Primeiro Capítulo de “Todas as Flores” (19 de outubro de 2022)

A jornada de Maíra.

“Todas as Flores” faz parte de uma nova era das telenovelas brasileiras… embora tenha sido originalmente pensada para estrear no horário das nove (primeiro em substituição a “Um Lugar ao Sol”, depois em substituição a “Pantanal”), sob o título original de “Olho por Olho”, “Todas as Flores” acabou sendo transferida para o Globoplay, como uma novela produzida diretamente para o serviço de streaming – e eu preciso dizer que isso é algo que me empolga demais! Apesar de a notícia ter pegado muita gente de surpresa inicialmente, ter “Todas as Flores” direto no Globoplay fez com que seu tamanho fosse reduzido para 85 capítulos (e eu amo novelas mais curtas e o que isso faz com o roteiro), e a novela vem ganhando aprovação maciça de público e crítica desde a estreia.

A novela é um fenômeno!

Escrita por João Emanuel Carneiro – autor responsável por outros grandes sucessos na teledramaturgia brasileira, dentre os quais destaco “Da Cor do Pecado”, “Cobras & Lagartos” e duas das melhores e mais famosas novelas do horário nobre da Globo: “A Favorita” e “Avenida Brasil”; além disso, João Emanuel Carneiro foi o roteirista de filmes como o grandioso “Central do Brasil”, protagonizado por Fernanda Montenegro –, “Todas as Flores” estreou no dia 19 de outubro de 2022, com cinco capítulos lançados semanalmente toda quarta-feira. A primeira parte da trama se encerrou em 14 de dezembro, totalizando 45 capítulos, com os 40 capítulos finais previstos para serem lançados a partir do dia 05 de abril de 2023… com a virada rotineira das tramas de João Emanuel Carneiro.

Como eu já comentei “A Favorita” (que é uma das minhas novelas favoritas de todos os tempos), eu já elogiei exaustivamente a escrita de João Emanuel Carneiro, um autor de quem eu gosto bastante… eu gosto de como o autor brinca com as características do gênero, como nos faz esperar por uma reviravolta (que, no caso de “Todas as Flores”, deve ser a vingança de Maíra), e como não se envergonha do que está escrevendo: é uma novela, com todas as características de NOVELÃO – e eu amo isso! O primeiro capítulo de “Todas as Flores” é ágil e cheio de informação, começando com Maíra em uma cidadezinha do interior, nadando em uma cachoeira e cheirando flores no caminho de volta para casa, e terminando com Maíra no Rio de Janeiro, depois do transplante e tudo!

Maíra, interpretada por Sophie Charlotte, é uma jovem cega (talvez por isso seja tão inevitável pensar em “Esmeralda” quando a vemos caminhar de volta para casa no início do capítulo, não sei) que mora só com o pai, um homem que a ensinou a ser independente e a fazer de tudo, e passou adiante a sua paixão pela arte de fazer perfumes. E, então, a vida de Maíra muda completamente quando sua mãe, Zoé (interpretada por Regina Casé), aparece de surpresa depois de tantos anos, com uma história sobre como “passou a vida toda procurando por ela”, mas na verdade ela só está ali porque sua outra filha, Vanessa (interpretada por Letícia Colin), está com leucemia e precisa urgentemente de uma doação de medula, e ela pretende usar Maíra.

Inusitadamente, tanto Zoé quanto Vanessa são daquelas vilãs que vivem nos arrancando gargalhadas – talvez elas pertençam à mesma classificação de grandes personagens icônicas e eternas, como Nazaré Tedesco, de “A Senhora do Destino”, e Carminha, de “Avenida Brasil”. Zoé faz sua estreia no capítulo depois de Rivaldo, o pai de Maíra, passar mal e ir embora da farmácia mais cedo, e tudo nela é propositalmente caricaturado e hilário: a trilha sonora, a postura da personagem a fala dela… a vilã clássica que nós “amamos odiar”. Mesmo para Rivaldo, que sabe quem ela é, Zoé faz um teatro sobre como “ele roubou seu bem mais precioso” (“Maíra? Eu quero ver a Maíra. Onde tá a Maíra?”), e como mudou e quer a chance de explicar e essas coisas todas.

Embora não acreditemos nem por um segundo.

