Fronteiras do Universo, Volume II – A Faca Sutil (Philip Pullman)



“Will tem 12 anos e acabou de matar um homem. Agora está fugindo, decidido a descobrir a verdade sobre o pai que jamais conheceu. Sem querer, atravessa uma janela que dá para um outro mundo – onde espectros devoradores de almas assombram as ruas de uma cidade e uma estranha menina chamada Lyra está à procura do Pó. As buscas em que Will e Lyra estão empenhados têm uma ligação misteriosa e, juntos, os dois precisam procurar um objeto poderoso e secreto. Só que pessoas de mundos diferentes matariam para possuí-lo”

Eu amo “A Faca Sutil” ainda mais do que eu amo “A Bússola de Ouro”. Algo ali me fascina imensamente… Philip Pullman consegue expandir o que criou no primeiro livro da trilogia “Fronteiras de Universo” com propriedade e criatividade. Nós seguimos o que foi plantado lá no primeiro livro, mas percebendo, agora, que é tudo tão maior que isso… é incrível acompanhar Lyra e Will, ambos retirados de seus próprios mundos, descobrindo um terceiro e aterrador mundo – a misteriosa e vazia cidade de Cittagàzze. O livro tem personalidade e nos prende desde as primeiras páginas, com uma ação desenfreada que nos joga no meio da história e nos deixa com a sensação de que conhecemos Will Parry há muito tempo. Quer dizer, o que é aquele primeiro capítulo, começando no nosso mundo e terminando com Will e Lyra na cidade fantasma?
É INCRÍVEL! \o/
“A Faca Sutil” é imensamente diferente de “A Bússola de Ouro”, embora mantenha-se a intensidade da narrativa e o interesse constante do leitor. Aqui, exploramos novos universos, com uma pegada de ficção científica que me fascina, além de toda uma relação do que vimos antes, em relação ao Pó, por exemplo, com o nosso mundo – e então tudo parece incrivelmente mais real… e mais aterrador. O livro é organizado de maneira diferente, menos linear e repleto de ação, em capítulo de nos fazer roer as unhas e devorar as páginas com ansiedade, e vários personagens assumem o protagonismo e contam histórias paralelas que são parte de uma só história (algumas das quais ainda contamos com “A Luneta Âmbar” para encontrarmos seu lugar no quebra-cabeças), embora o livro ainda seja mais fascinante quando estamos com Lyra da Língua Mágica ou com Will Parry.
Will Parry é um garoto de 12 anos que acabou de matar um homem – é o que a sinopse de “A Faca Sutil” nos diz, mas a verdade é que tudo é muito mais complexo que isso. Will Parry tem um mistério em seu passado, porque seu pai desapareceu há muitos anos e, desde então, ele ficou sozinho com a mãe. Will teve que amadurecer depressa demais, para cuidar da mãe e para não deixar ninguém perceber o que havia de errado com ela – porque ele não queria correr o risco de ser separado dela. A mãe, supostamente “com problemas mentais”, parecia ver inimigos invisíveis em todos os lugares (no supermercado, por exemplo), e Will nunca os entendeu de fato… mas cuidou da mãe, a protegeu, e aprendeu o que tinha que aprender com ela. Mas se algum dia ele chegou a duvidar de que os perigos fossem reais, ele não pôde mais fazê-lo quando aqueles homens invadiram a casa.
Eles estavam em busca de algo… Will acaba planejando fugir, então. Deixa a mãe em segurança na casa de uma antiga professora de piano, volta para casa em busca de uma bolsa verde com cartas do pai (que é o que os homens estão procurando), e acaba matando um homem acidentalmente quando o cara invade a casa e ele o faz cair da escada… mas ele não tem tempo para ficar. Ele precisa correr. E é assim que uma gata misteriosa acaba sendo sua guia através de uma passagem no ar, um buraco na realidade desse mundo, direto para outro mundo – parecido, mas diferente do seu. O mundo que conhecemos em “A Faca Sutil” é muito mais parecido com o mundo de Will (ou o nosso mundo) do que com o mundo de Lyra de “A Bússola de Ouro”, mas com uma diferença importante: ele está completamente deserto, e o silêncio é aterrador.
