Todo Dia (Every Day, 2018)



“Set an alarm for eleven p.m., and one for eleven-fifty p.m.”
Talvez muito mais próximo de “Outro Dia” do que, realmente, de “Todo Dia”, a adaptação do(s) livro(s) de David Levithan é uma história de amor lindíssima e emocionante, que me fez amar, sorrir e chorar, especialmente em dois momentos: quando A fala sobre “amanhãs” e quando, no corpo de Alexander, ele se despede de Rhiannon, para que ela possa viver a sua vida. Acredito que, cinematograficamente, optaram por contar a história do ponto de vista de Rhiannon, que era a “constante visual” que a história de Levithan proporciona, enquanto “Todo Dia”, e isso me fascina, é uma história de MUITAS HISTÓRIAS. Assim, o filme deixa de lado, em vários momentos, a questão mais crítica e mais forte da obra, o que pode torná-la mais superficial, trazendo uma versão diferente da questão da depressão e do suicídio, e deixando de lado a cena das drogas, por exemplo, além da reflexão a respeito das religiões e como A vê o amor, vê gêneros, vê relacionamentos…
Algumas das passagens mais intensas do livro.
Como filme, “Todo Dia” é a HISTÓRIA DE AMOR de A e Rhiannon. A a conhece ao acordar no corpo de Justin, e então muda a sua vida para sempre. Ele tenta não interferir demais nas vidas das pessoas, mas quando ele vê Rhi pela primeira vez e ela está toda sem jeito, cheia de “desculpas”, e ele percebe que Justin é um babaca (!) e que não a merece, ele não pode negar o convite dela para sair da escola e fazer alguma coisa. E eles compartilham um dia maravilhoso, um dia PERFEITO. Cantando e rindo no carro, indo ao aquário, à praia, lendo biscoitos da sorte… “Você tem um sorriso lindo”. Naquele dia, Rhiannon se sentiu valorizada, amada de verdade, porque o “Justin”, pela primeira vez na vida, a tratou com decência, a tratou bem. Mas A sabia que aquele não era o Justin, que o Justin não a enxergava daquela maneira, e que não seria a mesma coisa no dia seguinte…
E não foi. No dia seguinte, A acorda no corpo de Amy, uma garota nova que acabou de chegar à escola. No sábado, então, A acorda no corpo de Nathan, um garoto super religioso que ele desvia levando-o a uma festa onde sabe que Rhiannon estará, onde eles dançam a mesma música do carro, conversam e se divertem… e, lentamente, A faz Rhiannon perceber que ela não precisa estar com alguém como o babaca do Justin. Apaixonando-se por Rhiannon e sem poder evitá-lo, A aparece ainda outro dia, no corpo de uma garota chamada Megan, para contar toda a verdade a Rhiannon… uma verdade maluca na qual ela inicialmente não acredita, apesar das evidências… porque parece impossível. Depois, ainda vemos A no corpo de James e A no corpo de Vic, aos poucos convencendo Rhiannon de quem ele é e que ele está contando a verdade, afinal de contas.
“A”, como ele escolheu ser chamado porque queria um nome que ninguém mais tivesse, é alguém que acorda num corpo diferente a cada dia. Sempre alguém próximo, sempre alguém da mesma idade, nunca a mesma pessoa duas vezes. É difícil para Rhiannon entender e aceitar isso, mas é a verdade. E eventualmente ela percebe isso… A a faz se sentir bem, como Justin jamais fizera. Em um dia, A, então, acorda no corpo da própria Rhiannon, e é um dos dias mais divertidos, ou, como ele diz, “o melhor dia de sua vida, e também o mais apavorante”. A Rhiannon, ele deixa suas memórias, embora, até então, tenha sempre tentado não deixar marcas. A relação dos dois parece muito mais profunda depois desse dia especial, que complementa o dia em que ele foi o Justin, e ela diz que ele devia deixar mais dele mesmo nas pessoas.
“Criar marcas. Deixar rastros”
FAZER A DIFERENÇA.
Porque A deu a Rhiannon, sendo ela, a coragem que ela antes não tivera de acabar o namoro com Justin, mas, respeitosamente, não fez isso por ela. Deixou que ela mesma fizesse, no dia seguinte. É muito bonito como A e Rhiannon se apaixonam com uma sinceridade impressionante – um precisa do outro. Ela precisa ser bem tratada, conhecer um amor de verdade, e A precisa de companhia. Assim, eles tentam ficar juntos, enquanto enfrentam, por exemplo, um dia no corpo de Kelsea, uma garota depressiva que está pensando em se matar, e Rhiannon fica com A durante a noite, enquanto ele tenta se manter naquele corpo por mais de 24h, para que possa ajudar a salvar a sua vida. É uma experiência e uma possibilidade nova, que David Levithan não colocou em seu livro, mas que ainda não permite que A e Rhiannon possam ficar juntos.
Eles tentam. Eles realmente tentam, eles realmente se amam, mas parece impossível. É divertido, às vezes, como quando ela tem que sair correndo da biblioteca, fugindo de uma mãe meio perturbada, mas também é angustiante, como quando eles tentam passar um fim de semana juntos em uma casinha distante, e ele está lá com ela, no primeiro dia, mas não consegue aparecer no segundo, porque era alguém fazendo uma cirurgia naquele dia. Ou, ainda, quando ele é aquele garoto que está indo viajar e, se ele não impedir a viagem, acordará distante dela e nunca mais voltará. Ela não pode estar com alguém assim, tão instável, que as pessoas não podem conhecer, que ela não sabe se poderá estar com ela no dia seguinte. E mesmo que tenha ficado por mais de um dia no corpo de Kelsea, A não pode fazer isso com outra pessoa… “roubar” a sua vida.
Rhiannon chega a pensar que é uma possibilidade quando ele desperta no corpo de Alexander, o seu amigo. Alexander é bonito e, como “A” diz, tem todas as qualidades possíveis. Ele é gentil, inteligente, escuta com todo o seu ser… e durante alguns dias, A tenta ignorar a voz dentro de si que o diz que “ele não pode fazer isso” e escuta Rhiannon, fica mais um dia. E mais um dia. E mais um dia. E então não pode mais. “Alexander” esquece do próprio aniversário, decepciona a família… A não pode fazer isso, nem com Alexander, nem com Rhiannon. Aquela fala dele sobre como seria a vida dela com ele é de partir o coração – como será quando ele começar a acordar em um corpo casado, que tenha filhos… como será quando eles mesmos quiserem ter um filho. É impossível e, por isso, ele precisa deixar Rhiannon ir… ser feliz, conhecer outras pessoas.
Talvez o próprio Alexander.
Provavelmente o próprio Alexander.
A a ama de verdade, e prova isso ao tomar a decisão que toma. Ele está partindo, indo embora para uma cidade grande, para que ela possa viver. Assim, eles passam as últimas 3 horas do dia juntos, esperando dar meia-noite, conversando pela última vez sobre o que quiserem conversar, e então se despedem… foi muito bonito, incrivelmente triste, mas muito maduro da parte de A! Ele presenteia Rhiannon com a vida, com “boas memórias” e, ainda, com a possibilidade de um namorado perfeito. Enquanto isso, A está também seguindo em frente, embora não saiba como conseguirá lidar com isso. A cena final é muito inteligente e cheia de esperanças. A está no Central Park, postando uma foto em seu Instagram, com a legenda dizendo: “#CriarMarcas #DeixarRastros” Certamente ele pode fazer a diferença na vida de muita gente…
todo dia.


Para ler a review do livro de David Levithan, clique aqui.


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