“The thing
is… I was born brilliant, born bad, and a little bit mad. I’m Cruella”
O aguardado
live-action protagonizado pela perversa
Cruella de Vil, de
“101 Dálmatas”, é
tudo o que podíamos esperar e um pouco mais… um filme de origem que nos
apresenta uma Cruella diferente de tudo o que sempre projetamos à personagem, e
agora estou achando difícil associá-la àquela figura maligna que estava
disposta a roubar 101 filhotinhos de dálmatas
para fazer um casaco de pele – a Cruella de Emma Stone realmente
seria capaz disso? O filme é divertido, de uma forma quase macabra, e traz uma
narrativa competente que preenche lacunas e nos permite
conhecer melhor a criança e a mulher que se tornariam “Cruella de
Vil”, tudo em um visual deslumbrante que mistura o cenário de época, do mundo
da moda e um toque de
punk – é
perfeito para a personagem! E, falando nela, Emma Stone faz um trabalho
excelente, nos conquistando com todo seu carisma.
Ao lado dos
cenários e figurinos bem concebidos e da ótima atuação de Emma Stone, o filme
ainda tem um clima muito bacana e já quase nostálgico garantido pela trilha
sonora e pelas constantes referências. Na trilha sonora, há uma tentativa
bem-sucedida de recriar a época a que o filme se refere, trazendo clássicos de
Tina Turner, Queen, Beatles, David Bowie, Rolling Stones… nas referências, eu
achei muito legal como o filme conseguiu o tempo todo brincar com elementos de
“101 Dálmatas”, como a semelhança entre
os cachorros e seus donos, observada por Pongo na animação e presente em uma
rápida cena de referência aqui, ou o icônico carrinho que é dirigido por
Cruella e, é claro, a presença de Anita (uma amiga de Cruella da época da
escola que ela reencontra como jornalista na fase adulta) e de Roger (o
ex-advogado da Baronesa).
E o filme ainda tem uma cena pós-créditos
perfeita.
Não tem como
não se apaixonar pela personagem ao longo de
“Cruella”. A conhecemos, primeiro, como Estella Miller, uma garota
que nasceu com o cabelo meio preto e meio branco, que é constantemente
provocada por causa disso e que
nunca
deixou barato… eu gosto de como a Disney não ficou tentando aliviar as
coisas por ser um filme também para o público infantil, e como trouxe assuntos
bem sérios e tratados com clareza: a morte da mãe de Estella, por exemplo, foi
algo que me surpreendeu. Quando Estella e a mãe estão se mudando para Londres,
elas param na Casa da Baronesa, onde um elegante desfile de modas está
acontecendo, e durante uma confusão causada por Estella desobedecer a mãe e
não ficar esperando no carro, três
dálmatas (!) a perseguem e, depois, atacam sua mãe, a derrubando de cima de um
penhasco e, consequentemente, a matando.
Estella passou todos os anos seguintes se
sentindo responsável pela morte da mãe, aos poucos preparando o terreno
para a adulta cruel que já conhecemos – em Londres, ela acaba encontrando dois
garotos órfãos que roubam para sobreviver, e os três formam uma espécie de
família. Na fase adulta, Estella é UM
MÁXIMO, essa é a verdade. Ela é uma clássica anti-heroína: imperfeita, com
algumas atitudes
talvez
questionáveis, mas do tipo que faz com que torçamos para ela… e Emma Stone
entrega exatamente isso: uma personagem problemática e carismática, com
excelentes cenas como aquela em que, bêbada, ela refaz a vitrine da loja em que
estava trabalhando como zeladora e chama a atenção da Baronesa, um grande ícone
da moda, uma estilista famosa exatamente como ela quer ser…
exatamente como ela sempre quis ser, desde a
infância.
Gosto muito
da construção de Estella como estilista, gosto de vê-la ganhando oportunidades,
gosto de vê-la chamando a atenção com produções exuberantes. Naquele momento,
até nos perguntamos qual é o caminho que o filme está seguindo, se Estella vai
ser tomada pela ganância para se tornar a vilã de
“101 Dálmatas”, mas o filme dá uma guinada interessantíssima (e não
totalmente inesperada) quando ela vê o colar que a mãe usava (e que deixou com
ela antes de morrer) no pescoço da Baronesa, e a Baronesa explica que aquela é
uma joia de família que
chegou a ser
roubada por uma funcionária uma vez… sabendo que a joia é sua por direito,
porque a mãe a deixou com ela, Estella resolve roubar a joia de volta – e,
assim, Cruella vem à tona pela primeira vez na vida adulta… e, bem, naquele
momento queríamos mesmo ver mais de Cruella.
É uma
sequência praticamente PERFEITA. A Baronesa está dando uma festa elegantíssima,
o Baile Preto e Branco, e Cruella aparece pronta para
chamar a atenção e causar uma distração enquanto Jasper e Horace
invadem a casa e o cofre da Baronesa para conseguir o colar de volta. Cruella
está de volta em seu cabelo preto e branco, o que combina perfeitamente com a
proposta do baile, eu acredito, mas por baixo de uma capa branca, ela está
usando um belíssimo
vestido vermelho,
no melhor estilo Cruella de ser – e aquela cena me faz pensar muito em
“O Fantasma da Ópera”, quando o Fantasma
invade o baile de máscaras para trazer o roteiro de
“Don Juan Triunfante”. E é essa sequência incrível do baile que faz
a transição de Estella a Cruella e, a partir de então, quando a vemos novamente
caracterizada como Estella, é apenas uma “personagem”.
