Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022)

“Of all the places I could be, I just want to be here with you”

Com um quê de ficção científica, ação e comédia, que me fizeram pensar em outros filmes de diferentes gêneros que eu adoro, como “Matrix” e “O Máskara”, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” é um FENÔMENO – uma experiência única e surpreendente que faz jus ao seu título e nos proporciona uma das histórias mais inusitadas, absurdas, hilárias, inteligentes e emocionantes do cinema… tudo ao mesmo tempo. Escrito e dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, e protagonizado por Michelle Yeoh, Ke Huy Quan e Stephanie Hsu, nos papeis de Evelyn, Waymond e Joy/Jobu Tupaki, respectivamente, o filme é considerado uma aclamação mundial, tendo conquistado o merecido sucesso da crítica (o filme conta atualmente com 95% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes) e do público desde o seu lançamento, em março de 2022.

O filme começa nos apresentando à Evelyn e à sua família – e eu me apaixonei depressa por todos aqueles personagens porque eles esbanjavam carisma (sério, eu achei o Waymond tão fofo que eu não estava preparado para a surpresa da sua “transformação” com a chegada do Alpha Waymond, e olha… eu me apaixonei duas vezes, hein?), e nada me preparou para a grande reviravolta quando eles vão a uma reunião sobre a declaração de seus impostos. Evelyn leva uma vida parcialmente infeliz, porque não conseguiu viver nenhum dos seus sonhos, precisa cuidar de uma lavanderia da qual não gosta muito, está responsável pelo pai, tem uma relação não muito boa com a filha e o casamento também não vai às mil maravilhas, tanto que Waymond está pensando em pedir divórcio… isso sem contar, é claro, Deirdre e o imposto de renda!

Então, as coisas começam a ficar estranhas durante uma reunião com Deirdre – um pouco antes disso, na verdade, quando Waymond começa a agir de maneira estranha no elevador (excelente atuação de Ke Huy Quan, por sinal, porque ele realmente parecia duas pessoas completamente diferentes!), coloca algo em seu ouvido e lhe entrega um papel com instruções que, por um motivo ou por outro, ela resolve seguir… assim, quando Evelyn coloca os sapatos nos pés errados, fecha os olhos e se imagina no armário de limpeza e toca a luz verde que acende no aparelho que o “outro” Waymond colocou em seu ouvido, ela é realmente transportada para o armário de limpeza – ou uma versão dele, em um “universo de comunicação” ou algo assim. Uma versão dela, em “piloto automático”, continua sentada na frente de Deirdre, sem prestar atenção em nada.

Adoro a teoria do Multiverso – e, sendo um tema muito em voga nos últimos anos, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” ainda consegue ter sua própria identidade ao tratá-lo, e dar a ele uma visão inusitada, divertida e gostosa de se acompanhar… esse outro Waymond, que é muito mais intenso e assertivo do que o seu Waymond fofo e gentil, explica para Evelyn sobre como o universo se fragmenta em diferentes realidades cada vez que tomamos uma decisão, por menor que ela seja, e nos mostra um mapa, desenhado no Alphaverse, que mostra o universo em que estamos, aqueles ao redor, que são os mais próximos e com diferenças pequenas da realidade em que vivemos e, quanto mais longe no mapa, mais distantes da realidade atual. É uma teoria fascinante e eu sempre fico muito pensativo e encantado quando falamos sobre isso!

E o filme permite saltar entre universos! Permite acessar conhecimentos! É INCRÍVEL!

Tudo bem que é muita responsabilidade colocada sobre os ombros de Evelyn Quan Wang e tudo o mais… mas eu juro que eu queria muito estar no seu lugar! Ao mesmo tempo, acredito que ter conhecimento de “outras” vidas que “outras versões” de você mesmo podem viver por decisões diferentes que tomaram às vezes há muitos anos, é tentador e potencialmente perturbador – será que um dia estaríamos felizes com a realidade em que vivemos se pudéssemos ter acesso a outras possibilidades? Possibilidades que por muitas vezes parecerão melhores do que aquela na qual estamos inseridos? Então, Evelyn é forçada a “aceitar” a missão que é colocada sobre as suas costas, enquanto “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” é, principalmente, um filme sobre amadurecimento e uma jornada pessoal na qual Evelyn precisa encontrar a felicidade onde está.

Mas não se deixe enganar… o filme não é tão sério quanto parece – e essa é certamente um dos seus pontos mais impressionantes! “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” tem uma história profunda que se dispõe a desenvolver e o faz com maestria, mas também o faz com um bom-humor escrachado que parece não se levar a sério, entregando sequências brilhantes e até chocantes de ação – como toda a sequência na qual a “grande vilã do filme” (na verdade, é muito mais complexo do que isso, mas falarei disso em breve) faz a sua primeira aparição, e o fato de ela poder acessar conhecimentos e habilidades de qualquer realidade, e como aquilo é um primor da comédia non-sense com direito à Jobu Tupaki entrando vestida de Elvis Presley com um porquinho na coleira e terminar lutando com dois consolos gigantes… é uma das cenas mais absurdas que eu já vi…

E, consequentemente, uma das cenas MAIS HILÁRIAS.

Adoro o fato de o filme ser uma comédia, mas de como brinca com gêneros com maestria. A apresentação desse universo a Evelyn, o acesso a diferentes realidades e habilidades, e o fato de ela ser “a escolhida” para destruir alguém que ameaça todas as realidades me faz pensar muito em Neo, em “The Matrix”, por exemplo – até porque é a jornada do herói clássica. O momento em que Evelyn descobre quem é a Jobu Tupaki (a piada recorrente da Evelyn errando o nome da personagem, que chega a ser chamada de “Juju Chewbacca” é excelente), e que ela é a Joy, sua filha, por outro lado, entrega a já mencionada sequência maluca da introdução oficial de Jobu Tupaki, e é uma sequência brilhante que me fez pensar em “O Máskara” e, quem sabe, até um pouco em “Kung Pow” (sim, eu assisti “Kung Pow”). Assisti à cena completamente incrédulo e me divertindo horrores.

