Heartstopper, Volume 3 – Um Passo Adiante (Alice Oseman)

Assumir.

Que belo momento da vida deles e que linda experiência para Charlie Spring e Nick Nelson! Sempre com uma sensibilidade linda e emocionante, “Heartstopper” chega ao seu terceiro volume, intitulado “Um Passo Adiante”, e traz Nick, Charlie e os amigos em uma viagem da escola para Paris – uma viagem de descobertas, revelações e boas memórias… bem como a introdução para temas mais sérios que devem ser explorados no futuro da história, como o distúrbio alimentar de Charlie. Alice Oseman conduz com destreza e cuidado a representação de uma fase tão importante da vida de uma pessoa LGBTQIA+, depois de ela ter se descoberto e se aceitado: quando ela se sente à vontade para deixar que todos a vejam como ela é. E isso é um processo.

Um processo pelo qual Nick está passando agora.

No fim do segundo volume, Nick se assumiu bissexual para a mãe, em uma cena emocionante e reconfortante, e agora Charlie conta aos pais que ele está namorando – o que, por sua vez, resulta em uma imediata proibição de Nick dormir na casa pelo pai, porque ele “não quer nheco-nheco naquela casa” (uma fala que me fez dar sinceras gargalhadas!). Agora, eles se perguntam se é o caso de eles deixarem que outras pessoas saibam a respeito deles… eles não querem “namorar escondido para sempre”, mas, ao mesmo tempo, Charlie está sofrendo por antecipação só de pensar na possibilidade de voltar a ser o centro das atenções e, pior, em correr o risco de Nick sofrer bullying como ele sofreu no ano anterior, quando ele foi “tirado do armário”.

É interessante e desesperador como a mente humana funciona, e como interpretamos o que vemos e ouvimos de acordo com o que vivemos, sentimos e tememos. Quando a professora que viu Charlie e Nick se beijando se mostra muito prestativa com Nick e pede que ele avise sobre “qualquer comentário maldoso no time”, por exemplo, Nick entende que dar um passo adiante e assumir o namoro deles para todos pode fazer com que todo mundo volte a falar sobre o Charlie; quando um trio de amigos de Nick se aproximam dele para pedir desculpas por Harry e dizer que se afastaram dele, eles medem mal as palavras ao dizer que “sabem que ele e Charlie são ótimos amigos”, o que inconscientemente faz com que Nick realmente tema a reação quando souberem que eles não são só amigos.

Ainda assim, Charlie quer contar para as pessoas mais próximas deles, pessoas com quem realmente se importa – como a Elle e o Aled. Aled, no entanto, diz a Charlie que talvez seja melhor que ele não diga nada a Tao antes da viagem a Paris, porque Tao “fala alto e não é bom em guardar segredo” e, aparentemente, foi por causa dele que o Charlie foi tirado do armário no ano anterior, mesmo que ele não tenha feito nada intencionalmente… e isso foi motivo de muito trauma a Charlie, como exploramos brevemente aqui em um diálogo forte com Nick, no qual ele fala sobre as coisas horríveis que disseram a ele, a homofobia que sofreu, como as pessoas diziam que tinham nojo dele, e de como isso entrou em sua mente, como às vezes ele acreditava nisso, como se cortava…

Isso é EXTREMAMENTE GRAVE, e me parte o coração. Bem como parte o coração de Nick, que o abraça como se quisesse protegê-lo para sempre. E não acredito que Alice Oseman vá tratar do assunto levianamente, então embora o lance de “se cortar” tenha sido uma informação breve trazido à tona em um diálogo e mencionada rapidamente mais tarde mais uma vez, acredito que o Volume 4 de “Heartstopper” pode se aprofundar nisso – eventualmente, Charlie terá que procurar ajuda profissional, e Nick vai incentivá-lo a fazer isso, porque ele está prestando atenção em outro problema de Charlie: o fato de ele comer muito pouco, algo que chega a fazer com que ele passe mal e desmaie durante um passeio no Museu do Louvre, durante a viagem a Paris.

O terceiro volume de “Heartstopper” também explora um pouco da família de Nick. Agora, conhecemos um irmão babaca e um pai ausente. David, o irmão mais velho de Nick, volta da faculdade e ele é um tremendo babaca que gera uma série de momentos desconfortáveis, como quando diz, em tom maldoso e debochado a Nick, na frente de Charlie, que “queria conhecer o cara que fez seu irmãozinho virar gay” – o que é uma fala errada em muitos níveis! Além de não existir “virar gay”, David ainda esbanja bifobia dizendo que “Nick nem admite que é gay”, quando Nick diz que é bissexual. A autora não ignora o quanto isso faz com que Nick e Charlie sofram: Nick fala sobre como dói se assumir mil vezes, e Charlie meio que se sente culpado pelo sofrimento de Nick, embora a culpa não seja dele.

No fim, Nick diz que “tudo vale a pena”. Estar feliz com Charlie faz tudo valer a pena.

