Luca (2021)

“We underdogs have to look out for each other, right?”

Mais uma animação em que a Pixar acerta em cheio… alguns dos meus filmes favoritos no mundo vieram da Pixar, e quando eu digo “filmes favoritos”, não me refiro apenas a animações. “Luca” tem tudo o que aprendemos a esperar do estúdio: uma animação colorida e vibrante, uma história criativa, uma mensagem bonita. Eu adoro como as animações do estúdio conseguem tratar temas sérios sempre com uma leveza e uma sensibilidade sem iguais… “Luca”, o mais novo filme do estúdio, fala sobre ser diferente, mas ser você mesmo, sobre encontrar um lugar ao qual você pertence e sobre as pessoas que você quer ter ao seu redor, o que me parece uma alegoria a infinitas possibilidades e, consequentemente, o filme me parece muito pessoal. É um filme lindíssimo e encantador que certamente vai te deixar com um sorriso no rosto e, possivelmente, lágrimas nos olhos.

Adoro todo o conceito escolhido para o filme… Luca é uma criatura do mar, um ser que os humanos da vila próxima gostam de chamar de “monstro marinho”, e o filme introduz com inteligência o conceito da aversão ao que é diferente, para poder desconstruí-lo ao longo do filme – os humanos odeiam os “monstros marinhos” e querem caçá-los pelo simples fato de eles serem diferentes, enquanto as criaturas do mar parecem temer os “monstros da superfície”, depois de anos de opressão. São duas visões que uma simples vivência pode mudar facilmente – e é exatamente o que “Luca” se propõe a fazer, quando o personagem-título começa a se interessar pelo mundo na superfície, movido pela curiosidade, ainda maior pelo fato de a sua família sempre se recusar a falar sobre o que existe fora do mar… até que Luca tem a oportunidade de conhecer um pouco desse mundo.

Tudo acontece quando Luca se aventura a explorar algumas coisas do outro mundo que foram derrubadas por barcos, e então ele conhece uma outra criatura marinha, Alberto, um garoto que parece bem acostumado a viver fora da água – Luca está apavorado com a possibilidade de desobedecer aos pais e ir para a superfície, mas a curiosidade é muito maior do que qualquer coisa, então ele o faz. Quando na superfície, Luca e Alberto assumem formas humanas, disfarces que podem rapidamente ser destruídos se eles se molharem, mas que parecem bem seguros contanto que eles estejam secos… o conceito é interessante, e o cenário na superfície também é algo que nos fascina! Estamos em uma pequena vila na Itália, Portorosso, em algum momento do passado (tipo anos 1950, talvez), uma época em que as encantadoras Vespas estavam em alta.

Particularmente, uma das minhas partes favoritas do filme é justamente a amizade de Luca e Alberto – tudo ali é tão intenso, e tudo é tão novo para Luca… Alberto está lhe apresentando um novo mundo, e o está convidando para vivê-lo ao seu lado. Eu adoro aquelas sequências dos dois tentando construir uma Vespa, por exemplo, ou quando eles adormecem lado a lado e Luca sonha que está voando em uma Vespa com Alberto, pelo céu cheio de peixes… é uma sequência tão singela, tão cheia de significado, tão bonita! Alberto sonha em ter uma Vespa na qual ele possa conhecer todo o mundo e ir a um lugar diferente todo dia, e ele compartilha esse sonho com Luca, e a parceria, amizade ou o que quer que seja que nasce entre eles é uma das forças desse filme… no fim, um acaba mudando a vida do outro, e fazendo com que eles saiam de suas bolhas, de seus esconderijos…

Quando os pais de Luca descobrem que ele esteve na superfície e querem mandá-lo morar nas profundezas do oceano com um tio, Luca foge, e ele e Alberto deixam a pequena ilha de sonhos que era só deles para se aventurar pela vila dos humanos – um lugar perigoso, tendo em vista que, aparentemente, é uma vila obcecada com a ideia de caçar monstros marinhos. Mas eles precisam ficar ali, onde eles acreditam que os pais de Luca não o procurarão… acontece, no entanto, que eles acabam procurando sim, e eu devo dizer que eu me diverti bastante com as cenas dos pais de Luca, “transformados” em humanos, procurando por Luca no vilarejo – uma série de cenas bizarras, como aquela da mãe jogando a bola para derrubar as crianças na fonte, e tudo feito com muito bom-humor, enquanto Luca e Alberto vão fazendo amizades e traçando planos.

Os garotos conhecem Giulia, uma garotinha “excluída” (reforçando a temática do “diferente”) que quer ganhar uma corrida que envolve natação, bicicleta e comer massas, e logo eles a convencem a deixar que eles participem também: afinal de contas, com o dinheiro do prêmio eles podem comprar uma Vespa e então realizar o sonho de conhecer o mundo! O filme é divertido, traz ótimos momentos para Luca e Alberto, traz ótimos momentos com o pai de Giulia, que apesar de ser um “caçador de monstros marinhos” é um homem muito bom, e a mente inquieta, ansiosa e curiosa de Luca, que parece sempre querer saber mais… quando Giulia começa a falar sobre a escola, sobre as estrelas, planetas, galáxias e sobre tudo o que Luca não sabe, mas quer descobrir, o garoto quer mais, o que acaba gerando um incômodo/ciúme em Alberto.