Por isso e por muito mais, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” é uma experiência fascinante e única. É divertido, é inesperado, é inteligente e acaba sendo até emocionante. Certamente, um filme inspirado. Evelyn descobre que Jobu Tupaki, a pessoa que está ameaçando acabar com todas as realidades (fazendo com que elas sejam devoradas por uma rosquinha ou algo assim), é a filha da Alpha-Evelyn, que foi cobaia de experimentos da mãe até que sua mente se fragmentasse tanto que as barreiras entre as realidades do multiverso e das versões de Joy/Jobu deixassem de existir… agora, ela é quase imparável, capaz de qualquer coisa, e Evelyn percebe que talvez a única maneira de detê-la e, consequentemente, salvar a “sua” Joy, da sua realidade, é se tornando como ela… é expandindo a sua mente como a de Jobu Tupaki.

E é o que Evelyn faz – e é uma excelente representação da ideia de tudo em todo o lugar ao mesmo tempo. Gosto muito de ver Evelyn entrando em contado com as outras Evelyns, de como algumas transições e paralelos me fizeram pensar em “Sense8” (inclusive, uma das melhores séries que já vi na vida), e de como vemos uma Evelyn que nunca se casou com Waymond e se tornou uma cantora de sucesso, uma Evelyn que é uma chef de cozinha que acaba de desmascarar Chad (Harry Shum Jr. sempre lindíssimo) e o Raccacoonie (excelente piada, por sinal!), uma Evelyn casada com uma versão de Deirdre em uma realidade na qual as pessoas têm dedos em formato e consistência de salsichas (?), uma Evelyn que é uma pedra num universo que não permitiu o surgimento de vida, uma Evelyn que é uma piñata (!), e uma série de outras Evelyns…

O filme não cansa de me surpreender. E de me fascinar.

Também é importante falar sobre a maneira como os saltos entre universos são realizados, e como, para acessar uma outra realidade sua à qual você quer se conectar, é preciso seguir instruções de um algoritmo fazendo coisas bizarras e aleatórias – quanto mais sem sentido, melhor. É por isso que, na primeira vez, Evelyn trocou os pés do sapato, ou vimos Waymond mastigar um batom (a cena da pochete é EXCELENTE!), mas essa é uma piada que também proporciona alguns dos momentos mais divertidos do filme e uma das sequências de ação mais competentes e hilárias do cinema, quando ela está lutando no escritório e Waymond e Joy, os daquela realidade, estão assistindo admirados e tentando entender um pouco de toda a loucura que está acontecendo… tudo para impedir que Jobu Tupaki acabe com o multiverso, enquanto pessoas perseguem Evelyn com medo de ela se tornar a próxima Jobu Tupaki.

A sequência final é surpreendentemente emocionante e tem muito mais a ver com a relação familiar dos personagens do que com qualquer outra coisa – e é excelente a maneira como a “mesma” história é contada ao mesmo tempo em diferentes lugares e realidades, algumas mais “normais”, como aquela da festa de ano novo na lavanderia, outras mais bizarras, como aquela em que Joy e Evelyn são pedras ou aquela em que a rosquinha está consumindo o mundo e Evelyn precisa atravessar um monte de gente para chegar até a filha e impedir que ela vá… é sobre segurar a filha e impedi-la, mas também é sobre deixar que ela vá e siga seu caminho, um paradoxo interessante que culmina em uma conclusão bonita na qual ambas entendem o que precisam fazer… que é soltar e segurar ao mesmo tempo, que é deixar que vá, mas, em parte, ir/estar junto.

A conversa das duas no estacionamento é um dos momentos mais lindos e fortes do filme.

Evelyn sabe exatamente onde quer estar. Sabe o que quer fazer. Sabe quem quer e pode ser.

No fim, Evelyn acaba de volta em sua realidade – mas toda a experiência tornou aquela uma realidade muito melhor do que ela jamais poderia esperar. A maneira como Becky, a namorada da filha, é finalmente acolhida, e como isso é parte do que reestabelece uma boa relação de Evelyn e Joy, ou como Evelyn se redescobre completamente apaixonada por Waymond, e como percebe que é possível ser feliz ali, mesmo que fosse um lugar sobre o qual ela tinha tantas reclamações no início do filme… suas outras versões pelo multiverso também estão encontrando a felicidade, e achei muito bonitinho ver a Evelyn que se tornou mestre do kung-fu e uma atriz de cinema famosa querendo dar uma chance àquele Waymond de terno que foi à estreia com ela… há tanto a se dizer sobre “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”, e parece que nada será o suficiente.

De todo modo, é um filme EXCELENTE em tudo o que se propõe… e se propõe a muita coisa, é verdade. Se propõe a ser uma comédia divertida e escrachada, e consegue; se propõe a ser uma ficção científica sobre o multiverso, e consegue; se propõe a ser um filme de ação, e tem excelentes sequências do gênero; se propõe a ser quase uma paródia aos filmes de herói, e também consegue. Com temática inusitada, um roteiro inesperado e cheio de surpresas, direção competente, atuações talentosas, é muito fácil de se entender por que “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” se tornou um dos filmes mais queridos do ano: ele não é só criativo, original e inspirado… ele também é corajoso e se joga no absurdo sem medo para contar sua história de uma maneira diferente. Terminei o filme com a sensação de ter vivido uma experiência única – e de fato a vivi.

 

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