Philip K. Dick’s Electric Dreams – Human Is
What is human?
QUE EPISÓDIO
EXCELENTE! Estou me apaixonando por “Electric
Dreams” assim como sou apaixonado pela obra de Philip K. Dick há anos – a
sua capacidade extraordinária de criar outros mundos e universos, mas de
refletir o nosso mundo, a nossa sociedade, a nossa humanidade… que, de modo
geral (e é o que escrevo e defendo na minha dissertação de mestrado,
inclusive), é a grande característica da ficção
científica, que vai muito além do que muita gente às vezes pensa. “Human Is”, baseado no conto homônimo
do autor (“Humano é”, em português),
é um episódio introspectivo, forte e emocionante que nos faz questionar o que nos torna humanos. É uma história
rica de representações e discussões, falando sobre relacionamento abusivo,
violência doméstica, relações de poder e, por fim, o que nos torna humanos.
Tocante e instigante!
Estamos na
Terra, em 2520 – uma época em que o ar é tóxico demais para se respirar sem o
auxílio de máscaras, e cuja substância que pode purificar o ar é encontrada em um planeta próximo, Rexor-IV. Toda a
discussão de querer invadir e tomar o recurso desse planeta, desconsiderando a
vida presente naquele lugar, é uma representação clara e assustadora de como
uma série de guerras começaram no nosso mundo, com a busca por petróleo, por
exemplo. Rexor-IV é habitado por criaturas que estão tentando defender o
recurso procurado pelos humanos, o que denota inteligência dessa raça desconhecida por nós, e então as forças se
dividem em dois cursos de ação: de um lado, quem quer invadir e roubar aquilo
de que precisam; de outro, quem reconhece a inteligência desse povo e a possibilidade
de se estabelecer um diálogo.
Essas duas
forças divergentes são representadas por Silas e Vera Herrick, respectivamente.
Silas quer invadir o planeta; Vera quer conversar com os rexorianos. “Human Is” se destaca pela maneira como
parece real e como possibilita a conexão do espectador com os personagens,
porque torcemos por Vera, nos encantamos por ela, e sofremos por esse casamento
abusivo no qual ela está inserida: Silas é cruel, insensível e/ou indiferente…
ele é incapaz de reconhecer todo o trabalho que Vera realiza, incapaz de
dividir holofotes com ela ou mesmo de tratá-la com o mínimo de respeito – é por
isso que, quando a missão liderada por ele a Rexor-IV é um fracasso, chegamos a
vibrar… e Vera pode nunca dizer isso, mas parte dela parece estar aliviada porque talvez ela esteja
finalmente livre de um marido abusivo. Até
que ela descubra que ele sobreviveu.
Ou quase.
O Silas
Herrick que retorna de Rexor-IV é extremamente diferente do Silas Herrick que partiu: educado, gentil e
preocupada, ele a trata com carinho, com atenção, prepara seu café-da-manhã,
conversa com ela, sorri com os olhos quando a olha… todo um tratamento pelo
qual Vera ansiou sua vida inteira, mas que não se lembra de jamais ter recebido
do marido. Por isso, ela se recusa a falar muito sobre isso, porque não quer se
arriscar a denunciar que “alguma coisa está errada” e poder perder o marido com quem sempre sonhou. Talvez
ele não seja “humano”, no conceito biológico da palavra, mas o que isso quer
dizer, afinal de contas? Claramente esse Silas que retornou de Rexor-IV, sendo
o verdadeiro Silas ou não, é uma pessoa
muito melhor do que o outro, e a está fazendo feliz… o que então, nos torna
humanos? Essa é a grande questão da história.
“Silas
Herrick” é eventualmente preso, interrogado e colocado em julgamento, acusado
de ser, na verdade, um metamorfo rexoriano que assumiu a forma do verdadeiro
Silas Herrick – o episódio é baseado em uma das obras mais fascinantes de
Philip K. Dick que, dessa vez, não está preocupado em questionar o que é real e
o que não é, ou apresentar grandes reviravoltas, mas a fazer algo muito
filosófico e reflexivo: falar sobre a humanidade, em todos os sentidos da
palavra. Quando Vera é acusada de estar tentando encobertar Silas ou o
metamorfo rexoriano, Silas pede a palavra e fala sobre como está disposto a
dar-lhes uma confissão, se é isso o que querem, e dizer que é mesmo um
rexoriano, mas apenas se isso garantir que Vera vai ser liberada de qualquer
acusação… que nada vai acontecer com ela.
E a corte aceita as suas condições.
O momento
mais belo e emocionante do episódio, então, é quando Vera também pede a
palavra, e faz um discurso incrível sobre humanos e rexorianos – ela os faz
lembrar como os rexorianos foram taxados como cruéis e incapazes de compaixão,
e então pergunta como aquele homem à sua frente pode ser, então, um rexoriano,
com base no que eles decidiram sobre essa espécie? Afinal de contas, ele está
disposto a se sacrificar por ela, demonstrando amor, empatia e compaixão,
características “indiscutivelmente humanas”. “Silas Herrick” era, de fato, um
metamorfo rexoriano, liberado depois do discurso de Vera, mas ele demonstrou-se
capaz de características humanas valiosíssimas, enquanto o verdadeiro e humano Silas Herrick era incapaz dessas
mesmas emoções e atitudes. O que, por fim, torna o ser humano… humano de fato?
Excelente
episódio, excelente reflexão.
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