Will explora com curiosidade o novo mundo misterioso, sabendo que ele não pode ser pior que o mundo que ele acabou de deixar para trás – e eu adoro essa ideia de explorar um novo mundo, amo como isso nos enche de curiosidade e certa vontade de poder fazer o mesmo… então ele nada durante a noite para se refrescar, ele procura comida e, assim, ele acaba encontrando Lyra – uma garota quase selvagem que o ataca brutalmente, e ali nasce uma possível interessante amizade. Cada um com a sua própria busca, eles podem se ajudar nesse mundo que não parece ter mais ninguém… o garoto fugindo dos “inimigos” e procurando algo sobre o seu pai, e a garota curiosa que veio em busca do Pó. As primeiras cenas dos dois são MARAVILHOSAS. Tudo é ainda mais bizarro para Lyra: ela não sabe o que é uma geladeira, o que é um refrigerante ou uma omelete, e ela nunca lavou um prato na vida… Will, por sua vez, teve que aprender a se virar desde muito novo, então ele cozinha para eles.
Gosto de como os dois são durões, de alguma maneira, mas como ambos precisam de uma companhia. Gosto de como Will mostra um fascínio curioso, mas, ainda assim, respeitoso, em relação a Pantalaimon, ou como Lyra percebe que Will é diferente dela, porque seu dimon não está aparente, mas ela consegue ver que ele o tem – está dentro dele, e um é parte do outro, o que é muito estranho para ela. Eu adoro a escrita de Philip Pullman, eu amo o que ele criou em “A Bússola de Ouro” com os dimons, e nós parecemos tão parte disso que nós quase olhamos para Will com os mesmos olhos de Lyra: procurando um dimon, mas sabendo que ele está ali, de algum modo dentro dele… sendo que devia ser natural para nós: Will é um garoto de nosso mundo, não é? Mas não, nós olhamos para Will com o mesmo fascínio e curiosidade de Lyra e Pan.
A conversa dos dois sobre dimons é MARAVILHOSA DEMAIS.
Naquela noite, Lyra invade o quarto de Will para perguntar sobre ele ao aletiômetro, e tudo o que o instrumento lhe diz é que Will é um assassino… e, de algum modo sombrio, isso faz com que Lyra se sinta segura. Tão segura quanto se sentia com Iorek. Enquanto isso, no mundo de que Lyra viera, as feiticeiras e Lee Scoresby se reúnem em um conselho, falam sobre a guerra que está por vir, sobre a profana missão de Lorde Asriel (destruir não apenas a Igreja, mas a Autoridade propriamente dita!), sobre a garota que desempenhará um papel tão importante, embora ainda misterioso, nisso tudo, e sobre Stanislaus Grumman, que, diferente do que pensávamos em “A Bússola de Ouro”, pode ainda estar vivo em algum lugar… e Serafina Pekkala e 22 outras feiticeiras decidem cruzar a ponte para o outro mundo, onde nenhuma jamais estivera.
Cittagàzze é um lugar sinistro – assustador e fascinante ao mesmo tempo. É praticamente deserto, e Will e Lyra não conseguem encontrar nenhum adulto. Quando eles finalmente têm companhia, eles encontram apenas crianças que lhes falam sobre os “Espectros”: espíritos que as crianças não podem ver e que não caçam crianças, porque eles caçam apenas adultos… por isso não tem nenhum adulto por perto. A descrição dos Espectros e o que eles fazem com os adultos me faz pensar no beijo dos Dementadores, e eu só posso pensar que eles devoram os dimons dos adultos – mas, por algum motivo, o dimon só tem graça para eles depois de ter se fixado em uma forma única… depois que os humanos, como descobrimos durante “A Bússola de Ouro”, começam a atrair a misteriosa substância chama de “Pó”.
Lyra está em busca do Pó – ela precisa encontrá-lo antes do Lorde Asriel, e uma das partes mais interessantes de todo o livro é ver Lyra transpor essa busca para o nosso mundo, e então os termos precisam ser atualizados. Will ajuda Lyra a cruzar a janela para o nosso mundo, onde tudo é diferente para ela, embora estranhamente familiar. É a Oxford, mas não a Oxford que ela conhece, embora algumas coisas sejam iguais, e isso é totalmente desconcertante para a garota curiosa – mas, ao mesmo tempo, continua sendo fascinante. Aqui, Catedráticos e Teólogos Experimentais são, na verdade, cientistas, e Lyra ganha uma companheira interessante e estudada que pode compartilhar com ela umas informações… o aletiômetro pede que “ela não minta para a Catedrática” (é um assombro para Lyra encontrar uma mulher catedrática), e lhe dá uma missão que ela não entende:

