Sandman, Volume 4 – Estação das Brumas: Capítulos 1 e 2

“Bem-vindo ao Inferno”

Morfeus dos Perpétuos, o Senhor dos Sonhos, está tentando corrigir um erro do passado… cometido há muito e muito tempo, quando tudo, inclusive ele, era diferente do que é hoje. Ele se apaixonara por uma moça mortal e, quando o relacionamento deles não deu certo, a condenara aos domínios de Lúcifer, para ser torturada durante 10 mil anos… agora, depois das provocações de Desejo e de uma conversa com Morte em uma reunião convocada por Destino com os Perpétuos na sua galeria, Sonho se prepara para uma jornada perigosa da qual ele não sabe se conseguirá retornar, ou se encontrará com sua irmã mais velha, a Morte, por uma última vez. Mas a missão do Senhor dos Sonhos não será tão simples como ele imagina: não é apenas encontrar Nada no Inferno, dizer que ela está perdoada e a liberar de seu sofrimento – Lúcifer garante que não será tão fácil.

E de uma maneira completamente diferente da que Sonho imaginara.

Novamente, Neil Gaiman nos fascina com sua maneira de contas história, e nos surpreende com algumas reflexões quase inesperadas – em uma conversa bastante profunda e filosófica do Senhor dos Sonhos com Lúcifer Estrela da Manhã, o Senhor do Inferno, por exemplo. “Estação das Brumas”, o quarto volume de “Sandman”, tem uma sinopse muito “simples”, e um desenvolvimento de cair o queixo, especialmente quando começamos a perceber que a história tem muitos mais elementos do que imaginamos…

 

“No qual o Senhor dos Sonhos cuida dos preparativos para visitar os domínios infernais; fazem-se as despedidas; ergue-se um brinde; e, no Inferno, o Adversário cuida de seus próprios preparativos”

 

O Capítulo 1 (ou “Episódio 1”) começa em um dos meus cenários favoritos de “Sandman”: O SONHAR. O Sonhar é um lugar impossível, infinito e impressionante, um lugar no qual encontramos, por exemplo, uma fascinante biblioteca, sob os cuidados de Lucien, com livros que trazem todas as histórias que já foram sonhadas. Não livros comuns como aqueles que se encontram na Terra… ah não, livros que os seus autores jamais escreveram ou que jamais terminaram, a não ser em seus sonhos. Livros como “A viagem de Alice para trás da Lua”, de Lewis Carroll, “A Estrada Perdida” de J.R.R. Tolkien, e “A Consciência de Sherlock Holmes”, de Arthur Conan Doyle. Neil Gaiman tem um conceito muito claro a respeito do Sonhar, e ele evoca essa característica de sonho, como deveria, ao mesmo tempo em que nos provoca, porque sempre queremos mais.

Morfeus, então, convoca uma espécie de audiência com todos aqueles que vivem no Sonhar, para contar que está saindo em uma missão da qual teme não poder voltar – mas quer deixá-los avisados para que não se preocupem, e quer deixar instruções para, caso não retorne mesmo, o Sonhar não se torne ruínas, como aconteceu da última vez em que ele se ausentou… Sonho compartilha com seus companheiros sua história com Nada, e como percebe, agora, que cometeu um erro, e como precisa arrumá-lo indo até ela e dizendo que a perdoa, para que ela esteja livre, mas como ir até o Inferno não é seguro, nesse momento, porque Lúcifer o detesta depois de ele tê-lo humilhado quando desceu ao Inferno em busca de seu elmo, lá no Volume 1 de “Sandman”. Ainda assim, ele não vai deixar de fazer o que precisa ser feito só porque não é fácil.

Sonho faz suas despedidas (Hipólita Hall, Hob Gadling…), envia Caim para avisar Lúcifer de sua chegada, e parte…

 

“No qual o Senhor dos Sonhos retorna ao Inferno; acontece o confronto com o senhor desse Reino; um número de portas é fechado pela última vez; e há o estranho aparecimento de uma faca e uma chave”

 

O Capítulo 2 (ou “Episódio 2”) de “Estação das Brumas” já começa com o Senhor dos Sonhos chegando a um novo domínio: o Inferno. Ansioso e temeroso pelo que vai encontrar, Devaneio se surpreende ao encontrar os Portões do Inferno abertos, talvez esperando pela sua chegada, e mais ainda por perceber que o caminho até a cela na qual Nada deve estar aprisionada está estranhamente tranquilo, sem empecilhos… eventualmente, então, Sonho percebe que o Inferno parece “vazio”, e isso se concretiza quando ele encontra Lúcifer Estrela da Manhã, que parece ocupado com os preparativos de algo e em se certificar de que seus domínios, o Inferno, estejam de fato e por completo vazios. Para isso, ele precisa expulsar as últimas criaturas que não atenderam às suas ordens quando ele as dera pela primeira vez: todos devem deixar o Inferno para trás.

Depois de 10 bilhões de anos desde que se rebelara e fora o primeiro a cair naqueles domínios, Lúcifer está “de partida”. Ele acabou de “se demitir” e está “fechando o Inferno”. A sequência quase bizarra assume o costumeiro tom poético, melancólico, inteligente e reflexivo que Neil Gaiman confere à sua obra, e o suposto “confronto” de Sonho e Lúcifer acaba sendo uma conversa bastante sincera e cheia de alfinetadas simbólicas e astutas às pessoas que culpam o “demônio” pelas coisas ruins que fazem, quando na verdade são senhoras de suas ações… interessante o conceito de como as pessoas escolhem/querem ir ao Inferno e escolhem suas punições, porque querem ser punidas por não terem sido o que consideram “boas” em vida. É um conceito muito bem explorado em um quase monólogo surpreendentemente tocante do Senhor do Inferno.

E isso altera os rumos da missão do Senhor dos Sonhos de uma maneira que ele não podia imaginar até então… ele não encontrou Nada, no fim das contas, e não há nada que Lúcifer possa fazer para auxiliá-lo. Nada estará vagando por algum lugar – talvez Sonho venha a encontrá-la, talvez não. Também não sabemos bem o que acontecerá no mundo com o fechamento do Inferno, como as pessoas na Terra reagirão quando os mortos começarem a retornar, e qual participação Sonho/Devaneio terá nisso tudo. Afinal de contas, Lúcifer lhe deixa dois “presentes de despedida”: o primeiro deles é uma faca, que ele lhe entrega para que Sonho lhe corte as suas asas antes de ele partir; o segundo é uma chave, a chave do Inferno, um reino agora vazio e trancado, do qual Morfeus também se tornara Senhor, além do Sonhar… que rumos “Estação das Brumas” tomará?

 

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