Todos estão falando sobre o Jamie (Everybody’s talking about Jamie, 2021)
“I’m a
superstar and you don’t even know it!”
FILME
SENSÍVEL, EMOCIONANTE E LINDÍSSIMO. “Everybody’s
talking about Jamie” é mais um dos musicais da Broadway sendo adaptados
para o cinema em 2021, e o resultado não podia ser mais perfeito: com um elenco
incrível (encabeçado pelo talentoso e extremamente carismático Max Harwood) e
ótimas músicas, o filme nos conta a história de Jamie New, um garoto de 16 anos
que sonha em ser uma drag queen. A
história é linda e contada com sensibilidade, e eu adoro como o filme equilibra
brilhantemente cenas mais dolorosas com momentos em que Jamie New recebe todo o
amor e apoio das pessoas ao seu redor que realmente se importam com ela – e as
cenas nos levam às lágrimas por uma série de motivos diferentes. É um filme
importantíssimo que certamente conversa com todo um grupo de pessoas que às vezes se sente excluído, mas que tem
uma mensagem muito clara: “Não espere por autorização para ser quem você é”.
A primeira
cena do filme, ao som da contagiante “And
You Don’t Even Know It”, é facilmente uma das melhores sequências do filme,
porque mostra Jamie na escola, sonhando acordado durante uma aula vocacional
quando a professora (inclusive, uma das personagens mais detestáveis do filme) pergunta o que ele quer ser – então,
assistimos a Jamie New se tornar quem ele de fato quer ser, uma drag queen de sucesso! E eu achei
extremamente emocionante como Jamie tem pessoas ao seu lado que o amam de
verdade, como a mãe, Margaret, que é simplesmente incrível, e a melhor amiga, Pritti, que lhe dá todo seu apoio. A
primeira vez em que chorei assistindo ao filme foi quando Jamie chega em casa
da escola, no dia do seu aniversário, e o presente da sua mãe são brilhosos
sapatos vermelhos de salto alto para os quais ele estava economizando dinheiro.
Que cena
linda!
E então percebemos
que nem tudo é perfeito porque vivemos em um mundo preconceituoso – na
escola, na família… “The Wall in My
Head” é, provavelmente, uma das músicas mais
tristes de todo o filme, porque vemos Jamie (e brilhante atuação de Max
Harwood aqui, por sinal) oscilar entre dois estados de espírito: um que olha
para o horizonte de cima dos seus saltos altos e imagina um futuro brilhante no
qual ele será uma drag queen famosa e
ninguém vai poder pará-lo; outro em que ele olha pela janela de casa e vê a sua
versão de 11 anos, quando o pai o pegou usando o vestido, sapato e batom da mãe
e disse algo que “construiu um muro em sua mente”. Queremos ver Jamie olhar por sobre o muro, e ele de fato está fazendo
isso o melhor que pode, mas a verdade é que o muro continua lá… e a mãe não
tem coragem de dizer a verdade sobre o pai ao filho.
A verdade que ele o despreza… que ele não
está nem aí para ele.
Todas as
cenas de Jamie com o pai ou sobre o pai são horríveis… mas não é o único
preconceito que Jamie sofre na vida. Temos Dean Paxton, por exemplo, o babaca
da escola que está sempre provocando Jamie, e a própria professora Hedge, que é
preconceituosa ao extremo e tem uns discursos absurdos que ela ainda tenta
amenizar o que, a meu ver, só o tornam ainda mais escrachadamente absurdos. “Work of Art”, por exemplo, que é a
cena em que Hedge obriga Jamie a caminhar pela escola até a aula de artes com
as sobrancelhas mal pintadas, foi uma das cenas mais difíceis de se assistir e
uma das cenas mais pesadas – Jamie New transforma aquilo em uma referência a “Vogue”, da Madonna, e tenta mostrar
força ao falar sobre o show que fará naquela noite, mas a verdade é que aquilo
tudo foi uma humilhação e uma violência… aquela professora merecia ser demitida
por aquilo.
Ao lado da
mãe maravilhosa e da melhor amiga que está sempre disposta a lhe dar forças,
Jamie ganha a inesperada ajuda de Hugo Battersby, o dono de uma loja para drag queens que, no passado, foi uma drag queen ele mesmo: Loco Chanelle. A
cena de Hugo se lembrando da sua vida de 1987 a 1992 e cantando “This Was Me” é outra música que me
atingiu profundamente. A música é linda e forte, e mostra toda uma trajetória
de homens gays e de drag queens
durante o tempo: tudo o que as pessoas tiveram que lutar, todas as pessoas que
morreram, para que o mundo hoje fosse um
pouquinho melhor para pessoas como Jamie New – para que Jamie New pudesse
ter a chance de, apesar de todo o preconceito que ele ainda enfrenta, se apresentar em um palco como Mimi Me pela
primeira vez, cantar “Over the Top”
e se sentir completamente realizada.