“Você tem que se preocupar com o garoto. A sua tarefa é ajudá-lo a encontrar o pai. Se concentre nisto”

Assim, acompanhamos a união de Lyra e da Dra. Malone, E É UMA DAS CENAS MAIS IMPACTANTES DE TODO O LIVRO – sentimos como se nossas cabeças estivessem prestes a explodir enquanto lemos aquilo tudo e fazemos novas associações. Imediatamente, quando Lyra vê o I Ching no laboratório de Malone, eu me dei conta de sua similaridade com o aletiômetro… afinal de contas, o “I Ching” foi algo que estudei um pouco enquanto escrevia minha dissertação de mestrado. Para a Dra. Malone, o “Pó” é chamado de matéria escura, ou de “partículas de sombra”, e ela fala sobre as sombras terem consciência, sobre podermos ouvi-las responder se quisermos e se “mantermos a mente no estado certo” – QUE É EXATAMENTE O QUE A LYRA FAZ COM O ALETIÔMETRO. Era muito claro, em “A Bússola de Oura”, a questão do “estado de espírito” no qual a garota precisava estar para poder conversar com o aletiômetro e entender suas respostas…

“Bem, não se lê como se lê uma carta, não funciona assim. O que está acontecendo é que as Sombras estão reagindo à atenção que você dedica a elas. Isso por si só já é bastante revolucionário: é à nossa consciência que elas reagem, entende?”

Em seu estudo das partículas de sombra, a Dra. Malone busca uma maneira de conversar com as sombras, assim como Lyra conversa com o Pó através do aletiômetro. Algo, talvez o desespero porque a pesquisa está quase sendo fechada, faz com que a Dra. Malone confie em Lyra, e ela realmente consegue, com o seu aletiômetro, informações que ela nunca poderia ter, e a garota pede que ela a deixe usar a “Caverna”, que é um programa no computador desenhado para que eles possam se comunicar com as sombras, e é uma versão “estranha” do aletiômetro, porque envolve uma tecnologia do nosso mundo que quase parece deslocada no meio disso tudo. Mas é fascinante, como cada cena da Lyra lendo o aletiômetro, a maneira como ela se conecta com a “Caverna” no computador da Dra. Malone, E COMO ELA CONSEGUE RESPOSTAS… mas respostas que Malone ainda não entende.
Lyra acredita, então, que ela poderia fazer a “Caverna” respondê-la com palavras na tela.
Isso certamente seria muito prático.
Aqui, eu acho que o livro atingiu o seu ápice, embora ainda seja mais ou menos a metade das páginas de “A Faca Sutil”, mas é que essa troca de experiências e ideias da Lyra e da Dra. Malone são fascinantes, bem como reconhecer o “aletiômetro” em nosso próprio mundo através do computador movido por partículas de sombra, ou o I Ching na China. Enquanto isso, Will anda pelo mundo investigando a expedição na qual o seu pai, John Parry, desapareceu há muitos anos, e ele finalmente lê as cartas que seu pai enviou, nas quais ele fala algo sobre a “anomalia”, a “janela para o mundo dos espíritos”. E em uma das cenas MAIS EMOCIONANTES do livro, Will e Lyra decidem confiar um no outro, e então eles passam um tempo no nosso mundo, até ser seguro voltar para Cittagàzze, e Lyra fica totalmente fascinada quando vai ao cinema.
AQUELA CENA ME MARCOU DE UM JEITO!
A animação, a felicidade pura e infantil de Lyra, dizendo que “o cinema é melhor do que qualquer coisa que ela tenha no seu mundo”.
Essa pureza e essa inocência de Lyra… É TUDO TÃO LINDO.

