Spirited: Um Conto Natalino (Spirited, 2022)
“Am I forever unredeemable?”
Sempre vou
achar fascinante o imenso impacto que
“Um Conto de Natal”, escrito por
Charles Dickens e publicado pela primeira vez em 1843, tem sobre histórias
natalinas contadas nos últimos dois séculos – é uma história bonita e
surpreendentemente atual sobre natal, sobre humanidade, sobre esperança e sobre
a possibilidade de mudar. As visitas
dos Fantasmas do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal Futuro são uma
espécie de convite para que nós
mesmos pensemos em nós, na nossa história, nas nossas atitudes e no futuro que
desejamos… será que, como Scrooge, precisamos mudar alguma coisa? A história de
Charles Dickens é tão marcante e tão presente através de inúmeras adaptações
que foram feitas ao longo dos anos em diferentes mídias (livros, quadrinhos,
cinema, séries), que parece ter se tornado uma espécie de símbolo do Natal.
Em parte, “Spirited” pode parecer com qualquer
outra adaptação de “Um Conto de Natal”
que você conhece, com Clint Briggs sendo a pessoa que vai ser “transformada”
com a visita dos três fantasmas: do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal
Futuro. Afinal de contas, essa é uma
história que ainda funciona muito bem! Mas “Spirited” vai além e brinca com os conceitos do conto original,
transformando o plot clássico na base
de uma espécie de “agência” de espíritos que, no pós-vida, escolhem uma pessoa
por ano para redimir. Além disso, quando o filme tem uma virada inesperada e
descobrimos que o atual Fantasma do Natal Presente é o Scrooge original no qual
“Um Conto de Natal” foi baseado, “Spirited” se torna uma espécie de sequência do conto natalino de Charles
Dickens: o que acontece a Ebenezer
Scrooge depois de ele se redimir?
Ele realmente se torna uma boa pessoa?
A força de “Spirited” está em uma série de
elementos: além de ter por base uma história já poderosa e usá-la de maneira criativa, o filme conta com
atuações muito boas de Will Ferrell como o Fantasma do Natal Presente e de Ryan
Reynolds como Clint Briggs, que formam uma dupla inusitada e divertida, e é um
musical memorável! Com composições de Benj Pasek e Justin Paul (compositores
incríveis e com um currículo invejável: eles são os responsáveis por “La La Land” e “O Rei do Show”, no cinema, por “Dear
Evan Hansen”, no teatro, e ainda compuseram algumas músicas de “Smash”, dentre elas duas das minhas
favoritas, “Rewrite this Story” e “Original”), “Spirited” tem músicas excelentes acompanhadas de performances sempre
impressionantes… coreografias incríveis, muitas cores e um clima natalino
acolhedor! É apaixonante do início ao fim!
Sou um
grande apaixonado por filmes natalinos – e eu gosto muito de quando os filmes
brincam com o que conhecemos. A animação “Operação
Presente”, por exemplo, é um dos meus filmes favoritos de Natal, por trazer
os “bastidores” de como o Papai Noel conseguiria entregar todos os presentes em
uma noite. Ao brincar com o clássico de Charles Dickens, “Spirited” mostra inspiração
ao conceituar aquela agência do pós-vida daquela maneira, e ao mostrar todas as
pesquisas e preparações que são feitas ao longo de todo um ano para gerar um
“milagre natalino” e uma “redenção” convincente ao final. “Spirited” também é uma comédia cheia de alma, conseguindo entregar
bons momentos cômicos sem forçá-los, muitas vezes eles estando presentes na
própria maneira como as coisas acontecem, como se tudo fosse um grande estúdio.
Presente tem
um pouco de dificuldade para convencer seus superiores a permitir que Clint
Briggs passe pelo “programa”, porque ele é classificado como IRREDIMÍVEL – mas,
por algum motivo, Presente quer que aquele “irredimível” tenha uma chance… em
parte porque ele quer sentir que “está fazendo alguma diferença” e, para isso,
quer redimir alguém que tenha uma influência grande no mundo todo; em parte,
como descobrimos eventualmente, ele quer redimir aquele irredimível para provar
que é possível e, portanto, que ele
mesmo, sendo o Scrooge original, foi
redimido de fato. Ameaçando “se aposentar” e voltar para a Terra como
humano, Presente eventualmente consegue o que quer. O filme é emocionante,
divertido, surpreendentemente humano e tem excelentes ideias acompanhadas de
números musicais impecáveis…
Clint Briggs
é trabalhoso, com toda a certeza.
Bonito, charmoso, convencido e persuasivo… mas difícil. Talvez a maior dificuldade dos Fantasmas com Clint seja o
fato de que ele não acredita que pessoas
podem mudar – então, ele entende depressa o que está acontecendo e age o
tempo todo com tanto ceticismo que ele realmente atrapalha todo o planejamento de um ano da agência… e nada sai
conforme o planejado! A Fantasma do Natal Passado, por exemplo, está muito caidinha por ele para agir com profissionalismo,
e Presente precisa assumir os dois trabalhos e, eventualmente, improvisar
quando Clint foge de uma memória que seria decisiva em sua transformação… e, na
verdade, o fato de Clint deliberadamente escapar
daquela memória é a prova de que, no fundo, ele sabe que os Fantasmas podem ter algo importante para lhe dizer.
Mas Clint
causa a maior confusão possível ao fugir da memória, correr por cenários fora
de ordem e acabar chegando à agência, onde Presente foge de todo o protocolo e
tenta algo novo: Clint não será como os
demais “infratores” com os quais ele tem lidado nos últimos quase 200 anos.
