Matilda: O Musical (Roald Dahl’s Matilda: The Musical, 2022)
“We are
revolting children, living in revolting times”
QUE FILME!
Eu não tinha noção de que o meu amor por “Matilda”
podia continuar crescendo, mas parece que sim: que adaptação perfeita de uma
história que eu amo há tantos anos! Ao falar sobre o novo filme da Netflix, é
sempre importante lembrar que ele não é
um remake do adorado filme de 1996 com Mara Wilson (filme que eu amo de
todo o coração), mas, sim, uma adaptação do musical de palco que estreou em
2010 e, por sua vez, é uma nova adaptação do livro original de Roald Dahl,
publicado em 1988. Em “Matilda: O
Musical”, vemos uma adaptação sendo feita com tanto cuidado e com tão
visível amor pelo material original
que eu não sei se alguma vez vi um musical de palco sendo adaptado de maneira
tão exemplar! E esse carinho e esse respeito fazem toda a diferença. Assisti ao
filme inteiro com um sorriso no rosto e com lágrimas nos olhos.
“Matilda” é a história de uma garotinha
inteligente e decidida, mas que não é reconhecida como um “milagre” pelos pais,
que na verdade nunca quiseram ter uma
filha… sua vida começa a mudar, então, quando ela vai para o que parece ser
a pior escola do mundo, graças à
severa Diretora Trunchbull, mas também é um lugar especial onde ela faz amigos
fora das páginas dos livros pela primeira vez, e conhece a Srta. Honey, a
melhor professora que qualquer criança poderia ter… o filme brinca continuamente
com o humor e uma estética colorida e aparentemente exagerada, mostrando uma habilidade impressionante em não esconder toda a melancolia que
existe na história. Há muita beleza, portanto, na maneira como a história é
contada: é um conto sobre abandono, sobre maus-tratos, sobre esperança, sobre
revolução e, acima de tudo, sobre amor e amizade.
E eu adoro o
fato de o filme ser um musical, com todas as minhas músicas favoritas da versão
da Broadway sendo incorporadas à história com tamanha maestria que fazem nossos olhos brilharem. Com música
de Tim Minchin, ganhamos um verdadeiro espetáculo musicalmente impactante e com
coreografias intensas e perfeitamente executadas por crianças talentosas, e
tudo isso ajuda a intensificar os
sentimentos trazidos pela narrativa. A música de uma obra musical está ali justamente para que sintamos ainda mais claramente o que é necessário sentir: é assim
que “Quiet” parece um reduto dentro
da mente de Matilda, “When I Grow Up”
transmite toda a ideia da inocência infantil e de expectativas de uma maneira
melancólica para nós adultos, e, é claro, “Revolting
Children” é a representação daquele sentimento de catarse no qual tudo é
posto para fora.
O elenco,
que abraça a difícil missão de dar vida a personagens que, embora não tenham se originado no filme de 1996, foram
popularizados por ele, entrega atuações não apenas talentosas e competentes,
mas tocantes. Alisha Weir é uma Matilda Wormwood carismática, doce, mas com um
quê de esperteza que a torna travessa
e sem esconder todo o sofrimento que é impossível não sentir na casa onde ela
foi criada. Lashana Lynch, por sua vez, dá vida a uma Srta. Honey perfeitamente
adorável, que transmite no olhar toda a paixão pelo que faz, bem como a dor de
tudo o que sofreu e enterrou dentro de si… uma personagem complexa e com uma
carga dramática pesada. Emma Thompson, por fim, é uma Srta. Trunchbull cruel,
maldosa e amargurada, tão assustadora e revoltante quanto qualquer versão dessa
personagem deve ser.
Apesar de
por vezes o filme ser colorido como um
conto de fadas, não há suavização na dor infligida a Matilda pela mãe que
nunca quis um bebê ou o pai que passou a vida toda a chamando de “menino”
porque queria um filho e não uma filha, e temos uma série de cenas que são
angustiantes de se assistir, como quando o pai de Matilda destrói um livro na
frente dela ou quando ele está nervoso e grita com ela e a joga violentamente
dentro do quarto – e é interessante como o filme apresenta “Naughty” em mais de uma ocasião, com a mesma mensagem, mas com
tons diferentes… adoro a letra da música, sobre como não é porque estamos em
nossa história que precisamos aceitar que o fim já está escrito, e que se
fizermos isso, nada nunca vai mudar,
porque se alguma coisa está errada, nós mesmos é que precisamos consertá-la.
E é o que Matilda faz.
A ideia da
“genialidade” de Matilda (adoro a cena das contas de matemática que ela
encontra no quadro da Srta. Honey ou da lista de livros que ela diz ter lido
naquela semana, que incluem “O Senhor dos
Anéis” e “Ratos e Homens”) é de
que a sua mente se tornou um refúgio,
bem como os livros que ela pode ler na biblioteca ambulante da Sra. Phelps,
onde ela encontra histórias e mundos nos quais pode se esconder – e o faz. E talvez ela esteja tão habituada a
“lidar” com os maus-tratos e os descasos em casa, ou talvez ela tenha a
mensagem de “Naughty” tanto como lema de sua vida, que ela não tem o
mesmo medo que os demais alunos têm da Srta. Trunchbull, enquanto todos tentam
alertá-la sobre como aquele lugar é uma
prisão. Ela sabe que se ela mesma não fizer o que é certo, então ninguém
mais poderá fazer isso por ela… certo?
É hora de ser “travessa”.