“Ficaram ambos sentados em silêncio na pedra coberta de musgo, sob os raios oblíquos do sol através dos velhos pinheiros, pensando em quantos acontecimentos casuais ínfimos tinham conspirado para levar os dois até esse lugar. Cada um desses acontecimentos casuais poderia ter tido um desfecho diferente. Talvez outro Will, em outro mundo, não percebesse a janela na avenida Sunderland e saísse andando em direção às Midlands, perdido e exausto, até ser apanhado. E em outro mundo, talvez outro Pantalaimon tivesse convencido outra Lyra a não entrar na Sala Privativa, e outro Lorde Asriel tivesse sido envenenado, e outro Roger tivesse sobrevivido para brincar para sempre com aquela Lyra sobre os telhados e pelos becos de uma Oxford diferente e imutável”

Em paralelo, acompanhamos outras tramas do livro, como o nosso amado Lee Scoresby em busca de informações de Grumman, e tudo isso é envolto em mistério, porque todo mundo parece ter ouvido falar sobre o Grumman, todo mundo parece ter um pedacinho da sua história, mas ninguém sabe nada ao certo, porque as informações não batem. Mas nós captamos uma série de informações importantes, como a maneira como as pessoas falam de seu dimon e sobre ser um tipo de águia que nunca viram antes, ou do fato de Grumman estar buscando civilizações de 20 a 30 mil anos atrás, mas ninguém saber nada sobre ele antes disso, ou ainda do fato de ele ser um tártaro e ter um nome tártaro: Jopari. John Parry. Grumman é o pai de Will! E Lee acaba chegando a Grumman/John Parry, e ele conta sua história, conta sobre como veio do outro mundo, como foi quando viu o seu dimon pela primeira vez… e eu não pude deixar de desejar que Will viesse para esse mundo para que conhecêssemos seu dimon.
John Parry, então, dá a Lee uma missão, de levá-lo até o outro mundo, pois precisa encontrar o portador da faca. Enquanto isso, as feiticeiras fazem as suas próprias andanças, porque tudo está convergindo para a grande guerra, e é com elas que vemos os Espectros pela primeira vez, quando eles atacam os adultos e devoram suas vidas, deixando-os mortos em vida, e elas veem dois adultos montarem em cavalos e fugirem, quando os Espectros aparecem, porque é assim que eles fazem em seu mundo: dois adultos precisam sempre fugir e deixar os demais morrerem, para serem os que vão cuidar das crianças órfãs dali em diante, que não foram atacadas. “Este é o maior mistério de todos. Na inocência das crianças existe algum poder que repele os Espectros da Indiferença”. Também ouvimos falar, pela primeira vez, em “Anjos”, e os vemos voando ao longe, em direção a algo, e quando Ruta Skadi os segue e os conhece, eu até senti arrepios por todo o corpo… tudo é impactante, forte, poético, astral, inusitado, bizarro – difícil de explicar. Então, Ruta os acompanha até outro mundo, até uma fortaleza que Lorde Asriel está construindo…
Para a guerra.
Da próxima vez que Lyra passa para o nosso mundo, dessa vez sem o Will, tudo acaba dando errado. A Dra. Malone já foi abordada pelos caras que estão em busca de Will, e Lyra acaba caindo em uma armadilha e confessando que o conhece e, para piorar tudo, quando ela tenta escapar, ela tem o seu precioso aletiômetro roubado por um velho asqueroso, o Sir Charles – cuja real identidade ainda descobriremos mais tarde nesse mesmo livro. Lyra fica desesperada, como se parte dela tivesse se perdido, e então ela e Will precisam encontrar uma maneira de recuperar o aletiômetro, e eles vão até a casa dele, que propõe um “trato”: ele devolverá o aletiômetro se eles trouxerem para ele um objeto que ele quer ainda mais – uma faca, escondida em um mundo ao qual ele não pode ir, por causa dos Espectros, mas eles podem andar por lá livremente.
Ele quer a faca que está na Torre dos Anjos.
E essa é a missão de Will e Lyra.
Grande parte do livro gira em torno da FACA SUTIL, então, e descobrimos que já era assim, mesmo antes que soubéssemos – a introdução do objeto na trama é SENSACIONAL, e as primeiras cenas da faca nos fazem virar páginas avidamente. Toda a relação do Will com a Faca Sutil me fez pensar um pouco na Lyra com o aletiômetro, mas, ao mesmo tempo, me fez ver que Will precisa de uma conexão muito forte com o seu “dimon”, embora nós não possamos vê-lo, para que ela funcione… a cena é de arrepiar. Depois de entrarem na Torre dos Anjos e se depararem com um rapaz enlouquecido com a Faca, Will acaba entrando em uma batalha na qual ele perde dois dedos da mão, e aquilo é tão desesperador que, dali em diante, parece que sentimos as dores de Will Parry. Mas, conforme lhe é explicado, essa é a marca inconfundível do portador da Faca Sutil.
Agora, ele. Will.