O trecho do
filme equivalente ao segundo ato de “Everybody’s
talking about Jamie” é outro doloroso golpe – como segundos atos muitas
vezes são em musicais, na verdade. Terminamos o primeiro ato em um momento
lindo para Mimi Me, um momento em que ela se encontra, se realiza, e mesmo que
alguns babacas da escola estejam lá gritando atrocidades, ainda é um momento
importante e realizador para Mimi/Jamie. Ele está confiante na escola no dia
seguinte, gostando do fato de que “todo mundo está falando sobre ele”, mas
então as coisas começam a desandar por completo quando Dean Paxton diz que “não
vai ao baile se Jamie for de vestido”, e a escola, mais especificamente a Srta.
Hedge, dá preferência a Dean dizendo a Jamie que “ele não pode estragar a noite
de todo mundo” – e ela diz uma série de outros absurdos que nos incomoda.
Acho que o
que mais nos incomoda é algo que talvez quem não é LGBTQIA+ não vai entender: o fato de que aquele discurso que ouvimos da
Srta. Hedge é algo que já ouvimos direcionado a nós mesmos ou a pessoas
próximas a nós, por qualquer motivo, não apenas por “ir ao baile de vestido”.
É um preconceito que vivenciamos diariamente, que encontramos quando andamos de
mãos dadas na rua com nossos namorados, por exemplo, e alguém desvia o olhar,
abaixa a cabeça, dá uma risada, comenta com quem está do lado… isso em um dia
de sorte para um LGBTQIA+, na verdade, porque às vezes é muito mais do que
isso. Quantos de nós não morreu por causa do preconceito e intolerância? O
Brasil é o país que mais mata trans no mundo, e às vezes parece que ninguém
está se importando com isso de verdade para que essa realidade mude.
É isso o que nos machuca. É nos reconhecer
ali, naquele sofrimento.
O sofrimento
de Jamie também se acentua quando ele busca o pai e o filho da p*ta diz que
“não quer mais saber nada dele”, e ele se volta contra a mãe, por ela ter
mentido durante tanto tempo e tê-lo deixado acreditar que o pai se importava – mas a mãe, embora tenha tomado decisões
equivocadas, só fez o que fez para protegê-lo… porque o amava demais e não
queria fazê-lo sofrer. A sequência de “He’s
My Boy”, a música de Margaret sobre o filho, sobre como o ama, sobre como
ele é sua vida, e “My Man, Your Boy”,
a música de Jamie depois de chegar em casa, machucado (física e
psicologicamente), e pedir desculpas à mãe é A MELHOR SEQUÊNCIA DE TODO O
FILME, e aquilo me levou às lágrimas e quase aos soluços. O amor daqueles dois,
a parceria incondicional de Margaret e todo o reconhecimento que Jamie dá (e
deve dar!) à mãe… lindo demais. E é doloroso como Jamie pergunta se ela já quis
que ele fosse “normal”, e ela responde que não,
porque “aquele é o seu normal”… ela não
queria que ele fosse nada diferente do que é.
Mesmo com
Dean Paxton sendo um babaca, a Srta. Hedge sendo uma preconceituosa e o pai
sendo um grande filho da p*ta, Jamie se agarra ao amor de sua mãe, ao apoio de
sua melhor amiga, Pritti (que, além de “Spotlight”
lá no início do filme, incentivando Jamie a ir ao baile com os saltos altos,
tem “It Means Beautiful”, mais perto
do fim do filme, dizendo a Jamie que ele
é lindo também quando não é Mimi Me, e que ele devia saber disso), e à nova
família que ele descobriu graças a Hugo, que o colocou em um palco pela
primeira vez e o ajudou a se tornar a drag
queen que ele sempre quis ser, Jamie consegue redescobrir toda a força que o vimos apresentar tão claramente no
início do filme: um rapaz determinado, corajoso e certo de quem ele é! Um rapaz
destemido que não se importa com o que ninguém vai dizer quando ele aparecer de
vestido no baile de formatura…
…e ele
aparece!
Foi
EMOCIONANTE ver Jamie New aparecer no baile usando o vestido de sua mãe, aquele
mesmo que ele experimentou quando era criança, porque aquilo deixa o momento
ainda mais significativo e íntimo, e ali ele tem certeza de quem é, de quem
será e de quem sempre quis ser: Jamie New, mas, ocasionalmente, também Mimi Me.
A sequência final, na porta do baile, tem alguns momentos quase utópicos, mas
não importa, porque é lindo ver Pritti se posicionar contra a opressão de Dean,
ver Jamie se posicionar a favor de si frente à Srta. Hedge, e vê-lo receber o
apoio das pessoas que o acham incrível.
E ainda podemos ver que, acima de tudo, Jamie tem um coração muito bom, porque eu não sei se eu voltaria lá e
chamaria o Dean para entrar no baile… é tão bom e tão lindo ver Jamie no centro
do baile, cantando, dançando, girando, sendo ele mesmo e sendo FELIZ.
FILME
LINDÍSSIMO.
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