“Matilda: O Musical” traz releituras de
todas as cenas mais clássicas do filme de 1996, para aqueles que só conhecem a
história a partir da primeira adaptação: temos a Srta. Trunchbull arremessando
uma garota pelos portões da escola através das tranças, como costumava fazer
com martelos na época em que era uma atleta olímpica; temos a salamandra dentro
do copo d’água, que é um momento importante na descoberta de Matilda sobre como
usar os seus poderes de telecinese; e, é claro, a cena do bolo de chocolate,
que Bruce é obrigado a comer como castigo
por ter comido o bolo da diretora sem autorização (destaque para como a música,
aqui, permite que todos torçam por Bruce,
e ainda temos uma referência muito bacana à TARDIS, de “Doctor Who”, que “é maior do lado de dentro”). Todas cenas que
continuam funcionando muito bem!
A relação de
Matilda e da Srta. Honey é desenvolvida aos poucos, e nasce de uma espécie de identificação que, na verdade, nenhuma
das duas realmente entende inicialmente – mas algo as conecta de uma maneira
tão especial e tão inegável que elas se tornam grandes amigas sem nem mesmo perceber. Amo o primeiro abraço das
duas, amo a Srta. Honey vibrando com a aparente vitória de Bruce sobre
Trunchbull, e amo toda a sequência de “When
I Grow Up”, que sempre foi a minha
música favorita no musical. A letra da música traz as crianças fazendo
projeções sobre o que vão fazer “quando crescerem”, e é uma visão tão sonhadora
e tão ingênua do que é “ser adulto”, mas ao mesmo tempo tão pura e tão bela, e
a música, com as exatas mesmas palavras, ganha um significado totalmente
diferente e impactante quando cantada pela Srta. Honey…
Afinal de contas, ela “já cresceu”.
É uma música
lindíssima… mas melancólica.
É necessário
falar a respeito da proximidade e da amizade de Matilda com a Sra. Phelps, a
dona da biblioteca ambulante que ela frequenta, e como é mágico ver a mente de Matilda funcionando enquanto ela conta a
história do escapólogo e da acrobata – e “Matilda:
O Musical” traz isso em construções visuais lindíssimas. Também é
surpreendente e triste como a história se torna cada vez mais sombria, e como isso combina com as
demais cenas do filme, seja pelo sofrimento imposto pela diretora aos alunos na
escola ou por aquele imposto pelos pais a Matilda na própria casa… a cena da
briga do pai que culmina na Matilda continuando
a história sozinha em seu quarto, sem nem se levantar do chão, enquanto a
trama do escapólogo e da acrobata chega ao seu momento mais triste é uma sequência brilhante e atormentadora. Aquilo dói de verdade.
E, é claro,
toda a construção da história do escapólogo e da acrobata, da filha deles e da
meia-irmã cruel e vingativa, que é dissolvida durante todo o filme conforme os
dias passam e a história “vai se formando na mente de Matilda”, nos conduz a um
dos momentos mais emocionantes do
filme, quando Matilda visita a casa onde a Srta. Honey mora pela primeira vez e
Matilda é envolvida pela echarpe branca de sua história – e, durante uma canção
chamada “My House”, nós entendemos,
ao mesmo tempo em que a própria Matilda entende, que a história que ela vinha
contando à Sra. Phelps é, na verdade, a história da própria Srta. Honey, e por
isso ela “chegava pronta em sua cabeça”… e, então, assistimos enquanto a cena
mais triste da história é refeita, dessa vez com a Srta. Honey como a filha do
escapólogo. Que momento poderoso do
filme!
“Matilda: O Musical” é, portanto, não
apenas a história de Matilda Wormwood, mas também a história de Jenny Honey…
uma história sobre perdas, sobre injustiças, sobre maus-tratos, sobre infâncias roubadas, e sobre como o
encontro entre elas muda a vida de ambas – é Matilda quem ensina à professora
sobre como ela precisa fazer algo, é Matilda
quem ensina a escola a dizer “não” para a Srta. Trunchbull, e é Matilda quem
lidera uma verdadeira REVOLUÇÃO brilhante na escola, com a ajuda dos colegas,
que também só foram mudados graças a ela… Matilda os ensinou a ser corajosos, a
tomar a posse da caneta que escreve suas próprias histórias. Amo como aqui,
assim como no livro de Roald Dahl, a telecinese serve unicamente ao propósito
de assustar a Srta. Trunchbull e a
expulsá-la de uma vez por todas da escola e da vida de todos eles…
Matilda deu
início a uma rebelião, a uma luta contra as injustiças – mas todos embarcaram
com ela. Amo demais a cena da “soletração errada”, porque é quando vemos as
crianças da classe da Srta. Honey começarem a se levantar para enfrentar a
diretora, e é isso que permite que eles entreguem aquele momento HISTÓRICO com “Revolting Children”, que é
possivelmente uma das melhores cenas musicais já feitas em qualquer filme… a
música é perfeita, as crianças estão demais, a coreografia é insana, a mensagem
é importante: um espetáculo visual e musical! Por fim, o filme se encerra com
uma música inédita interpretada por Matilda e a Srta. Honey, agora mãe e filha: “Still Holding My Hand” é a cereja do bolo, o toque final de emoção
de que o filme precisava, uma conclusão lindíssima para um dos melhores filmes
do ano… terminei chorando, mas profunda e
genuinamente feliz.
“It’s
2L84U, we are revolting!”
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