Will, então, é o novo portador da Faca, e o antigo portador fala sobre ela, sobre a Torre dos Anjos, sobre a Liga, sobre as regras… e, mais importante, lhe ensina a usá-la. O velho ensina Will a abrir janelas no ar para outros mundos, e as cenas são incríveis. Will precisa, antes de tudo, se concentrar e deixar a mente vazia, mais ou menos como Lyra tem que fazer para se conectar com o aletiômetro e, depois, ele tem que “sentir a lâmina”, “se tornar ela”, “colocar sua alma ali”, e enquanto ele tenta, eu quase pude ver o dimon de Will caminhando até a ponta da faca e achando a fenda entre os mundos, cortando o que não está ali, para abrir passagem para o outro lado. Isso tudo é tão intenso, tão íntimo, e nós sentimos algo poderosíssimo em poder compartilhar desse momento com Will… o momento em que ele usa a Faca Sutil pela primeira vez.
Antes disso, no entanto, a dor quase lhe impede, e as suas lágrimas são tão sinceras e tão dolorosas que Pantalaimon acaba se aproximando e tocando nele – e isso é tão chocante, mesmo para nós. Como disse, Philip Pullman, em “A Bússola de Ouro”, nos tornou parte da Oxford de Lyra, do mundo de Lyra, e nós sentimos como se aquele fosse o natural: e ver um dimon tocando outra pessoa que não seu humano é desconcertante e, ao mesmo tempo, mágico. Mostra uma conexão entre Will e Lyra que nunca achamos possível – mais tarde, Pan diz a Lyra que “sentiu que Will precisava de um dimon naquele momento, e ele não tinha um”. Pantalaimon lambe a sua ferida carinhosamente e aninha sua cabeça em seu joelho e, então, é como se Will tivesse forças para tentar novamente… e percebemos que só assim Will conseguiu aprender a abrir e fechar janelas…
Sozinho não.
Apenas com Lyra e Pan.
Então, portando a Faca Sutil e sem saber, ainda, tudo o que isso implica, Will resolve usá-la para ajudar Lyra a recuperar o seu aletiômetro – e é um roubo alucinante. Em um capítulo tenso e maravilhoso, Will e Lyra usam a faca ao seu favor, mas isso não é o suficiente para que eles recuperem o aletiômetro… eles ainda precisam de muito jogo de cintura. Uma vez no escritório do Sir Charles, que descobrimos ser, na verdade, o Lorde Boreal, Will acaba presenciando uma conversa dele com a Sra. Coulter (!), e me causa calafrios rever o seu diabólico macaco dourado… toda a cena traz mais tensão que revelações, e terminamos com a Lyra distraindo os dois jogando pedras na janela, enquanto Will rouba o aletiômetro, fecha a última passagem que abriu, e então corre para salvar Lyra… e eles só conseguem porque uma gata que eles ajudaram em Cittagàzze os ajuda – é uma corrida contra o tempo, o tempo todo não sabemos o que vai acontecer, e eu fiquei tenso e com o coração disparado O TEMPO INTEIRO, devorando as palavras num frenesi delicioso.
Uma leitura envolvente… senti cada segundo daquilo!
Will e Lyra acabam sendo achados e protegidos por Serafina Pekkala, quando as crianças de Cittagàzze se voltam contra eles, enquanto a Dra. Malone nos proporciona outro incrível capítulo no qual mais peças começam a se unir. As Sombras, o Pó, a matéria escura, os crânios de 30 ou 40 mil anos atrás no museu… isso tudo tem a ver com como os humanos adquiriram consciência em primeiro lugar. Enquanto a Dra. Malone faz descobertas, Sir Charles/Lorde Boreal vem ao seu escritório, de forma ameaçadora sob uma máscara gentil, dizer que pretende financiar a sua pesquisa, desde que ela faça o que ele quer – por exemplo, encaminhe a pesquisa para a área de controle de consciências (!), investigue mundos paralelos e, antes de tudo, entregue Lyra para ele. Malone, maravilhosa, não quer ter nada a ver com esse homem e vai embora, enquanto o seu companheiro parece muito mais propício a aceitar as “condições” de Charles.
À noite, a Dra. Malone volta ao escritório, e é última vez que a veremos nesse livro, mas ela deve desempenhar um papel importante em “A Luneta Âmbar”. Durante a noite, correndo contra o tempo, Malone se conecta ao computador para conversar com a “Caverna”, como Lyra fez, e dessa vez com palavras na tela, e aquela cena é de arrepiar. Assim como acontece toda vez que vemos Lyra conversar com o aletiômetro, queríamos ler mais, queríamos páginas e páginas disso, mesmo que, com o computador e as palavras mais diretas, tudo pareça um pouco menos místico que com o aletiômetro. De qualquer modo, a cena traz informações como que esses seres feitos de matéria-de Sombra são “anjos” (ou algo assim), e eles ajudaram na evolução dos humanos, lhe dando consciência, como vingança. Agora, eles dão a Malone uma missão: ela bancará a serpente. Ela precisa encontrar as crianças, ajudá-las e se preparar para uma longa viagem.
Antes disso, ela precisa destruir o equipamento…
Lorde Boreal não pode ter acesso à sua pesquisa avançada!