Muito dessa
“transição” se deve ao fato de a Baronesa jogar seus três dálmatas para cima
dela soprando um apito que, agora, Estella se lembra de a ter visto soprar na
noite em que sua mãe morreu – durante todo esse tempo, ela se culpou pela morte
da mãe, mas a verdade é que quem a matou foi a Baronesa, por algum motivo que
ela ainda não entende. Agora, no entanto, Cruella tem uma nova missão e uma
nova fase do luto: VINGANÇA. A estreia completa de Cruella movimenta o filme,
mudando novamente o seu tom… aqui, podemos dar uma olhada na vilã escrachada de
“101 Dálmatas”, enquanto até Jasper e
Horace começam a ficar
cansados dela
e anseiam pela velha Estella de volta, e Cruella também sequestra dálmatas pela
primeira vez, dessa vez porque um deles
engoliu
o colar que pertencera à sua mãe, e ela quer resgatá-lo de qualquer maneira.
Uma das
melhores partes do filme é, sem dúvida, essa guerra entre estilistas, essa
briga entre Cruella e a Baronesa, algo que fica cada vez mais exagerado e,
consequentemente, mais divertido. Com a ajuda de Anita, a antiga amiga de
escola de Cruella que agora é uma jornalista, e de Artie, um talentoso dono de
brechó, Cruella desenha os melhores vestidos possíveis, sempre com uma
identidade muito forte, e aparece chamando a atenção em todos os eventos
possíveis da Baronesa, a ofuscando e fazendo com que as suas vendas caiam
vertiginosamente. Os jornais da cidade só falam ou da queda da Baronesa ou da
aparente ascensão de Cruella, cada vez mais vista e mais notada… gosto muito do
vestido que cai do caminhão de lixo, é certamente um dos melhores momentos de
Cruella – e então eu pergunto: como não torcer por Cruella?
O filme
ainda tem mais uma mudança drástica de ritmo e tom quando entra em seu último
ato, que é quando a Baronesa tenta matar Cruella depois daquele show magnífico
no Regent’s Park, e Cruella acaba sendo salva por John e descobrindo a importância
do colar, no fim das contas:
ele continha
a chave para uma verdade que muda a vida de Cruella – ela é filha da Baronesa,
e agora não foi a primeira vez que ela tentou matá-la. A Baronesa é uma
vilã cruel, e é esse contraponto que não nos permite
desgostar de Cruella: temos alguém muito pior contra quem torcer.
Quer dizer, ela mandou John matar a sua filha recém-nascida! Sabendo de toda a
verdade, Estella se torna Cruella para o seu último plano, e eu devo dizer: É
UMA DAS MELHORES SEQUÊNCIAS DE TODO O FILME. Cruella conseguiu pensar em
tudo para derrubar a Baronesa de uma vez
por todas.
Tudo começa
com Cruella enviando uma mensagem a todos os convidados da Baronesa, como se
fosse da própria anfitriã, convidando todos a irem ao evento de gala
com perucas preto e branco, como o
cabelo de Cruella – supostamente para “homenageá-la depois de sua trágica
morte”, o que, naturalmente, confunde os seguranças que esperam por Cruella e
desestabiliza completamente a Baronesa. Então, Cruella só precisa continuar
jogando, e ela manipula tudo à perfeição, com a ajuda de seus aliados, para que
a Baronesa seja vista fazendo algo terrível… Cruella se torna Estella
uma última vez para conversar com a
Baronesa
no mesmo lugar em que ela matou
sua mãe, porque, como ela diz, ela sabia que a Baronesa faria algo de ruim…
e quando a Baronesa a empurra deliberadamente de cima do mesmo penhasco,
todos seus convidados estão ali para
assistir, testemunhas de um crime.
Estella “morre”, a Baronesa é presa e
Cruella fica com todo o dinheiro…
Afinal de
contas, Estella era a herdeira do Barão e deixou tudo para “sua grande amiga”
Cruella.
O filme é
incrível, de fato. Com 74% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes, mas 97%
de aprovação do público (!),
“Cruella”
entrega, com competência e carisma, uma das melhores histórias de origem da
Disney… e certamente uma das melhores releituras de um clássico, com essa
inversão de ponto de vista. E depois de um filme brilhante, ele ainda nos
brinda com uma divertidíssima cena pós-créditos que nos mostra um presente de
Cruella enviado a Roger e Anita, antes de eles se conhecerem: Pongo e Perdita,
preparando o terreno para
“101 Dálmatas”
enquanto Roger se senta ao piano cantando
“Cruella
de Vil”, exatamente como no início da animação… eu só ainda tenho
dificuldades para acreditar que essa Cruella que conhecemos agora
realmente teria coragem de sequestrar
101 cachorrinhos para
fazer um casaco de
pele deles.
Quer dizer,
ela teve a oportunidade e não fez isso!
Vamos ver
como a sequência, já confirmada, aborda isso…
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