A Cor Púrpura: O Musical
“A Cor
Púrpura é uma joia. De cada ângulo que a olhamos, vemos um brilho diferente,
brilho que nos guia. E, assim, conduzidos pela vida dura e pelo olhar doce de
Celie, a cena nos fala de abandono, feminicídio, masculinidade tóxica,
machismo, preconceito, racismo, dor, fé, amor, negritude, perseverança, coragem
de ser e de viver… nos mostra que o mundo possui estruturas rígidas que nos
aprisionam e nos maltratam, mas que, SIM, podemos transformá-las”
Eduardo Bakr e Tadeu Aguiar (conforme o
programa do musical)
É difícil
encontrar as palavras para descrever “A
Cor Púrpura”. Baseado no livro homônimo de Alice Walker, de 1982, e na
adaptação cinematográfica da obra, de 1985, o musical conta a dolorosa história
de Celie, uma mulher forte, mas presa em uma sociedade dominada pelo machismo,
cujas ideias parecem tão enraizadas nela que a fazem não ter esperanças de que um dia possa sair daquela situação… as
circunstâncias da vida, no entanto, e as pessoas que cruzam seu caminho, como a
maravilhosa Shug Avery, a fazem ver mais
além, a fazem ver a possibilidade da mudança, e então ela ganha uma força
admirável que a transforma quase em outra
mulher – assim, ganhamos uma linda história de amor e de superação que nos
proporciona um segundo ato completamente
diferente do primeiro, em que vislumbramos a beleza da cor púrpura.
Visual e
musicalmente incrível, “A Cor Púrpura”
nos arrebata pela sua grandiosidade… os cenários são bonitos e razoavelmente
simples, mas com um movimento bacana – tem mais cenário que “Spring Awakening”, por exemplo, mas
menos que produções como “Wicked”.
Tudo faz com que nos insiramos nesse universo em que Celie é oprimida pelo
patriarcado, que vai do seu pai, durante a infância e a adolescência, ao seu
marido, na vida adulta. Letícia Soares encabeça o elenco dando vida a Celie, e
ela está MARAVILHOSA – é sempre uma delícia vê-la em cena, ouvi-la cantar (MEU
DEUS, QUE VOZ, QUE MULHER INCRÍVEL!), enquanto conversa com Deus e com Nettie.
Também temos Ester Freitas, que dá vida a Nettie, a irmã mais nova de Celie. Em
outros papeis importantes, temos Flavia Santana como Shug Avery, Sérgio Menezes
como o Mister, Lilian Valeska como Sofia e Alan Rocha como Harpo.
O primeiro
ato de “A Cor Púrpura” é pesadíssimo.
Conhecemos Celie com apenas 14 anos, dando à luz ao seu segundo filho, fruto de
um dos estupros de seu pai, e sendo separado dele. Ambos os filhos de Celie lhe
foram tirados e dados pelo pai, e ela não
sabe nem onde eles estão, nem se estão vivos… o inferno de Celie se intensifica
quando ela é levada para se casar com o Mister, um homem horrível que bate nela
constantemente e a trata como uma empregada. Para completar o seu sofrimento,
Nettie foge da casa do pai, porque não aguenta mais viver ali, e tenta se
esconder na nova casa de Celie, mas quando ela rejeita o Mister, que tenta
agarrá-la à força, ela é humilhada e expulsa da fazenda, e então ela
desaparece… sozinha, Celie se conforma com a vida que leva, e constantemente
conversa com Deus e com Nettie através de músicas/cartas.
Duas pessoas
são importantes no crescimento de
Celie. Primeiro, a Sofia. Sofia é uma mulher diferente daquela imagem que Celie tem, da mulher submissa, que não
pode ter vontade, que tem que obedecer ao marido que bate nela e abaixar a
cabeça… Sofia é forte e empoderada, coloca “ordem na casa”, e o Harpo acaba
sendo muito fofo… é doloroso demais quando Harpo pergunta ao pai o que ele tem
que fazer para que “Sofia o obedeça como Celie obedece a ele”, e Celie diz que,
se quiser que “ela venha quando ele mandar, ele tem que bater nela”. Porque é a
mulher infelizmente replicando esse discurso machista, porque foi tudo o que
Celie conheceu desde a sua infância… mas isso acontece apenas uma vez com
Sofia, que imediatamente termina tudo com Harpo e o abandona – ela não vai aceitar que ninguém a trate
dessa maneira.
Outra pessoa
é a Shug Avery. A apresentação da Shug Avery é FASCINANTE, porque se cria a
expectativa pela sua chegada quando todos começam a cantar sobre ela, e então nós ansiamos pelo momento em que veremos
essa mulher sobre quem todos falam, por quem todos parecem estar apaixonados…
e, enquanto Shug Avery está na fazenda com eles, o Mister não bate em Celie. Assim, ela começa a transformar a vida de Celie,
que acaba descobrindo algo mais: ela tem
sentimentos especiais por Shug Avery. É lindo vê-las se aproximando, ver a
confiança de Celie em si mesma crescer aos poucos, com a ajuda de Shug Avery,
que lhe garante que ela é linda, e
ver Celie se apaixonar de verdade… o
fim do primeiro ato traz o primeiro beijo das duas, e uma emocionante música em
que elas falam sobre como descobriram o
amor uma na outra.
O segundo
ato, então, volta bastante diferente.
Shug Avery foi embora, Celie está sozinha, mas ela já não quer mais aceitar os
abusos do Mister. Afinal de contas, ela descobriu, através de Sofia e Shug
Avery, a força que podia ter e, para completar sua revolta, ela descobriu que o
Mister, durante anos, escondeu dele
cartas de sua irmã Nettie… Nettie está
viva e está na África. Melhor do que isso… está com os dois filhos de Celie,
que o pai deu para o pastor da cidadezinha em que moravam. O segundo ato
começa muito bonito, com um pouquinho de África, e várias e várias cartas que
Nettie enviou ao longo dos anos, e que Celie só agora está lendo… assim, quando
Shug Avery volta para a fazenda, algum tempo depois, Celie toma uma atitude, e
diz ao Mister que ela está indo embora
com Shug Avery. E ela ainda roga uma praga nele.
A vida do
Mister muda dali em diante, e esse finzinho do musical foi o que eu achei meio rápido demais… tudo parece se
encher de cor púrpura, porque Celie já não vive mais sob o mesmo teto do
Mister, e o Mister, em pouco tempo, resolveu “ser uma pessoa melhor”, e mudou
da água para o vinho de uma hora para outra… mas eu gosto de ver a Celie
independente, eu gosto de ver a Celie ficando famosa e ganhando dinheiro
costurando calças para todas as mulheres da região e, eventualmente, para os
homens também! O musical fica animado, mais sorridente, cheio de esperanças de
que tudo vai ser melhor, porque Celie enfim está livre, feliz e realizada…
infelizmente, ela não termina a história com Shug Avery, mas felizmente não
aceita aquele patético pedido de casamento do Mister. Ela está bem, e é o que
importa.
Inclusive,
reencontrando seus filhos numa última cena comovente.
Um lindo,
emocionante e pungente musical.
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