“Tanto o Conselho de Oblação quanto os Espectros da Indiferença estão enfeitiçados por esta verdade a respeito dos seres humanos: a inocência é diferente da experiência. O Conselho de Oblação teme e odeia o Pó, e os Espectros se alimentam dele, mas ambos são obcecados por ele”

Tudo se delineia para o último livro… a Dra. Malone atravessou para um novo mundo, onde desempenhará uma função que ainda desconhecemos. Lee Scoresby, por sua vez, viu sua jornada chegar ao fim, tendo cumprido a missão de levar John Parry para outro mundo, onde ele pode encontrar o portador da Faca e dizer-lhe sua missão… foi sofrido ler o último capítulo de Lee Scoresby. Aprendemos a amar aquele aeróstata, e é interessante vê-lo tendo “visões” durante o sono, pouco antes de o vermos lutando até o último momento, no qual ele e Hester morrem, juntos. E a Sra. Coulter se torna ainda mais cruel e brutal do que ela jamais fora. Ela sempre foi um demônio, com aquele macaco dourado maldito… ela sempre foi obcecada, alienada, perigosa e cruel, mas agora – agora a Sra. Coulter comanda os Espectros, que fazem a sua vontade, e temos uma cena na qual ela mata uma feiticeira da maneira mais fria e crua possível.
Aquela cena causa um desconforto danado…
E então ela descobre algumas coisas – qual é o papel de Lyra nisso tudo, finalmente. Como eu comentei, a jornada de Lorde Asriel é profana, e eu cheguei a sentir certo desconforto enquanto lia aquelas palavras e aquela missão: ele quer acabar com a crueldade imposta pelos servos da Autoridade (quanta coisa o Magisterium fez em nome dela?) e, para isso, ele quer enfrentar e acabar com a própria Autoridade… e, então, “vai acontecer tudo de novo”: a Queda, o recomeço, e a Lyra se tornará a nova Eva. A não ser que as coisas sejam diferentes… porque, dessa vez, Lorde Asriel terá uma coisa que os anjos rebeldes não tinham da última vez, uma arma que pode matar a Autoridade: A FACA SUTIL. E é essa a missão da Faca, esse é o trabalho do portador: levá-la ao Lorde Asriel, e é isso o que John Parry pede ao filho, pouco antes de ser assassinado por uma feiticeira que se apaixonara por ele e fora rejeitada…
O fim do livro ainda traz algumas surpresas, coisas que nos fazem querer partir logo para “A Luneta Âmbar”, em busca de respostas… não sei o que será da missão de Lorde Asriel, sei que tudo isso me causou uma angústia tremenda, mas sei, também, que estou curioso para ver quais são os rumos e, especialmente, os desfechos dessa história. Agora, Will abraça a sua missão, passada pelo pai, e será guiado pelos Anjos até a fortaleza de Lorde Asriel ainda em outro mundo, deixando para trás Cittagàzze e o mundo dos Espectros, que, por sua vez, atacaram e mataram todas as feiticeiras… aquilo é extremamente cruel e parece nos deixa atordoados e confusos. Além de não termos mais as feiticeiras, Lyra desapareceu, e Will sabe que ela foi levada contra a sua vontade porque ela deixou o aletiômetro para trás – e ela nunca faria isso por vontade própria…
Onde está Lyra? Como Will vai chegar a Lorde Asriel? E a Dra. Malone? Qual vai ser o resultado e, mais importante, as consequências dessa grande guerra que o Lorde Asriel tanto buscou?


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