Heartstopper, Volume 4 – De Mãos Dadas (Alice Oseman)
“O amor não pode curar um transtorno mental”
Surpreendente
e emocionante. Gosto muito do que Alice Oseman consegue fazer com “Heartstopper”, que é trazer muita
sinceridade à sua história e aos seus personagens, mas sempre pautada na
sensibilidade, no cuidado e no estudo, para que a narrativa seja direta e
atinja os pontos importantes levantados por ela com maestria, clareza e
responsabilidade (!), mas sem que seja uma narrativa pesada e/ou pessimista –
por isso, acredito na importância de “Heartstopper”,
e por isso é tão possível se conectar
com esses personagens e se reconhecer neles, porque eles realmente se parecem com pessoas reais, e podem
ser avatares de experiências que nós
mesmos, como pessoas da comunidade LGBTQIA+, tivemos ao longo de toda a vida.
O quarto
volume de “Heartstopper”, intitulado “De Mãos Dadas”, traz Nick e Charlie em
um momento muito maduro de seu relacionamento – algo que também me agrada
demais em “Heartstopper”. Através de
Charlie, vivenciamos o que é ser retirado do armário, sofrer bullying e passar
por outras situações desagradáveis; através de Nick, vivenciamos o que é
descobrir a própria sexualidade, se assumir e receber o apoio de uma família
acolhedora; através do romance dos dois, tivemos nossos corações constantemente
acalentados com momentos fofos do primeiro
amor, como os sorrisos tímidos, o coração acelerado, o primeiro toque de
mãos e o primeiro beijo. Adoro o fato de eles estarem cada vez mais fortes para enfrentar o que tiver pela frente.
E, em
paralelo a esse romance e a esses momentos lindos, que são parte da vida de
Nick e Charlie atualmente, Alice Oseman explora o já mencionado transtorno alimentar de Charlie,
trazendo isso para o centro da narrativa de forma conscientizadora, e eu gosto de como “Heartstopper” consegue equilibrar o que é altamente didático com o
que é realista e pertinente com a história e os personagens que conhecemos. Os
problemas mentais de Charlie também são a realidade de muitas pessoas LGBTQIA+,
e é importante que se tenha apoio e se
procure ajuda… adoro o fato de a mensagem não ser romantizada: o amor
romântico é importante e dá forças, mas Nick não pode “salvar” o Charlie só com
o seu amor, e ele precisa de mais pessoas e de ajuda profissional.
Não há nada de errado em buscar ajuda.
Assim, “De Mãos Dadas” é dividido em duas
partes. Na primeira delas, a “Turma de Paris” vai para a praia para se divertir
durante as férias de verão, e ganhamos uma variedade de cenas interessantes, em
um equilíbrio interessante e maduro entre o que é fofo e romântico e o que é
melancólico e preocupante. As cenas da praia trazem o Nick preocupado com o
transtorno alimentar de Charlie, por exemplo, conversando com ele a respeito
disso e o incentivando a falar com os pais e mostrar artigos para eles, e eu
acho incrível que o Nick esteja todo preocupado e estudando a respeito disso, para saber o que está dizendo, como a
melhor maneira de dizer, como fazer com que Charlie aceite buscar ajuda sem que
pareça que ele o está pressionando a fazer isso…
Mas as cenas
da praia também trazem momentos como o Charlie todo tímido por ver o Nick tirar a camisa na praia (e quando Nick
pede que Charlie passe protetor nas suas costas!), mesmo que ele já tenha visto o Nick sem camisa no
vestiário algumas vezes, ou quando os dois mergulham juntos e são
absolutamente fofos. Mas Charlie está nervoso com o fato de que ele “precisa”
dizer “Eu te amo” pela primeira vez
para o Nick e precisa ser naquele dia.
Depois daquele dia na praia, Nick vai viajar com a família e vai passar três semanas fora, o que quer dizer que
essa é a última chance de Charlie de dizer que o ama durante as férias, antes
de eles voltarem para a escola… e ele não quer passar mais três semanas se torturando
porque não conseguiu dizer.