Quando Maíra chega em casa durante a discussão de Zoé e Rivaldo e pergunta “quem é essa mulher”, Zoé se adianta para dizer depressa que é sua mãe e jogar o teatrinho que certamente vem ensaiando desde que decidiu procurá-la, dizendo que passou a sua vida toda procurando por ela, que sempre a amou, que quer uma segunda chance e tudo mais… Rivaldo, com toda a razão, surta com as mentiras, enquanto Maíra está confusa e sem saber no que acreditar, no meio daquelas falas contraditórias dos dois, e acaba passando mal novamente… enquanto Maíra sai para buscar remédio, Zoé tem a chance de se livrar de Rivaldo de uma vez por todas (não vou negar que eu ri no “Vai! Morre!” da Zoé, o apressando, porque Regina Casé sabe como ser hilária!).

Tudo é rápido… “Todas as Flores” tem muito a contar em seu primeiro capítulo. Depois de Zoé matar Rivaldo asfixiado com uma almofada, ela abraça Maíra (“Mamãe tá aqui contigo”) e se faz presente durante os próximos momentos, embora ela não saiba exatamente o que dizer quando Maíra está chorando depois do enterro, por exemplo: aquele “Mas isso Deus quis assim” também me arrancou sinceras gargalhadas. Então, Zoé convida Maíra para ir com ela para o Rio de Janeiro, e embora Maíra responda que precisa pensar a respeito disso primeiro, ela acaba aceitando o convite, o que nos rende uma das cenas mais divertidas do capítulo, quando ela fica toda feliz por finalmente conhecer o mar, algo que sempre foi seu sonho, e então ela entra no mar meio descuidadamente, e Zoé tem que ir resgatá-la.

Eu adoro o humor equilibrado com o drama sem ser algo à parte.

Vanessa, a icônica personagem de Letícia Colin, faz sua estreia no capítulo em uma sequência macabra na qual fica em silêncio observando Maíra entrar no banho, e eu adoro o fato de ela dar à personagem camadas e complexidade. Inicialmente, é difícil entender o que Vanessa está pensando e/ou sentindo… pode ser uma mistura de raiva, de esperança, de inveja, não sei. A riqueza de expressão nos deixa confusos, e eu adoro isso, porque vamos desvendando aos poucos essa personagem sádica, debochada e maldosa, que curiosamente nos faz rir com coisas das quais talvez não devêssemos rir, mas é inevitável. E Vanessa e Zoé vão certamente nos arrancar muitas risadas, tanto que eu sinto que “Todas as Flores” não precisaria de um “núcleo cômico”.

“Não faz a coach que me irrita”

Para Maíra, Vanessa tem que interpretar uma personagem… ela até desliza rapidamente durante uma refeição e é grosseira (Maíra parece alguém extremamente inocente, mas, ao mesmo tempo, e se tudo for interpretação dela também?), mas volta rapidamente para o papel de irmã boazinha. O plano de Zoé e Vanessa não é ruim, e é embasado na humanidade evidente de Maíra… quando Vanessa “passa mal” durante o jantar e sai, Maíra (que já percebeu que Vanessa usa um lenço) fica perguntando à Zoé o que ela tem, se ela está doente, e Zoé finge que não quer falar, que não quer “pesar o clima”, mas acaba falando da leucemia, do casamento marcado, e de como os médicos já tentaram de tudo e, agora, só o que pode salvar a Vanessa é um transplante.

Maíra é facilmente manipulada e se oferece para ser a doadora.

Em paralelo, então, começamos a explorar outros núcleos e personagens… entramos na Rhodes & Co., por exemplo, onde conhecemos Rafael, interpretado por Humberto Carrão, o noivo de Vanessa (embora fique claro desde a primeira cena que ele não está mais apaixonado por ela, muito menos remotamente empolgado com a ideia de “se casar”), herdeiro da empresa, e responsável pela parte de perfumaria e de um projeto social com pessoas cegas na Rhodes. Como toda grande empresa de novelas (e provavelmente fora delas também), há toda uma briga de interesses e de ideias que esquentam a sala de reuniões, com direito a discordâncias em relação ao programa de Rafael, por exemplo, algo que ele continua extremamente calmo ao dizer que não vai parar… além de tudo, é lei.