E é um clima muito mais leve, distante dos principais problemas da vida cotidiana, que Nick e Charlie partem com a escola para uma semana em Paris – a “cidade do amor”. Aqui, a autora equilibra muito bem a fofura e o drama, dando passos importantes na grande história de Nick e Charlie (os eventos da festa da Tara são INCRÍVEIS!), ao mesmo tempo em que não esquece problemas como o distúrbio alimentar de Charlie, que é fruto da atenção de Nick, agora que ele está passando o dia inteiro com o Charlie durante uma semana. Muito desse volume é guiado pela pressão de se assumir como namorados: ambos querem que todos saibam, mas temem as reações, não querem fazer um grande anúncio, não querem pressão, mas querem ser eles mesmos e não ficar se escondendo…

Alice Oseman constrói uma narrativa que serve como rede de proteção, e é lindo.

Surpreendentemente, um dos elementos mais importantes desse volume é o chupão que Nick deixa no pescoço de Charlie. Os dois estão dividindo um quarto de duas camas de casal com Aled e Tao, mas não estão dormindo juntos, embora gostariam de estar, porque Tao tentou ser um grande amigo e disse a Charlie que “achou que ele ia ficar sem graça de dividir a cama com Nick” ou qualquer coisa assim – um problema que Charlie não teria se já tivesse conversado com Tao sobre ele e Nick estarem namorando, diga-se de passagem! De todo modo, eles têm momentos sozinhos no quarto no qual se empolgam com beijos e experimentam coisas novas – como o Nick beijando o pescoço de Charlie, e a falta de experiência faz com que o beijo deixe uma marca…

O que meio que torna o Charlie o “centro das atenções” na viagem.

Eventualmente, felizmente, Charlie conta para Tao a respeito do seu namoro com Nick – acontece no terceiro dia da viagem, na Torre Eiffel, e é uma sequência bonita e melancólica, porque o Tao acaba sendo um ótimo amigo… ele é todo fofo, fica feliz de verdade por Charlie, e nem dá um show porque faz três meses que eles estão juntos e Charlie não disse nada, mas é claro que ele fica triste por ser o último a saber, e se sente horrível porque acha que é um péssimo amigo. É muito complicada toda a situação, no fim das contas, porque ele acredita que teria mesmo feito algo errado e que Charlie estava certo em não contar, mas se sente mal, e Charlie também se sente mal por fazer o Tao se sentir mal (e é quando o distúrbio alimentar se apresenta mais claro).

Bastante sofrimento silencioso para ambos.

O Volume 3 de “Heartstopper”, no entanto, não se prolonga nisso mais do que o necessário, porque não importa o que tenha acontecido no passado, Tao não fez nada por mal, e ele se preocupa com o Charlie quando ele desmaia no Louvre, então eles consertam tudo… Tao procura Charlie para conversar com ele e pedir desculpas por como reagiu e por ter “falado alto demais” sobre ele no ano anterior, o que acabou o tirando do armário, porque embora ele não tenha realmente contado para ninguém e nunca tenha tido a intenção de machucar o Charlie, ele sabe o quanto ele sofreu por causa disso… de agora em diante, ele diz que vai ser “um amigo melhor”, e ainda diz que está muito feliz por ele, de verdade, até porque o seu crush no Nick era “gigante”.

(Corta para o Charlie encantado com o Nick falando francês fluentemente e querendo “jogá-lo na parede”)

É preciso abrir parênteses para falar sobre como Tao tem sua própria narrativa nesse volume de “Heartstopper”, com Elle, E COMO ISSO É INCRIVELMENTE FOFO. Aos poucos, a história vai trazendo mais dos amigos de Charlie e Nick, e parte da viagem a Paris é dedicada a Tao e Elle, que estão completamente apaixonados um pelo outro (na verdade, há muito tempo, a julgar por aquele miniconto no fim do volume, que traz o Tao acompanhando Elle até o portão no primeiro dia de aula dela na nova escola, antes de a história de “Heartstopper” começar!), e vão deixando isso transparecer cada vez mais, até que eles compartilhem um beijo lindinho no Museu do Louvre – um cenário lindo para um primeiro beijo, não? Tão BOM ver o Tao todo felizinho depois do beijo!

O clímax desse Volume 3 acontece na festa de aniversário da Tara – com direito a pijama, salgadinhos e um pouco de vodca. São vários pequenos detalhes que constroem uma cena muito legal, com direito às interações fofíssimas dos casais, fotos dos amigos, Nick e Charlie conversando sozinhos na varanda, bem românticos e bobos um pelo outro, e, é claro, aquele momento em que Harry aparece sem ser convidado para “pedir desculpas para Charlie”, e Charlie (talvez motivado pelo pouquinho de vodca que ele experimentou?!) dá uma invertida CERTEIRA em Harry, o que deixa todo mundo de queixo caído e mais do que isso, orgulhoso do nosso menino. Destaque, também, para o Nick, que sabe como Charlie se sente e está ali, presente, compreensivo e sempre o apoiando.