E, assim,
ganhamos o primeiro “Eu te amo” MAIS
FOFO POSSÍVEL – e bem a cara de Nick e Charlie, convenhamos! Nick e Charlie têm
uma cena legal no quarto de Nick depois da praia, mas a mãe de Charlie manda
mensagem mandando ele ir embora logo, então Charlie vai se despedir de Nick do
lado de fora do banheiro enquanto o namorado está tomando banho, e diz “Eu te amo” antes de meio que sair correndo… é um tanto
descabido e quase bizarro, mas totalmente divertido e bem adolescente bobo, então combina com eles. É um pouco triste que
o Charlie vá embora se sentindo um idiota, porque ele está inseguro e isso pesa
sobre ele, mas é lindo ver o Nick todo sem reação, mas feliz, tendo que sair
correndo às pressas e colocando qualquer roupa para poder alcançar o Charlie…
E o fato de
Nick alcançar o Charlie no meio da rua é tão “Heartstopper” para mim – como aquela cena dos dois embaixo do
guarda-chuva. E Nick diz, com toda a sinceridade do seu coração, que também o
ama… que o ama muito. É TÃO FOFINHO,
TÃO LINDINHO, TÃO ELES. Eles estão apaixonados, eles estão felizes, eles estão
fortes em seu relacionamento… e eles precisam enfrentar três semanas separados. O que não é tão simples, e não apenas por
“drama adolescente”, na verdade. O contato é pouco, por causa da falta de sinal
onde o Nick está, e então Nick tem que lidar com a saudade constante de
Charlie, além do babaca do seu irmão mais velho, o David, fazendo todo tipo de
comentário e piada dignas de um imbecil
de marca maior.
Charlie, por
sua vez, se sente sozinho, e eu acho que isso é um gatilho para piorar os seus
problemas mentais. Além da ausência de Nick, Charlie ainda tem que lidar com a
mãe, que parece estar o tempo todo brava,
dando sermões sobre como “sua vida não pode girar em torno do namorado” ou algo
assim, e embora ela não esteja de todo errado, é absurda a maneira como ela diz isso, e pesa demais sobre Charlie, e acaba
sendo revoltante e triste de se ler. O pai, por sua vez, parece mais tranquilo,
mas talvez não com autoridade o suficiente para enfrentar a mãe, e Tori é uma
irmã parceira que quer ajudar, mas talvez também não saiba exatamente como é a
melhor maneira de fazer isso… e a família
talvez falhe em perceber o quanto Charlie precisa de ajuda.
Uma das
cenas mais fortes desse quarto volume de “Heartstopper”
vem no paralelo das mães. Enquanto a mãe de Charlie é seca, brava e com pouca
abertura que, inclusive, o impede de falar sobre o que ele está sentindo e
sobre o seu transtorno alimentar (ele sabe
que precisa falar com ela, mas nunca foi de falar sobre sentimentos e emoções
com os pais), a mãe de Nick é uma preciosidade sem tamanho… e ela é o
contraponto da mãe de Charlie, porque Nick se sente plenamente à vontade para falar com ela sobre tudo o que sente –
assim, ele desabafa sobre tudo o que está sentindo e sobre como está preocupado
com Charlie por causa de seu transtorno alimentar, e fala sobre como ele o ama
e quer ajudar, mas sente que não sabe mais o que fazer.
A mãe de
Nick é a necessária voz da sabedoria
dentro dessa narrativa – e ela é incrível! A conversa dela com o filho é
sensível, sincera e necessária, e eu adoro como ela consegue ao mesmo tempo se
preocupar com Charlie, apresentar opções e acalentar o Nick, porque também
precisa cuidar do próprio filho. Ela tem razão quando diz que a
responsabilidade não pode ser dele de “salvar” o Charlie, porque “ele precisa
da ajuda de alguém que não seja o seu namorado de 16 anos”, mas ela também
deixa claro, de maneira sábia, que isso não significa que ele não possa fazer
nada… existe muito que ele pode fazer estando
ao seu lado, o ouvindo, tentando alegrar um dia ruim, mas sabendo que, às
vezes, as pessoas precisam de um apoio maior do que só uma pessoa pode dar.
E isso também é amor.
A MÃE DO
NICK É MESMO DEMAIS! QUE MULHER MARAVILHOSA!