A cena da Rhodes também nos apresenta ao Diego, interpretado pelo Nicolas Prattes – e eu preciso dizer que estava prontíssimo para me apaixonar por ele desde o primeiro momento. Diego é um daqueles personagens fortes que lideram uma parte da trama que tem peso de protagonismo – e Nicolas Prattes, que já fez outras novelas e protagonizou “O Tempo Não Para”, está sendo amplamente elogiado pela sua entrega dramática potente em cena, e eu sinto que esse é o papel da sua vida, no sentido de ser um divisor de águas na sua carreira e no reconhecimento que ele tem como ator. Estou torcendo bastante por ele. Encontramos Diego trabalhando de garçom em um evento, e tentando a chance de modelo (obrigado ao responsável pela cena do Nicolas trocando de roupa!), mas não conseguindo.

Diego é o responsável por uma transição importante do primeiro capítulo de “Todas as Flores”, porque saímos das vidas confortáveis e/ou luxuosas, como o cenário grandioso da Rhodes, para uma realidade muito mais sofrida. Quando Diego chega na casinha em que mora com a família (com a mãe doente e dois irmãos mais novos, toda a responsabilidade de sustentá-los recaindo sobre ele), a cenografia do interior da casa me fez pensar na casinha de “Parasita”. A situação da família de Diego é desesperadora, e está prestes a piorar muito. Diego encontra a comunidade sendo evacuada, sob a explicação de que as construções são ilegais e um perigo para os moradores e para a cidade, por isso elas serão todas removidas… então, eles perdem o pouco que tinham.

Eles não tinham muito… mas até esse pouco é brutalmente retirado deles em uma sequência desumana e alarmante – na qual Nicolas Prattes entrega um show de atuação passando todo o desespero do personagem: eles já não têm o que comer e agora não vão ter onde morar? A mão no cabelo, as lágrimas nos olhos, as casas sendo demolidas, e então Diego corre para dentro de casa e manda todo mundo sair, levando apenas o essencial, porque “eles não vão esperar eles saírem para demolir a casa”. É injusto, é doloroso, é angustiante, e Diego conquista o público como protagonista sofredor naquele momento. Como desgraça pouca é bobagem, ele entra para pegar o pouco dinheirinho guardado que tinham, e ele acaba sendo roubado enquanto agradece a Deus por ter conseguido.

Seria cômico se não fosse trágico.

Com o transplante dando certo, Vanessa vai voltando à sua vida normal – claramente sem ter aprendido nada… dá para ver na voz e no olhar, e ela ainda tem uma raiva extra de Maíra porque às vezes Zoé parece sincera quando fala com Maíra (e no mínimo agradecida por ela ter salvado a vida de Vanessa ela está, como Vanessa também deveria estar), e ela não gosta de ver a mãe dando carinho para a irmã… dias depois da cirurgia, Maíra tenta se aproximar de Vanessa, diz que “ela não fala com ela desde o transplante”, e faz perguntas sobre a sua vida, o seu noivo, a história deles, mas Vanessa é seca e rápida, dispensa Maíra. Interessante que a Maíra percebe que Vanessa a está dispensando, e escolhe só ir para o quarto mesmo – talvez ela não seja tão “bobinha” quanto parece.

E espero que não!

Toda a questão do casamento de Vanessa e Rafael é um intricado jogo de interesses. Zoé e Humberto, que são cúmplices, têm interesse no casamento porque é uma maneira de “unir as famílias”, e essa união está ameaçada pelo fato de que Rafael não tem nenhum interesse em se casar – embora tenha passado muito tempo namorando a Vanessa, ele não a ama, e já quer terminar há algum tempo, mas então veio a doença, ele não conseguiu, e agora está só esperando ela se recuperar de vez do transplante para fazer o que realmente quer… Vanessa, por sua vez, tem uma sensação de posse em relação ao Rafael, mas tampouco está apaixonada por ele, ou então não teria um caso com Pablo, alguém que ela tenta esconder de Maíra quando Maíra percebe que tem alguém ali com ela.