Talvez ele não esteja preparado para conhecer um Luca que não precisa dele… mas a verdade é que Luca sempre precisará. Sem saber disso, eu fiquei de coração partido quando Alberto tentou mostrar para Luca que ele não podia ir para a escola, que ele não podia viver ali para sempre porque não iam aceitá-lo como ele é (!), então ele se joga na água, revelando-se um “monstro marinho”. Eu estava apavorado com as pessoas, em especial Ercole, caçando Alberto, jogando arpões nele, mas a verdade é que eu já sabia que aquilo aconteceria… eu não estava preparado, no entanto, para o Luca apontando para ele e gritando: “Monstro marinho!”, para tentar passar despercebido. A dor dessa cena é tão palpável e pode ser lida de tantas maneiras diferentes, e eu acho que por isso o filme tem tanto poder: acho que ele conversa com diferentes pessoas de diferentes formas.

Eventualmente, Giulia descobre que Luca também é um monstro marinho, mas não o rejeita por isso, mas fala sobre como é perigoso, para ele, estar ali, como eles escolheram a pior cidade possível para se esconder… naquele momento, no entanto, Luca está preocupado com Alberto, e a cena em que ele volta à ilha onde ele e Alberto viveram tantas coisas é lindíssima, e profundamente triste, com Luca descobrindo que Alberto foi abandonado pelo pai – mas Luca não vai fazer o mesmo. Ele volta para a cidade e decide competir sozinho, porque ele pode ganhar a Vespa para ele e para Alberto, e então tudo estará resolvido… a sequência toda da competição é desesperadora, porque ficamos o tempo todo com medo de Luca ser descoberto, como naquela prova embaixo d’água, por exemplo… o problema, no entanto, está na parte do ciclismo…

…quando começa a chover.

O clímax do filme é a emocionante corrida de bicicleta! Luca está se saindo muito bem, mas a chuva que começa a cair pode arruinar tudo, e temos vários momentos memoráveis nessa cena. A primeira delas é, provavelmente, quando Luca se esconde da chuva e Alberto aparece com um guarda-chuva, dizendo que está indo até ele, e por um segundo achamos que tudo vai ficar bem, que ele vai subir na garupa com o guarda-chuva e os dois vão vencer a corrida, mas Ercole o derruba, e quando a água o atinge, ele se torna a criatura roxa do mar… daquela vez, felizmente, Luca não o nega, e corajosamente sai em defesa do amigo, o resgatando na bicicleta antes de ele ser atacado, revelando também sua forma de “monstro” marinho. E quando Ercole os persegue com um arpão na mão, Giulia vem em defesa dos amigos… uma demonstração linda de amizade, de todas as partes.

E é isso o que, no fim, mostra para todos aqueles humanos preconceituosos que Luca e Alberto são apenas dois garotos de bom coração, não importa quais sejam suas diferenças… é lindo o momento quando os dois largam tudo para ajudar Giulia, que foi derrubada por Ercole, e o pai de Giulia, Massimo, que sempre foi um “caçador de monstros marinhos”, parte em defesa deles e ainda os anuncia vencedores: afinal de contas, eles são apenas Luca e Alberto, os dois garotos que são amigos de sua filha e que ele conheceu durante aquela semana… que eles tenham “outra forma” não os faz pessoas diferentes daquelas que ele já conhecia. É, talvez, um pouco utópico, mas lindo e reconfortante, e eu adorei ver Luca realizando seu sonho de ir pra escola (graças a Alberto, que vende a Vespa para poder dar isso ao amigo, a cena em que ele entrega as passagens me emocionou… bem como o Luca perguntando se ele não vai também), apoiado pelos pais, e ver Alberto ganhar uma nova família, ficando para morar com Massimo e ajudá-lo.

A última cena de Luca e Alberto? COISA MAIS LINDA DESSE MUNDO! (E, nos créditos, Luca escrevendo cartas para o Alberto… QUE COISA MAIS FOFA!)

Assistindo ao filme, não consigo não pensar na realidade da comunidade LGBTQIA+ e em como muitas vezes somos tratados como diferentes, como algo a ser “enfrentado”, quando na verdade as pessoas se escondem atrás de preconceitos para nem se dar ao trabalho de nos conhecer… aquela fala da família de Luca para ele perto do fim do filme sobre como “haverá pessoas que não o aceitarão, mas também haverá muitas pessoas que sim, e ele parece saber encontrar as pessoas boas” me tocou profundamente. Além disso, é impossível não perceber que Luca e Alberto são apaixonados um pelo outro, de um jeito puro e inocente característico de produções infantis que falam sobre o “primeiro amor” (a despedida na estação, o Alberto correndo para acompanhar o trem e as cartas de Luca são elementos típicos de um filme de romance!), e eu fico muito feliz por essas histórias estarem sendo contadas.

Com toda sua beleza, diversão e sensibilidade, “Luca” é mais um belíssimo filme da Pixar. Lindíssimo!

 

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