O Grande Circo Místico (2018)



Uma grande e impactante produção brasileira a nos representar no Oscar 2019 na categoria “Melhor Filme Estrangeiro”. “O Grande Circo Místico” é baseado em um poema de Jorge de Lima, publicado em um livro de 1938, e foi encenado pela primeira vez em 1983, por um grupo de balé… a história foi um sucesso estrondoso e, em 2018, ganha uma adaptação para o cinema, contando a história do GRANDE CIRCO MÍSTICO, e cinco gerações da família circense Knieps, sempre acompanhados por Celaví, interpretado por Jesuíta Barbosa – o filme é bastante intenso e nos marca pelos seus visuais impecáveis, algumas atuações precisas, e momentos realmente fortes… além de todo um misticismo que torna tudo mais mágico, mas nem por isso mais feliz, além de ter um simbolismo muito forte, às vezes difícil de traduzir… eu saí do cinema com a sensação de que “deixei muita coisa passar”.
Mas ainda assim é um espetáculo.
O filme começa com o Fred, em 1910, quando o Cometa Halley passava pela Terra. Fred, interpretado por Rafael Lozano, era filho de uma família importante que queria que ele fosse médico – ele já tinha a formação para isso. Ele, no entanto, era apaixonado por uma contorcionista que sonhava em poder retornar para o circo, Beatriz, interpretada por Bruna Linzmeyer. As cenas dos dois, embora breves, mostram muita química e intensidade, e eu confiei no amor dos dois… tanto que, quando o pai de Fred morreu e ele se deu conta que era filho da Imperatriz exilada no Brasil, ele conseguiu realizar o sonho da mulher que amava: pediu um circo de presente. Assim, em 1910, o Grande Circo Místico faz a sua estreia, em toda sua majestade – grandioso, feliz, belo. Provavelmente a única geração que foi feliz dentro do circo, até a morte de Beatriz.
Beatriz morreu dando à luz a sua filha no picadeiro. A segunda parte do filme, então, segue Charlotte, por volta de 1935, e nós percebemos uma mudança sutil no clima, e a cada geração as coisas vão se tornando mais dark. Charlotte, interpretada por Marina Provenzzan, não queria ser uma bailarina, como esperavam que ela fosse, e ela acabou se casando por impulso ou ingenuidade com o primeiro homem com quem transou, Jean Paul… e esteve fadada à infelicidade enquanto ele tentava tomar conta do circo e livrar-se dele. Dessa relação nada carinhosa entre eles nasce duas crianças, que encontram Fred morto em seu trailer em determinado momento… Celaví, no entanto, não permite que o circo se desfaça, e ele foi uma espécie de anjo guardião do espaço naquele momento e ao longo de todos os anos em que viveu, sempre em função do circo, sempre sendo o circo.
As crianças, Otto e Clara, na década de 1960, comandaram o circo. Otto tinha, aparentemente, uma paixão platônica pela irmã (quando crianças eles decidiram “se casar um com o outro”), e então ele se desfaz quando Clara decide abandonar o circo para tentar se dedicar à carreira de “artista de televisão”. Otto, interpretado por Juliano Cazarré, um forte e destemido “domador de feras”, coloca então o vestido vermelho favorito da irmã, depois de ela ir embora, e sai pelas ruas da cidade, em busca de um bar, e em busca de “diversão”. Ele acaba drogado com uma cantora misteriosa, com quem transa – pouco depois, ela aparece no circo dizendo que “está grávida e só pode ser dele”. Depois que a mulher dá à luz, também no Grande Circo Místico, ela vai embora para “viver a sua vida”, e deixa a filha aos cuidados do pai, para ser criada ali.
Encontramos, então, Margarete, em 1986, quando o Cometa Halley está passando pela Terra mais uma vez. Margarete é diferente das mulheres da família até então, e eu acho que ela fica com a parte mais forte e traumatizante de se assistir de todo o filme… brilhantemente interpretada por Mariana Ximenes, ela quer ir para o convento, mas o pai “quer ter netos”. Então, ela acaba aceitando se casar com Ludwig, mas o faz prometer que “nunca vai tocar um dedo nela”. Logo depois do casamento, no entanto, ele tenta abusar dela, mas não consegue, e quando estávamos quase aliviados, ela é brutalmente estuprada em uma cena realmente apavorante. O estupro resulta na suicídio do cara que a violentou, e uma gravidez de Margarete que acaba por dar à luz a gêmeas, a última geração do circo… quando eles já não eram mais um circo.
Assim, chegamos aos dias atuais, com Maria e Helena, as gêmeas filhas de Margarete. Elas parecem as personagens mais vazias do filme, mas isso também lhes confere a qualidade de “sofrerem menos”, talvez. Quase como se elas estivessem desligadas desse plano. Aqui, Margarete acaba recebendo uma encomenda deixada a Fred pela Imperatriz, o quadro prometido no início do filme, e descobrindo que seu marido Ludwig está transando com as suas filhas – então, ela o assassina no número de trapézio que eles faziam juntos no passado, e no momento em que ela quis refazê-lo, “sem rede de proteção”, já sabíamos o que estava por vir. Depois do assassinato e de Margarete prostituir ambas as filhas, o filme dá uma interessante guinada mística na apresentação das “garotas aladas”: Maria e Helena pulam do trapézio… e voam pelo picadeiro.
É catártico. É a redenção da família, talvez…
É um recomeço?
O filme acaba assim, nos deixando com uma sensação intrigante. E os meus elogios finais vão a Jesuíta Barbosa, um dos meus atores favoritos da atualidade… depois de seu trabalho em “Justiça” e em “Malasartes”, um muito diferente do outro, eu percebi como ele atua, e o seu carisma desempenha um papel importante na sustentação do filme durante mais de 100 anos de história. Acredito que o Celaví (C’est l avie?) era a própria vida, o próprio circo, assumindo uma forma física que pudesse estar ao lado dos Knieps. Celaví acompanha a família, estando ao lado de Beatriz enquanto ela dá à luz e morre, ao lado de Charlotte quando ela sofre por causa do marido, ajudando a cuidar das crianças, ao lado de Otto no momento da morte de sua mãe, quando ele ajuda a expulsar Jean Paul do circo e, por fim, ao lado das garotas aladas que voavam pelo circo – depois de tudo, ele coloca novamente a sua roupa de MESTRE DE CERIMÔNIAS e anuncia que “naquela noite, o espetáculo é grátis”. O Grande Circo Místico está vivo, afinal.

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