Primeiro Capítulo de “A Favorita” (02 de Junho de 2008)

E aí… quem está dizendo a verdade?!

“A Favorita” é uma novela poderosa! João Emanuel Carneiro criou uma trama singular na qual, inicialmente, não se notava com clareza a presença da mocinha versus a vilã: quem estava dizendo a verdade, Flora ou Donatela? É muito diferente assistir ao primeiro capítulo agora, tendo acompanhado a novela fielmente em 2008 e sabendo qual é a virada que virá lá no Capítulo 56 e, confesso, parece que parte da magia desse capítulo se perde, porque lembro-me da sensação quase incômoda, mas nova e interessante, de não saber qual era a verdade, de ouvir a ambas as versões do assassinato de Marcelo, há 18 anos, e ficar intrigado pelo fato de as duas fazerem sentido e poderem ser verdade… até aquele momento, tanto Flora quanto Donatela podiam estar dizendo a verdade e tudo o que podíamos fazer era “escolher uma favorita”.

Elogio enormemente as atuações e o roteiro que tornaram essa novela única e, ainda hoje, lembrada com carinho como uma das melhores telenovelas da televisão brasileira (e mundial, convenhamos!). O texto de João Emanuel Carneiro é denso, trata de assuntos importantes enquanto subverte o que normalmente conhecemos, e é algo que ele vai fazer continuamente no mínimo até o Capítulo 56, porque ele brinca com o que sabemos de novelas e nos faz chegar a conclusões que, na maior parte das vezes, são errôneas… a ideia da novela é inovadora, e isso é o que mais me chama a atenção. Para que isso funcionasse, a Globo contratou duas atrizes de peso para os papeis principais, que se entregam a seus personagens da forma mais bela possível: Patricia Pillar é Flora, a mulher que foi condenada a 18 anos de prisão, e Cláudia Raia é Donatela, a mulher que garantiu que isso acontecesse.

Agora… a prisão foi justa ou não?

Essas dúvidas movimentam a trama, geram interesse e proporcionam algo que eu adoro: teorias. Teorias que, como disse, já não funcionam mais atualmente, porque sabemos a verdade, mas que eram uma delícia em 2008. O capítulo começa embalado pela trilha sonora marcante, enquanto Flora e Donatela acordam, em diferentes lugares, “no grande dia”: o dia em que Flora vai sair da cadeia depois de 18 anos presa. No passado, ela foi condenada pela morte de Marcelo, o marido de Donatela, com quem Flora teve uma filha, Lara. A primeira cena da novela tem tudo a ver com a abertura, e é inteligente ao mostrar a diferença entre o despertar de ambas… Donatela trabalhada na riqueza e ostentação, enquanto Flora acorda com simplicidade em seu último dia na prisão. Antes de sair, ela pega um disco da dupla e uma foto da filha, e então sai.

“Finalmente livre”.

Gosto de como o autor brinca com as possibilidades e com conclusões precipitadas que o público tira com base em outras novelas com as quais estão habituados… Flora tem um ar angelical, uma pose de mocinha injustiçada que merece ser feliz, que precisa provar sua inocência; Donatela, por sua vez, é intensa, e coloca um homem para seguir cada passo “daquela vagabunda”, alegando que ela é muito perigosa e vai tentar fazer mal a eles: “A desgraçada é muito mais esperta do que parece”. Donatela está tensa e enfurecida porque queria que Flora passasse o resto de sua vida presa, apodrecendo na cadeia… 18 anos não foram o suficiente depois de ela ter matado o seu marido, ela gastou muito dinheiro para contratas os melhores advogados e garantir que Flora nunca sairia da cadeia, mas agora ela está ali, livre… e ela tem certeza de que ainda vai causar muito mal.

Em parte, Donatela teme pela filha – afinal de contas, ela criou a filha de Flora com Marcelo como se fosse sua: “A Lara é minha filha. Aquela mulher só fez parir”. Lara, interpretada pela Mariana Ximenes, é outro nome do elenco que brilha. A conhecemos como uma jovem pouco preocupada com regras que está fugindo da faculdade pela janela do banheiro (!) para poder se encontrar com o namorado, Cassiano, um filho de operário – relacionamento que não é muito bem aceito pela sua família. Gosto bastante da atitude intensa de Lara nesse primeiro capítulo, e de como ela traz à tona discussões a respeito da divisão de classes… vai ser muito interessante acompanhar toda essa coisa de esquerda versus direita, greve, pessoal exigindo seus direitos dos almofadinhas de direita… e é claro que Lara é neta de um lado da briga enquanto Cassiano é neto do outro lado.

Melhor estilo “West Side Story”. Mas com um tom de comédia…

Aquela briga dos velhos na frente da fábrica foi um dos momentos mais divertidos do primeiro capítulo. Tarcísio Meira BRILHOU como Frederico Copola.