Essa é a
grande vitória desse arco de “Heartstopper”
para mim: uma visão realista e consciente do que são transtornos mentais, sem a
fantasia de que o amor pode milagrosamente curar tudo, porque não pode. E isso
em nada diminui o teor romântico de “Heartstopper”,
ou o sentimento que Nick e Charlie têm um pelo outro: isso tudo é
importantíssimo e os ajuda a ter forças,
como o volume deixa muito claro em vários momentos, mas é necessário que
Charlie se apoie, também, em outras pessoas, e procure ajuda profissional… que
é o que Charlie vai fazer, eventualmente. E Nick e a mãe se comprometem a
estudar sobre isso para saber qual é a melhor maneira de ser um apoio saudável
para Charlie e ajudá-lo a enfrentar tudo o que virá pela frente…
O retorno de
Nick é absolutamente fofo. Ele e Charlie se encontram na escola (como eu adorei
aquela coisa do Charlie achar a gravata listrada, que apenas alunos mais velhos podem usar, sexy), e trocam um beijo apaixonado em
uma sala de aula vazia. Gosto de como agora eles são assumidos na escola,
também. O primeiro grande evento
depois do retorno de Nick é o seu aniversário de 17 anos, que ele acredita que
será a oportunidade de contar para o pai sobre sua bissexualidade e sobre o
Charlie, mas o pai acaba não aparecendo e Charlie precisa ser a força de Nick
nesse momento, transformando o seu dia em um dia especial de todo modo – a
entrega dos presentes é LINDA, com o Charlie devolvendo todos os moletons que
“pegou emprestado” e o Nick lhe dando um novo, que usou no dia anterior.
E a foto dos
dois “em um dia de sol”, para completar a foto “em um dia de neve”?
FOFOS.
E, então,
Nick traz de volta à tona o assunto do transtorno alimentar de Charlie. Nick se
preocupou de verdade, pesquisou e estudou a melhor maneira de falar com ele, de
incentivá-lo a buscar ajuda e, mais do que isso, de lhe dar força para fazê-lo.
Ele o aconselha, por exemplo, a escrever sobre o que sente, porque isso pode
ajudá-lo a conversar com os pais se ele travar e não souber o que dizer ou como
dizer, e se voluntaria a ir com ele, nem que seja apenas para segurar a sua mão
e estar presente, que é o que ele faz, no fim das contas. É uma sequência
lindíssima, emocionante e sincera: vemos o Charlie falando com os pais, a mão
de Nick na dele, as lágrimas e os abraços e só depois lemos o pedaço de papel
no qual Charlie escreveu o que diria aos pais…
Sobre sua
saúde mental, sobre como quer melhorar e como quer buscar ajuda.
É
fortíssimo.
A segunda
parte de “De Mãos Dadas” centra-se no
tratamento de Charlie, com uma estrutura bem bacana que é predominantemente
conduzida por entradas em diários… primeiro no de Nick, depois no de Charlie.
Quase quatro meses depois, no dia 31 de dezembro, lemos uma entrada bem
sensível no diário de Nick, sobre tudo pelo que ele e Charlie passaram nesse
tempo: sobre como as coisas pioraram enquanto Charlie estava na lista de
espera, como o Charlie optou pela internação porque achou que isso ajudaria,
como foram as visitas e, também, como foi ir para a escola sem o Charlie… como
foi a relação com os amigos, como Nick se aproximou da família de Charlie nas
longas viagens de carro semanais para visitar, como isso pesou sobre ele também
e na sua própria ansiedade.
É uma entrada sensível, completa e
emocionante.
Quando
Charlie retorna da clínica na qual esteve durante algumas semanas, o vemos ter
a sua primeira interação com um grande número de pessoas em uma festa de Ano
Novo para a qual ele e Nick irão juntos, e é uma sequência bem bonita, na qual
Nick protege o namorado de qualquer pergunta que é melhor ele não responder
(como o motivo pelo qual ele não está indo para a escola), e faz uma companhia
adorável. Nick é um namorado e tanto.
Durante aquele Ano Novo, os casais trocam beijos apaixonados (Nick e Charlie,
Tara e Darcy, Elle e Tao), e é uma sequência linda e emocionante e
intermediária entre as entradas no diário… a próxima que vemos é do diário de
Charlie, de março, quando ele volta a escrever porque seu terapeuta acha que
seria bom.
Ler as
palavras de Charlie é ainda mais doloroso do que ler as palavras de Nick – mas
eu adoro o fato de “Heartstopper”
apresentar as duas visões. De um lado, vemos Nick que está do lado de fora, e é
uma preocupação compreensível e constante, que também lhe pesa mentalmente, e é
muito triste que ele se sinta culpado por reclamar de sua própria condição,
quando Charlie está “passando por coisas muito piores”, mas a dor de cada um é
válida. Do outro, vemos Charlie contar sobre seus sentimentos, suas dores, suas
angústias e suas esperanças, e é muito complexo, quase paradoxal, porque é
assim mesmo que nos sentimos… pode ser pesado, mas também é sensível, maduro,
completo e funciona como uma forma de conscientização. Um volume deveras importante.