“Ela é cega e ela é boazinha. Ela é insuportável. Nem amargurada por não enxergar ela não é, você acredita nisso? Eu não suporto”

Humberto, o pai de Rafael e cúmplice de Zoé, também é um personagem ainda enigmático. Ele está envolvido em algumas armações, ele foi “criado” por Zoé para ser o homem rico e poderoso que é atualmente (casado com Guiomar), mas ele veio da comunidade, um lugar onde ele ainda parece se sentir em casa quando vai atrás de Judite, pedindo “uma chance” para ela ou algo assim – e Judite acaba sendo a madrinha de Maíra, e é Humberto quem conta para ela que ela está no Rio. Então, Judite vai atrás da afilhada e pede que ela vá com ela para a sua casa, porque a “Zoé é má”, e quando Maíra defende a mãe e diz que “ela está sendo muito legal”, Judite garante que deve ter algo por trás, e ela não está percebendo porque ela não tem maldade nenhuma.

No fim, Maíra acaba aceitando ir para a casa de Judite, pelo menos por um tempo, desde que ela conte um pouco sobre a história de Rivaldo e Zoé – e, ali, descobrimos que Pablo, o amante de Vanessa, é filho de Judite. ISSO QUE É UMA NOVELA DE VERDADE! EU AMO ESSAS LIGAÇÕES! A conversa de Maíra e Judite, cheia de coincidências, prepara o futuro de Maíra: Maíra sempre gostou de fazer perfumes, Judite trabalha na Rhodes, e a Rhodes tem um programa para perfumistas cegos… e, assim, as coisas vão se encaixando. Enquanto isso, Zoé se preocupa de verdade com o sumiço de Maíra, para o desgosto de Vanessa (“Você tá apaixonada pela tua filhinha que veio com defeito, é isso?”), e quando Maíra diz que “vai dormir na casa de uma amiga”, Zoé acredita porque, segundo ela, “Maíra não mente”.

Zoé, Vanessa e Maíra formam um trio de personagens interessante. Vanessa está incomodada com a presença de Maíra, e é muito fria quando diz à mãe que Maíra só foi para lá porque era útil para o transplante, e agora que “não é mais útil”, “está na hora de ela ir para outro lugar”. Apesar de tudo, Zoé realmente pode parecer sincera quando ela defende a Maíra e chama a atenção de Vanessa por falar assim da irmã… até porque ela salvou a sua vida. Vanessa é irredutível, diz que não quer dividir a casa “com aquela criatura”, ao que Zoé responde dizendo que “aquela criatura” é sua filha, mora ali e ainda a trata bem… melhor Vanessa abrir o olho, porque talvez ela se acostume a ser tratada bem por uma filha. Confesso que amo as provocações dessas duas!

Maíra faz um teste para perfumista da Rhodes e consegue uma vaga, tanto porque é extremamente competente e tem experiência, quanto porque o poder de decisão é do Rafael e ele se encanta por ela desde o primeiro olhar. A reta final do capítulo traz a primeira interação de Rafael e Maíra, e sentimos toda a química e a tensão entre eles no primeiríssimo diálogo. Eles falam de perfume, mas existe uma aura sedutora no ar, uma espécie de provocação mútua, tanto que Rafael a chama para “tomar um chope”, e quando Maíra pergunta por que ela faria isso, ele responde usando algo que ela tinha acabado de dizer quando eles estavam conversando a respeito do perfume que ela tinha feito: “Porque eu entendi o seu perfume como ninguém”. Bem… eu também teria aceitado o convite.

O primeiro capítulo de “Todas as Flores” é EMPOLGANTE. Longo e cheio de informação, ele estabelece bem o rumo de vários personagens e nos deixa animados para o que vem a seguir… já estamos até entrando no romance de Maíra e Rafael! Rafael a leva para uma festa na comunidade, com um sorriso lindo e apaixonante que me faz pensar que eu me apaixonaria fácil por ele. A interação deles durante a festa flui, a química fica evidente, eles dançam e conversam, e rapidamente eles estão conectados como se eles se conhecessem há muito tempo… e, então, ELES SE BEIJAM PELA PRIMEIRA VEZ. Gostaria de dizer que parte disso é culpa da Vanessa: se ela tivesse contado sobre seu namorado/noivo quando Maíra perguntou, Maíra nunca teria ficado com o Rafael…

 

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Comentários

  1. Que texto mais incrível e maravilho! Zoé e Vanessa já podem entrar para a galeria de grandes vilãs do JEC, aliás, ele sabe escrever uma vilã como ninguém.

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