Detalhes como o Nick segurando sua mão e perguntando se ele está bem.

As coisas pegam fogo mesmo, como era de se esperar, durante o jogo de VERDADE OU DESAFIO. Quando a garrafa aponta para Charlie, ele escolhe desafio, mas como ele é desafiado a beijar James (por sinal, um personagem que eu espero que seja explorado em algum momento, porque ele se diz “hétero”, mas estava bem animadinho para beijar o Charlie, e acho que tem história ali!), ele acaba se recusando e trocando para “verdade” – e o que todos querem saber é quem deu o chupão no seu pescoço. Naturalmente, Charlie não quer falar e expor o Nick, e os amigos, que sabem da verdade, são excelentes amigos e tentam fazer com que troquem a pergunta, porque isso é pessoal demais e pode “tirar alguém do armário”, mas o Nick surpreende a todos.

No meio da confusão, Nick simplesmente diz que “sabe quem foi”. Então, quando todos param para escutar e olhar para ele, Nick e Charlie têm uma conversa rápida sem nenhuma palavra: Nick olha para Charlie para saber se está tudo bem e Charlie assente. Então, Nick segura a mão de Charlie, diz que foi ele e que eles estão namorando – E ESSE É TALVEZ O MOMENTO MAIS FOFO QUE “HEARTSTOPPER” JÁ ENTREGOU (mal posso esperar para ver isso sendo adaptado na série!). Houve uma pressão, sim, infelizmente típica da adolescência, mas Nick assumindo o namoro deles não foi algo só daquele momento: é algo que ele disse que estava pronto para fazer ainda no Volume 2, e sobre o qual ele estava pensando durante todo o Volume 3, o que culminou naquele momento.

Ele queria que todos soubessem. E aquele era o momento.

Felizmente, as coisas saem muito bem. Na verdade, como Nick e Charlie não tinham realmente “contado” que estavam namorando, mas tampouco estavam fazendo questão de “esconder”, no fundo todo mundo já sabia… alguns até chegam a comentar isso, então são bons amigos. O que não quer dizer que será sempre fácil, infelizmente – como LGBTQIA+, sabemos disso. Encontramos apoio incondicional daqueles que nos amam de verdade, descobrimos que temos o apoio de pessoas que jamais imaginaríamos (essa é sempre uma surpresa agradável!), mas não importa o quanto tenhamos pessoas boas ao nosso redor, sempre teremos que enfrentar uma coisa ou outra… Nick tem consciência disso, mas é como ele disse em algum momento: vale a pena.

Nada se compara à sensação de SER VOCÊ MESMO e não esconder isso.

Assim, Nick e Charlie deram “um passo adiante”, como o título do Volume 3 de “Heartstopper” prometia, se assumindo para os amigos – mas existe outro possível “passo adiante” em um relacionamento, que é pauta de vários pequenos momentos desse “Heartstopper”, começando lá quando o pai de Charlie ala de “nheco-nheco”, e uma série de comentários sobre “dormir juntos” que não sai como eles planejaram e os deixa vermelhinhos, prontos para desconversar. Depois da festa de Tara, os dois têm o quarto só para eles e compartilham um momento lindinho no qual se beijam como não faziam há dias, mas eventualmente se interrompem porque “ainda não estão prontos para fazer nada além de beijar”, e eu gosto de como eles têm seu tempo e respeitam isso!

Mas é como dizem: eles querem… um dia.

A edição termina com momentos muito fofos dos casais que já existiam ou que foram formados durante “Um Passo Adiante”: Nick e Charlie; Tara e Darcy; Tao e Elle; e um dos meus casais favoritos, o Sr. Ajayi e o Sr. Farouk, os professores que acompanharam os alunos na viagem à Paris, por quem eu suspirei e sorri em cada pequena interação, especialmente na última cena deles, rápida, que me tirou o fôlego! Como “extras”, ganhamos as entradas nos diários de Charlie e de Nick de antes da viagem (o que é muito fofo, porque vemos que as expectativas foram alcançadas), e as telas de celular com as postagens das fotos da viagem por vários personagens. Para o Volume 4, fica o Charlie tentando encontrar a melhor maneira de dizer “Eu te amo”, e o Nick preocupado com os transtornos alimentares do namorado.

Parece que está garantido o drama e a fofura para o Volume 4 novamente!

 

Para mais textos de “Heartstopper”, clique aqui.

 

P.S.: O Sr. Ajayi e o Sr. Farouk foram, para mim, UM DOS PONTOS ALTOS desse Volume, e eu sei que eles não são o destaque de “Heartstopper”, mas eu certamente leria um spin-off protagonizado por eles (Alice Oseman, pode providenciar!). Poderíamos explorar a adolescência do Sr. Ajayi e a do Sr. Farouk, que foram tão diferentes, o Sr. Farouk se descobrindo, se aceitando e se assumindo só depois dos 20, e um pouco do romance atual deles, como adultos e professores. Haveria muito a se explorar, daria uma história e tanto.

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