Em paralelo, acompanhamos algumas outras tramas que ainda estão se apresentando… vemos Alícia (interpretada por Taís Araújo), por exemplo, a filha de um deputado estadual que não quer apoiá-la financeiramente em uma exposição que ela quer fazer, então ela ameaça o pai, diz que “ele sabe do que ela é capaz” – e ela é. A personagem chega arrasando e chamando atenção quando liga para Zé Bob (Carmo Dalla Vechhia) para sugerir que ele vá ao comício do seu pai, porque “ele não vai se arrepender”. Então, enquanto o deputado está fazendo um discurso irritante típico de político, Alícia aparece no meio da multidão, tira toda sua roupa e desfila, bela e plena, completamente nua, no meio das pessoas, antes de pular no rio… é claro que o comício já era depois disso, as atenções estão todas voltadas para o “escândalo”, e o sorriso de Zé Bob fotografando é um máximo…

Eu também adoro um deboche.

É nesse comício que Flora desce do ônibus, e é ali que ela se esquiva de Durval, o homem que Donatela colocou para segui-la – não é tão difícil de fazê-lo, no meio da multidão, mas Flora precisa ser astuta para perceber que está sendo seguida e manter-se escondida sem levantar suspeitas… a cena é ótima, e logo que Durval a perde de vista e conversa com Donatela pelo telefone, Flora escuta a toda a conversa, escondida… ela é boa em se esconder. E, quando ela está indo embora, ela quase é atropelada por Zé Bob, e é aquele típico primeiro encontro e primeiro olhar que acontece em primeiros capítulos de novela – sabe, quando o casal protagonista se olha pela primeira vez, a cena parece em câmera lenta e a trilha sonora enche os nossos ouvidos? Devo dizer que eles formam um casal muito bonito, os dois são lindos, afinal de contas!

Zé Bob acaba lhe oferecendo uma carona, que ela aceita meio relutantemente, mas é sua única chance de fugir de Durval rapidamente, e, como jornalista, ele passa o tempo todo tentando lhe arrancar alguma coisa, o que deixa a Flora bem incomodada, dizendo que “ele faz muita pergunta”. “Eu aposto que você tem uma bela história para contar. Eu aposto que a sua vida daria uma bela matéria de jornal”. Incomodada com os comentários, Flora acaba descendo do carro antes da hora, dizendo que vai ficar por ali mesmo – Zé Bob é bastante convencido, diz que ele sempre consegue “fazer as pessoas falarem”, é seu dom, mas Flora não vai cair em seu joguinho: “Ao contrário de todo mundo, você não vai conseguir arrancar nada de mim”, ela garante, e ele responde da melhor maneira possível, com um sorriso sedutor: “Nem seu telefone?”

Carmo estava lindo nessa novela!

Enquanto isso, Donatela está furiosa… ela não sabe onde Flora nem Lara estão, e aqui temos um diálogo expositivo da versão de Donatela da história. Ela diz que Flora sempre quis o que é seu, como o seu marido, e até engravidou dele, mas ela reforça que Lara é SUA filha, e não de Flora, e que foi ela que “salvou a sua vida”: “Ela me salvou. E eu a salvei da mãe assassina. E eu não vou deixar que aquela víbora se aproxime da minha filha”. Gosto de como o roteiro inteligentemente questiona a versão de Donatela desde o início, porque seu “medo” se torna quase uma obsessão, uma paranoia, e as pessoas ao seu redor chegam a perguntar do que ela tem tanto medo, afinal, e Donatela explica dizendo que Flora matou o seu marido no passado, e o fez para incriminá-la… ela planejou tudo, de forma inteligente, para condenar Donatela, mas acabou sendo pega no flagra.

“Donatela teve sorte”.

Lara chega em casa justamente quando Donatela está dizendo que ela tem que ir embora para outro país agora mesmo, e ela pergunta se ninguém quer saber a sua opinião sobre o que fazer da sua vida. “E se minha mãe biológica me procurar, qual é o problema? Eu sei me defender!” Donatela insiste que Flora é um monstro, que eles precisam acreditar nela, e é interessante como as coisas vão ficando cada vez mais questionáveis… Lara nos ajuda a perceber que parece que Donatela está fazendo drama, bancando a vítima, chorando sem necessidade, tudo para jogar Lara contra Flora… com medo, Donatela conversa com a filha, pergunta se foi uma boa mãe e se ela a ama, e as duas compartilham um momento muito intenso (as duas arrasam!), que vai do tenso ao emotivo e de volta ao tenso, quando elas acabam brigando por causa do marido de Donatela e o namorado de Lara…

Por fim, Donatela pede que Lara prometa que “não vai deixar Flora se aproximar”, e a sua escolha de palavras parece depor contra ela, porque ela diz que Flora “vai falar um monte de mentira e envenená-la contra ela”, o que é muito suspeito, na verdade… em paralelo, uma cena dos avôs de Lara também coloca em dúvida o que é real e o que não é… a Dona Irene não consegue confiar 100% em Donatela, mesmo depois de todos esses anos… segundo ela, Donatela tem vários motivos para odiar a Lara (ela é fruto do adultério que causou a morte do seu marido, e filha da mulher que o matou), e ela tampouco tem certeza de que a história dela é totalmente verdadeiro, porque, como ela diz, “a Flora que ela conheceu não é essa mulher ambiciosa da história de Donatela”. Preciso dizer mais uma vez: essas partes eram tão mais legal quando não sabíamos a resposta do enigma!