Essa é uma das partes mais interessantes de “Spirited”,
a meu ver, quando entendemos por que Presente dissera que “um irredimível já
foi redimido antes”, e leva Clint a uma memória sua do Século XIX, onde Clint o
vê como Scrooge pela primeira vez. É uma virada interessante do roteiro porque
não são apenas os Fantasmas tentando mudar um humano, mas também um humano
tentando fazer com que um Fantasma enfrente seus próprios medos e dúvidas: do
que é que Presente/Scrooge tem tanto medo, afinal de contas? Ele tem medo de não ter mudado de verdade?
A trama
centrada no Fantasma do Natal Presente (outrora Ebenezer Scrooge, futuramente
Roberto) é o que eu digo que funciona como uma “sequência” a “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens,
e traz uma discussão interessante: se Scrooge morreu três semanas depois da sua redenção, será que ele mudou de verdade? É fácil sentir culpa e mudar
por um curto período de tempo, não? Então, Presente quer redimir Clint Briggs e
provar para si mesmo que um irredimível pode, sim, mudar de verdade e se tornar
uma boa pessoa… mas talvez ele tenha que deixar para trás suas angústias e seus
receios e “se aposentar” finalmente, mas ele teme retornar à Terra como um
humano e descobrir que, no fundo, ele continua sendo uma pessoa má… agora que
ele conheceu Kimberly e se apaixonou, no entanto, talvez seja a hora de ele se
arriscar.
Então, incentivado por Clint, Presente “se
aposenta” e vira humano. Vira Roberto.
Adoro o fato
de “Spirited” ousar se arriscar em
uma história dupla, do Scrooge clássico e do Scrooge moderno, em paralelo. Com
Roberto, acompanhamos uma espécie de epílogo a “Um Conto de Natal”, enquanto com Clint acompanhamos a conclusão da
sua “assombração”, com a visita do Fantasma do Natal Futuro, que tem coisas
para lhe mostrar que são referências muito claras à história original: assim
como o Scrooge é o responsável pela morte de Tiny Tim, no livro de Charles
Dickens, Clint será o responsável pela morte do colega de classe de Wren,
depois da postagem de um vídeo que ele a incentivou a colocar na internet…
então, ele corre para impedir a sobrinha, mas essa ainda não é a transformação que se esperava dele, os Fantasmas não
aparecem com um grande número musical nem nada disso, porque, como o próprio
Clint diz, ele não mudou de verdade…
É
interessante a discussão levantada por “Spirited”,
e Presente e Clint Briggs são uma excelente dupla para trazer os dois lados
dessa história: as pessoas mudam de
verdade? Presente tem suas dúvidas, mas, ao mesmo tempo, tem esperanças; Clint, por sua vez, acredita
que as pessoas não mudam, e que sua atitude ao tentar impedir a sobrinha de
postar o vídeo é a correção de uma única
atitude babaca, e embora ele talvez vá se sentir culpado por alguns dias, ele
vai voltar para o trabalho e vai continuar fazendo as coisas como sempre
fizera… vai continuar sendo o mesmo de sempre, ele não mudou. Mas se Presente
quer ser mais Roberto do que Scrooge de agora em diante, será que isso não é o
suficiente? Será que não é uma questão de
escolhas? Às vezes, pequenas atitudes boas e a tentativa de ser melhor do que ontem é tudo do que
realmente precisamos.
Preciso
abrir um parágrafo para comentar sobre algumas das músicas do filme – embora eu
tenha me apaixonado de verdade por
todas (sinto que vou ouvir muito a
esse álbum!). Acho que Kimberly arrasa em “The
View From Here”, expressando as dúvidas da personagem tão bem; “Good Afternoon”, na época do Scrooge, é
sensacional e extremamente divertida; “Unredeemable”
tem um quê proposital de breguice que entrega uma das melhores cenas do filme,
e a melodia me fez pensar um pouco no musical de “Billy Elliot”; “Do a Little
Good” é aquele momento grandioso (colorido, cheio de gente, de coreografia,
de energia) que tem tudo a ver com a conclusão de um musical e que poderia ter
sido apresentado no palco de maneira espetacular; também amo “That Christmas Morning Feeling” e “Ripple”, que foi cortada do filme.
É uma trilha
sonora incrível!
A conclusão
do filme acontece com, apesar das crenças de Clint Briggs, a prova de que ele pode, sim, mudar. Instintivamente,
ele pula na frente de um ônibus para salvar Roberto (!), e embora seja uma
bonita celebração com “Do a Little Good”,
ele também vive pouquíssimo depois da sua redenção, como o Scrooge original, e
é algo tão absurdo que acaba sendo hilário
– porque “Spirited” é uma comédia
musical natalina, afinal de contas! Mesmo com o final aparentemente trágico,
temos uma conclusão super fofa e divertida para o filme, com Clint se juntando
à agência e assumindo o emprego de Fantasma do Natal Presente, já que Roberto
se aposentou, e é um trabalho que ele fará muito bem… ele sempre foi bom em
desenterrar o passado das pessoas e ele é muito persuasivo… ele só tem que estar focado em fazer algo
bom. E a amizade e parceria que ele mantém com Roberto, vindo visitá-lo?
FOFO DEMAIS, AMEI!
É um grande
filme musical e natalino! Se tornou um dos meus favoritos no gênero!
“So can we do a little good?
Maybe give a little more?
Work a little harder than we did the day before
It only takes a littlе good
And some doin' what you can
Takin' every chancе to make
the choice to be a better man
So do a little good”
Para reviews de outros FILMES, clique aqui.
Comentários
Postar um comentário