Philip K. Dick’s Electric Dreams – Real Life

Qual é a vida real?

QUE EPISÓDIO ABSOLUTAMENTE INCRÍVEL. Eu sou apaixonado pelas histórias de Philip K. Dick – inclusive, a ficção científica do autor foi o tema da minha dissertação de mestrado! “Philip K. Dick’s Electric Dreams” é uma série antológica de 2017, com 10 episódios baseado em 10 contos diferentes do autor, e é fascinante acompanhar à série e perceber, nas histórias contadas, as características do autor que foi um dos fundadores do gênero e um dos autores que mais escreveu ficção científica na história. Baseado no conceito de “Peça de Exposição”, “Real Life” conta a história de Sarah, uma policial em uma Chicago futurística e fascinante, que resolve “tirar umas férias” de sua vida, através de uma tecnologia interessante que lhe permite “se tornar” outra pessoa… nem que seja em uma espécie de simulação, que me lembrou outro conto que eu adoro do autor.

A ideia de “Real Life” é incrível, bem apresentada e muito bem desenvolvida em seus 49 minutos, e o tempo todo parece gritar o nome de Philip K. Dick, por nos fazer questionar o que é real e o que não é – é interessante o episódio começar do ponto de vista de Sarah, essa policial que tem uma vida quase perfeita, bem-sucedida na profissão, com uma mulher que ela ama e que também a ama, mas que sofre por causa de um massacre acontecido há algum tempo que acabou com a vida de 15 colegas seus… é Katie, sua esposa, quem apresenta a Sarah a ideia de “se tornar outra pessoa”, em um mundo no qual ela possa se distrair e se divertir. O problema é que a fantasia é “preenchida” pelo subconsciente da pessoa e não pode ser controlada, como em “Podemos recordar para você por um preço razoável”, então Sarah entra em uma vida que não é tão boa assim…

Em suas “férias”, Sarah se torna George, um designer de jogos dono de uma empresa multibilionária, mas que está trabalhando como uma espécie de “vigilante”, incessantemente caçando um homem que assassinou a sua esposa. Aqui, estamos em um cenário ao qual Sarah não está habituada, porque é mais parecido com a nossa realidade, sem aqueles imensos letreiros luminosos ou carros voadores, por exemplo, e é interessante como o episódio se aproveita justamente dessa “familiaridade” que imediatamente temos com essa realidade para confundir a nossa cabeça… conhecendo a obra de Philip K. Dick e suas temáticas recorrentes, não tardamos a perceber o que está acontecendo e o que nos espera: em breve, não saberemos mais o que é, de fato, real e o que é uma espécie de simulação projetada pelo subconsciente como “férias”.

O episódio faz isso com maestria, e cria um suspense interessante que me deixou angustiado e constantemente pausando o episódio para levantar teorias – mesmo que as respostas estivessem a apenas minutos de distância. Gostei muito da construção de ambos os mundos, de ambos os personagens, e como o episódio apresenta os elementos de maneira esperta, e coloca Sarah/George para questionar o que é real e o que é simulação, ao lado do espectador. Será que o que é real é o que fomos inicialmente apresentados como real mesmo, com uma policial futurística com um casamento feliz? Ou será que o que é real é o que inicialmente acreditamos ser uma simulação? Philip K. Dick não era muito adepto de conclusões fechadinhas: ele gostava de nos deixar confusos, nos perguntando o que é real e o que não é, com finais abertos para que interpretemos como quisermos…

Particularmente, adoro esse tipo de final.

A série, com “Real Life”, no entanto, não escolhe um final assim, e é bastante explícito em relação ao que é real e o que não é – mas sem deixar de ser surpreendente e entregar tudo de maneira brilhante. Durante uma parte do episódio, eu comecei a acreditar que George era a vida real, porque as coisas começaram a parecer “perfeitas demais” na realidade futurística de Sarah com Katie, além de que eles conseguiram capturar Colin, o homem responsável pelo massacre dos policiais, com certa “facilidade”, o que seria fácil de se acreditar ser uma ilusão… ao mesmo tempo, chegamos a essa conclusão tão cedo no episódio que eu tive certeza de que Sarah é quem era real – afinal de contas, uma série baseada em contos de Philip K. Dick não poderia ser tão óbvia assim, na metade do episódio… então, eu só queria ver como isso se desenrolaria.

George, eventualmente, acredita que o mundo real é o dele – afinal de contas, é muito mais fácil acreditar nisso. Ali, ele perdeu a esposa, que foi assassinada, e seria fácil de se convencer de que a outra realidade fora projetada: um mundo no qual Katie ainda está viva, com todas aquelas características de ficção científica que seria, talvez, o sonho de um homem como George… então, Sarah escolhe ficar lá, e nunca mais poderia voltar, de fato, para o mundo real. É uma conclusão profundamente melancólica e menos aberta do que eu gostaria, mas tem uma reflexão interessante em um diálogo, falando sobre os motivos pelos quais Sarah projetou esse mundo e por que escolheu acreditar que ele é real, o que tem a ver com aquela questão de “culpa do sobrevivente”, e, inconscientemente, ela tem o desejo de se punir por ter uma boa vida e ser feliz, quando seus colegas vítimas do massacre não puderam…

Um episódio poderoso e excelente.

 

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