braços… e o
Visconde! […] Tio Barnabé cuida dos animais do Sítio, mas ele sabe contar
histórias como ninguém! Foi ele que ensinou o Pedrinho a pegar o Saci. Tio Barnabé
sabe tudo sobre o Capoeirão dos Tucanos! O Quindim é o tomador de contas do
Sítio, mas ele é tão doce, tão doce, que ninguém tem medo dele. O Burro Falante
é lá do País das Fábulas, terra do La Fontaine, ele adora a biblioteca da Dona
Benta. Os dois vivem conversando altas filosofias. […] O Rabicó? Esse não vale
nada, nem vale a pena escrever! Vou acabar logo as minhas memórias, vou me
despedir do respeitável público. Respeitável
público, disse que ia escrever minhas memórias, e escrevi. Se gostaram, ótimo! Se
não gostaram, não posso fazer nada, perderam tempo!”
Esse monólogo
final da Emília é um dos melhores momentos de “MEMÓRIAS DE EMÍLIA”. Ela demonstra
que tem, sim, coração, e fala de cada um de forma linda em um momento
emocionante… e enquanto ela fala de cada um, revemos cenas deles nas histórias
de antes, e isso é tão bonito! O grande momento de Emília, e Isabelle Drummond,
como sempre, BRILHANDO como a boneca de pano mais famosa do mundo. Com as
memórias encerradas, ela as leva para todo mundo ler, com direito a briga de
quem vai ler primeiro e tudo, mas ela esconde a Dona Benta para ter essa honra…
enquanto isso, então, o Pedrinho e a Narizinho saem para escrever as próprias
memórias (“Esses dois! Sempre me
imitando!”), e nos despedimos de uma das melhores histórias na temporada… e nos preparamos para voltar à Mitologia
Grega!
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