Qualquer uma podia estar dizendo a verdade!

E é porque Dona Irene já tem suas próprias dúvidas que a sua cena com Flora fica ainda mais interessante… Flora a procura (“Eu só peço que a senhora me escute por 5 minutos”), e Dona Irene está assustada, insegura, agitada e diz que não quer falar com ela… afinal de contas, ela matou o seu filho! Mas Flora jura que não o matou (“Não foi isso que ficou provado no tribunal!”, Irene rebate), e então chegou a hora de conhecer a versão da Flora dos acontecimentos, e eu ADORO a jogada de João Emanuel Carneiro, porque ele brinca com elementos da telenovela clássica – estamos habituados a ver mocinhas sendo injustiçadas, e não acreditamos que, no início da novela, alguém mau vai ter pago por seus crimes, portanto assumimos, simplesmente, que Flora é a mocinha que foi presa injustamente e que agora tem que provar que estava dizendo a verdade…

E é muito fácil acreditar nela. Flora é convincente, e Donatela não parece muito confiável… ela mesma falou de todo o dinheiro que gastou com os melhores advogados para colocar a Flora na cadeia, era muito fácil de ter comprado tudo. Flora garante a Dona Irene que foi Donatela quem matou o Marcelo e que o julgamento foi manipulado por ela… Donatela a acusa de ter matado Marcelo por dinheiro, porque ela era sua amante e ele ameaçara se separar dela, então ela não teria direito a mais nada, mas quem contou essa história foi Donatela… e, bem, Donatela estava envolvida demais nisso tudo para ser um narrador confiável. E se ela realmente fosse a assassina, ela estava jogando isso para a Flora. Flora diz que Donatela comprou a testemunha principal porque descobrira que Marcelo ia se separar dela e os dois iam criar a filha que ela estava esperando…

Flora diz que “foi vítima de um plano minuciosamente arquitetado e muito bem-sucedido”.

FLORA É CONVINCENTE DEMAIS, E SUA HISTÓRIA BATE PERFEITAMENTE – o que é um êxito do autor, de fazer ambas as histórias baterem – quem tem que decidir em que acredita somos nós. Quem é a nossa favorita? “Eu sou inocente, Dona Irene. A senhora precisa acreditar em mim”. Tudo isso é muito mais efetivo porque, como eu disse, Irene já tinha suas próprias dúvidas, então não é difícil, para Flora, entrar na sua cabeça… Flora fala sobre provar sua inocência, sobre mostrar para o mundo “quem é aquela víbora”. Donatela lhe tirou tudo, especialmente sua filha, e tudo o que ela quer é vê-la novamente. Então, Flora deixa com Irene um telefone, caso ela queira falar com ela, e embora Irene se faça de dura e diga que não vai ligar, a verdade é que ela está mexida… Flora sabia exatamente quem procurar. Destaque, também, para a cena em que Lara pergunta à avó o que ela acha que ela deve fazer se a mãe biológica vier atrás dela.

Wow.

Depois de falar com Dona Irene, Flora vai atrás do pai, Pedro, na Praça da Sé, e é um encontro bastante interessante, porque percebemos a atitude de Pedro, que não acredita na inocência da filha. Flora faz um esforço danado para que ele acredite nela, mas tudo o que ele diz é que não quer falar sobre o passado, que quer “virar a página”, que todos já sofreram muito com isso… Pedro pede que Flora olhe para o futuro, porque tem uma vida toda pela frente, e precisa aceitar que já perdeu essa filha, a Lara. Flora diz que não: vai ter a sua filha de volta, vai tirá-la de Donatela. “Me perdoa, pai. Posso continuar te procurando?” Pedro não se mostra muito empolgado em voltar a vê-la, diz que “vão dar tempo ao tempo”, e o negócio todo é bastante pesado, na verdade! (Senti mais em 2008 do que agora, que já tenho todas as cartas na mesa). Flora vai embora dizendo “adeus”, e Pedro liga para alguém, possivelmente a Donatela, para dizer que Flora esteve ali e deixou um bilhete com o endereço em que está morando

Então, o fim do capítulo traz um momento AGUARDADÍSSIMO, e é um maravilhoso gancho para o segundo: Flora está na rua, com uma sacola de compras, indo para casa, à noite, quando Donatela chama seu nome… chegou a hora do “reencontro” das duas, 18 anos depois… E A TENSÃO É PALPÁVEL. Que roteiro, que atuações, que novela!

<3

 

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