Charlie nos conta sobre o que sentiu depois de
falar com os pais, fala sobre a dor de aguardar na fila de espera até o
atendimento, fala sobre a sua decisão de se internar, e gosto de como Charlie
narra a sua experiência na clínica, porque não foi perfeito, não foi um mar de
rosas, ele teve, sim, dias horríveis, mas ele acha que, como um todo, foi uma
boa experiência e isso o ajudou muito. Charlie fala sobre uma recaída de
automutilação que teve depois de uma briga boba com Nick (uma das cenas mais fortes de “Heartstopper” até agora, certamente!), e de como eles fizeram as
pazes no mesmo dia, porque brigas bobas entre namorados são comuns, e ele
termina sua entrada falando sobre o
quanto ama o Nick… assim como Nick terminou falando sobre o quanto ama o Charlie.
Eu sabia que
“Heartstopper” tomaria esse rumo,
porque o transtorno alimentar de Charlie não é nenhuma novidade, nem tudo o que
ele sofreu ao ser tirado do armário, ao sofrer bullying, ao se relacionar com Ben, todas coisas que deixarão
marcas para sempre em sua vida, mas fiquei positivamente surpreso com a maneira
como o assunto foi tratado: intenso, sincero, real. Charlie fala sobre a
internação, a terapia depois da internação, o que sente nos dias bons e nos
dias ruins, a doença mental que é algo com o que terá que conviver durante toda
a sua vida, mas o tratamento vai ajudar a ser mais fácil e que os dias ruins
sejam menos frequentes, e sobre como
ama o Nick e como eles estão mais fortes do que nunca, mas isso não quer dizer
que ele não precise de terapia e de outras pessoas.
É muito
maduro e muito bom!
Depois da
entrada de Charlie no diário, a última sequência desse quarto volume de “Heartstopper” é durante “um grande
jantar” na casa de Nick – com o pai dele, dessa vez. E sabemos que aquilo pode ser um caos – e é. David é, como
sempre, um tremendo babaca (adoro a Tori o colocando no seu lugar, seja o
beliscando durante o jantar ou chutando o seu celular escada abaixo quando o
ouve falar mal do Charlie com algum amigo igualmente imbecil), e passa uma
parte do jantar fazendo comentários idiotas e tentando “expor” o Nick, até que
ele mesmo se exalte e conte para o pai sobre como Charlie é o seu namorado, e
aquilo sai muito intenso e diferente do que ele esperava, mas é um alívio, na
verdade, que Nick tenha finalmente tirado isso do peito.
Também estava pesando muito sobre ele essa
vontade de contar ao pai.
As cenas são
surpreendentemente fortes e bonitas, mesmo com toda a confusão e possíveis
traumas. A força dos sentimentos bons é sobressalente, por fim. Nos orgulhamos
de Nick, e o pai não é um babaca como o David, embora ele tenha muitas falhas
por ser ausente, o que faz muito mal a Nick… e é bom ouvi-lo falar abertamente
sobre isso com o pai, porque, ao externar isso, talvez Nick tenha dado um
primeiro passo importante rumo a “consertar” essa relação quebrada com o pai. É
interessante que toda essa trama nos lembra que “Heartstopper” tem dois
protagonistas igualmente complexos, com histórias e com marcas, e talvez seja a
hora de nos “preocuparmos” um pouco com o Nick agora. E amo o Charlie sendo a
sua fortaleza, como Nick sempre é.
Os dois são fortes juntos. Um a fortaleza do
outro.
Linda a cena
dos dois saindo dirigindo juntos no final, “para onde a vida os levar”.
Fofos,
lindos, maduros. Fortes.
Para mais
textos de “Heartstopper”, clique
aqui.
P.S.: Já comentei, no meu texto sobre o
Volume 3 de “Heartstopper”, como eu
fiquei APAIXONADO pela história do Sr. Farouk e do Sr. Ajayi, que nasceu
durante a viagem a Paris. Nesse quarto volume, eles estão absolutamente
incríveis, e eu quase surtei com a interação dos dois no carro no primeiro dia de aula, e podemos não ter
ganhado um spin-off (já disse que eu
leria e Alice Oseman tem muito a explorar aí, já pode providenciar!), mas
ganhamos um miniconto fofíssimo sobre “primeiras vezes” protagonizado pelos
dois no fim do volume… o Sr. Farouk e o Sr. Ajayi são INCRÍVEIS, é a coisa mais
linda do mundo… queria muito muito mais deles, de verdade!
P.P.S.: Adorei as fotos que Tao postou
“de vela” de Nick e Charlie no Instagram, com as melhores legendas e os
melhores comentários, até Charlie postar uma “de vela” de Tao e Elle, o que faz
com que ambos declarem uma trégua HAHA Sensacional!
Comentários
Postar um comentário