Terra dos Sonhos (Slumberland, 2022)
“Every
adventure begins with a dream”
O mundo dos
sonhos sempre foi causa de fascínio e mistério, tanto que foi o objeto de
grandes narrativas da ficção, como na obra-prima de Neil Gaiman nas HQs, “The Sandman”, ou em um dos melhores
filmes de ficção já feitos, “Inception”.
Muito antes dessas obras, no entanto, Winsor McCay criou, também no mundo dos
quadrinhos, “Little Nemo in Slumberland”,
com histórias que foram publicadas entre 1905 e 1927, e que foram muito
importantes para a reinvenção do gênero – essa obra ganhou algumas adaptações
ao longo dos anos, como a animação “Little
Nemo: Adventures in Slumberland”, em 1989, e “Slumberland”, “Terra dos
Sonhos” em português, o filme de 2022 protagonizado por Jason Momoa e
Marlow Barkley, agora de 2022. Acredito que esse UNIVERSO DOS SONHOS sempre
oferecerá boas histórias para se contar.
“Terra dos Sonhos” é ambicioso, colorido
como um sonho de criança, e com um tom melancólico que traz uma carga dramática
ao filme pelo fato de que Nemo acabou de
perder o pai, com quem morava em um farol, e ela ainda precisa passar pelo
luto enquanto tenta se adaptar à nova vida que lhe é imposta… eu não sabia bem
o que esperar do filme, por não ter muito conhecimento da obra original e ter
me interessado pelo trailer que encontrei por acaso, e talvez minhas
expectativas estivessem altas demais para serem atendidas – e embora sejam de
gêneros completamente diferentes, a
temática de “sonhos” torna impossível não pensar em “The Sandman”, para conhecedores e fãs da obra de Neil Gaiman, e
ganhamos uma brilhante adaptação desses quadrinhos alguns meses antes, o que
quer dizer que ainda é muito vivo em
nossa memória.
Assim, o
filme fica aquém das minhas expectativas – mas isso não quer dizer que seja um
filme ruim. Com muita cor e um pouco da estranheza aconchegante que é
característico de alguns sonhos que
temos, acho que o filme consegue retratar bem o que chama de TERRA DOS SONHOS,
e contar uma grande aventura protagonizada por Nemo, a garota que acabou de
perder o pai, e Flip, o estranho amigo que ela descobre na Terra dos Sonhos, e
que não se lembra mais de quem é no Mundo Desperto. De quebra, também temos um
quê de emoção, já que o filme retrata dois “tipos” diferentes de luto: aquele
que vem de pessoas que amamos e perdemos, e aquele que surge quando descobrimos
que perdemos uma parte importante de nós mesmos. É facilmente um filme que faria um sucesso tremendo passando na Sessão
da Tarde.
Gosto dos
conceitos usados no filme, e que são uma maneira lúdica de explicar dores muito
profundas que, mais cedo ou mais tarde, todos temos que enfrentar na vida. Tudo
o que Nemo quer é poder reencontrar o pai
em seus sonhos, e embora isso seja muito bonito, isso também pode afastá-la
do Mundo Desperto de uma maneira que se torna perigosa – até que ela não tenha
mais interesse em deixar a Terra dos Sonhos. Nemo descobre que ela pode visitar
o Farol no qual morava com o pai, e ela o fará em sonho algumas vezes, mas ela
não pode ficar lá para sempre, ou então “os pesadelos vão encontrá-la”. É uma
alegoria inteligente para o processo pelo qual Nemo precisa passar, de
enfrentar o luto pela morte do pai, mas, eventualmente, seguir em frente, ou
então ela será “devorada” pela dor e pelo sofrimento, até que não tenha mais como escapar.
É um
processo pelo qual Nemo tem que passar… e ela o faz em sonho, até que ela
entenda o que isso tudo quer dizer. Enquanto busca pérolas que supostamente
pode usar “para sonhar o que quiser”, Nemo vive aventuras ao lado de Flip, retornando
ao Mundo Desperto de vez em quando, mas sempre ansiando pela próxima aventura
em seus sonhos, onde ela e o amigo excêntrico pulam de sonho em sonho, seguindo
um mapa que esperam que os leve até o Mar dos Pesadelos e, consequentemente,
até as valiosas pérolas… foi legal conhecer um pouco mais da Terra dos Sonhos,
tanto em seu lado mais mágico,
através dos diferentes sonhadores que eles encontram toda noite em mundos que
construíram para viver o que mais desejam, quanto seu lado mais burocrático, onde Nemo começa a aprender que “nós sonhamos o
que precisamos sonhar”.
E isso nos
ajuda em nossas jornadas e aventuras do Mundo Desperto.
Um arco
interessantíssimo de “Terra dos Sonhos”
é o do tio – depois de ter perdido o pai, Nemo vai morar com Philip, um tio
solitário e fascinado por maçanetas (?), que tem uma alma boa e, secretamente,
uma vontade de ajudar, mas ele não tem ideia nenhuma do que está fazendo… e
talvez em parte esteja fazendo falta o que ele deveria aprender em sonhos, já
que faz anos que ele não sonha.
Eventualmente, Nemo descobre que Flip é, na verdade, o tio Philip – ou quem ele
costumava ser quando sonhava e vivia aventuras na Terra dos Sonhos ao lado do
irmão. Agora, parte da missão de Nemo é fazer com que Philip reencontre a sua parte perdida e, quem
sabe, poder amenizar todo o sofrimento que a partida de Peter para se casar lhe
causou… curar o trauma que o separou de Flip, que o impediu de continuar
sonhando, e que o tornou em uma pessoa triste e sozinha.
Assim, é uma
jornada para ambos: para Nemo e para Philip. E isso culmina em uma conclusão
emocionante para o filme, quando a relação dos dois no Mundo Desperto está mais
difícil do que nunca, mas, na Terra dos Sonhos, Nemo usa a sua pérola, seu único desejo, para “fazer com que
Flip acorde”. E reunido com a parte de si que era Flip, Philip se transforma em
uma pessoa mais corajosa e heroica, que pula em um mar turbulento para salvar a
sobrinha que aprendeu a amar como sua própria filha, enquanto Nemo ganha uma
segunda pérola e um segundo pedido, e pode passar
mais um dia ao lado do pai, no Farol… é uma sequência muito bonita e muito
importante, porque Nemo é confrontada com uma escolha, e é importante que ela escolha retornar para o Mundo Desperto –
porque, por mais que sinta falta do pai, ela não pode deixar sua vida passar.
Toda a
sequência de Nemo com o pai enquanto Philip faz de tudo para acordá-la é
angustiante.
E, de certa
maneira, lindíssima.
Por fim,
escrevendo sobre o filme nesse momento, percebo que talvez eu tenha gostado
mais dele do que imaginava – talvez porque eu fui realmente tocado por essas
mensagens e pelo desenvolvimento desses personagens, e porque gosto dos
conceitos que foram trazidos pelo filme. Talvez eu esperasse mais exploração da
Terra dos Sonhos propriamente dita, mas o filme a traz mais como um meio para que Nemo tenha um espaço para
sofrer e amadurecer antes de entender que precisa seguir em frente e o fazer,
quando estiver pronta, do que com a proposta de explorar todas suas
possibilidades de fato… e talvez o humor de Jason Momoa como Flip não tenha me
convencido – mas o humor é algo muito particular,
e acredito que existam pessoas que tenham adorado, só não era realmente para
mim. De todo modo, é um filme colorido, melancólico e interessante.
Para reviews de outros FILMES, clique aqui.
Comentários
Postar um comentário