Duna: Parte II (Dune: Part Two, 2024)

“I am Paul Muad'Dib Atreides, Duke of Arrakis. The Hand of God be my witness, I am the Voice from the Outer World! I will lead you to PARADISE!”

Escrito por Frank Herbert e publicado pela primeira vez em 1965, “Duna” é, possivelmente, uma das obras de ficção científica mais importantes para o gênero. O livro, que recebeu um Prêmio Hugo de Melhor Romance, ajudou a definir elementos do gênero que são utilizados até hoje – é curioso assistir a uma adaptação de uma obra de quase 60 anos e perceber o quanto ela influenciou em outras produções que vieram depois, como “Star Wars” ou mesmo “Avatar”. Embora não seja a primeira adaptação da obra de Frank Herbert, esse talvez seja o momento em que a obra mais está se popularizando – a primeira parte da adaptação do livro “Duna” chegou aos cinemas em 2021 e, depois de alguns atrasos, “Duna: Parte II” chega aos cinemas em 2024.

Ainda visualmente impecável, eu acredito que essa segunda parte vai agradar mais ao público do que a primeira. Com a divisão de um único romance em dois filmes, talvez o filme de 2021 tenha ficado mais centrado em apresentações e contextualizações, com direito a bastante contemplação, enquanto a segunda parte, de 2024, chega ao clímax da história e entrega um roteiro mais ágil e envolvente. Com mais ação e mais personagens em tela, “Duna: Parte II” passa a impressão de que sempre tem alguma coisa acontecendo. Sem grandes surpresas de estrutura e montagem, no entanto, o filme é bastante linear e se desenvolve ao redor de Paul Atreides e toda a sua jornada até ele ser reconhecido (e se reconhecer, talvez) como Lisan al Gaib.

O universo de “Duna” é vasto e rico, repleto de segredos, intrigas, política e potencial… sei que existe muito mais a ser explorado nessa franquia – com a provável adaptação futura de “Messias de Duna” e, é claro, com a série “Dune: Prophecy”, sobre as Bene Gesserits, projeto que está estacionado há alguns anos. Ainda que esse segundo filme ocasionalmente me deixe com a sensação de que há muito mais a se entender se você já leu o livro, eu acho que ele é muito mais fácil de se acompanhar do que o primeiro. E preciso ser sincero e dizer que, embora eu tenha gostado bastante (e gostei!), parte de mim não consegue ter o amor imenso que eu talvez gostaria de ter por “Duna” – eu reconheço sua grandiosidade, mas não deixo o cinema com a sensação de que “vi o melhor filme da minha vida”.

Mas isso é puramente pessoal. O filme é excelente, só não me atinge tão profundamente.

“Duna: Parte II” acompanha uma trajetória importante na vida de Paul Atreides, o personagem de Timothée Chalamet, que parece ganhar ainda mais importância, se é que é possível, nessa segunda parte da obra. Depois de chegar aos Fremen no fim do primeiro filme, Paul trabalha para ser aceito como um deles, adotando “Usul” como seu nome Fremen e “Muad’Dib” como seu nome de guerra, que é como ele é reconhecido dali em diante… especialmente quando se torna uma figura tão importante na constante guerra dos Fremen, nativos de Arrakis, contra o domínio da Casa Harkonnen e a exploração desenfreada do planeta em busca de especiaria. A chegada de Muad’Dib, outrora um Duque da Casa Atreides, muda o panorama de uma batalha longa.

Gosto de acompanhar a jornada de Paul Atreides/Muad’Dib, e de como o personagem se transforma durante o filme. Há um quê de admirável na maneira como ele aprende depressa a viver no deserto, ou na grandiosa cena na qual ele atrai e monta um Shai-Hulud, um dos vermes da areia, algo que supostamente apenas os Fremen podiam fazer… e, assim, a sua imagem como Lisan al Gaib, o profeta/messias/salvador, ganha força – ainda que ele mesmo não se enxergue como esse messias que guiará o povo de Arrakis de volta ao Paraíso, essa é uma narrativa endossada por aqueles que acreditam e por sua própria mãe, Lady Jessica, que se torna a Reverenda Madre daquela tribo de Fremen depois de tomar a “Água da Vida” e se tornar uma figura quase mítica.

O filme brinca com as dualidades de Muad’Dib, e eu acho que esse é o melhor elemento de “Duna”: a maneira como Paul começa e termina o filme como pessoas completamente diferentes. As cenas com Chani, talvez as mais esperadas por parte do público, conferem a Paul certa humanidade, porque é quando ele se mostra vulnerável, é quando ele fala de seus medos, quando ele expressa sentimentos… por outro lado, o vemos como Muad’Dib como um verdadeiro guerreiro Fremen, minando os esforços do Barão para a extração de especiaria e de fato se tornando um problema para o Império, e vemos essa “grandiosidade” e essa “liderança” serem exacerbadas de maneira quase assombrosa na reta final do filme, quando ele assume a posição de Lisan al Gaib.

Com todos os problemas que Muad’Dib e os Fremen estão trazendo para o Barão e para o Império, o filme também consegue se debruçar sobre uma outra faceta da história, e é gostoso poder explorar outros lugares e outras relações… poder entender a eminente queda do Imperador, as ações da Princesa Irulan, os planos de controle das Bene Gesserit, que na verdade sempre estiveram no controle, e a maneira como o Barão Vladimir Harkonnen tenta empurrar seu sobrinho e herdeiro da Casa Harkonnen, Feyd-Rautha, como o próximo grande poder da galáxia. Feyd-Rautha tem, de certa maneira, um papel menor do que eu esperei, mas é uma figura assustadoramente fascinante, que simboliza toda a crueza dessas relações de poder do Império.

E um adversário interessante para Muad’Dib.

Quando Muad’Dib ruma ao sul de Arrakis com os demais Fremen, o filme tem um ponto de virada importantíssimo no qual, ao tomar a Água da Vida, Muad’Dib passa por uma transformação semelhante àquela pela qual Lady Jessica passara no início do filme ao se tornar Reverenda Madre – e é quase assustador ver a mudança nas expressões, no tom de voz, nos discursos… toda a cautela e, quiçá, insegurança que um dia existiu em Paul Atreides e que estava se dissipando conforme ele crescia como Muad’Dib parecem evaporar por completo após tomar a Água da Vida, e ele assume deliberadamente a posição de Lisan al Gaib, o Messias aguardado de Duna, o posto que foi cuidadosamente preparado por ele durante todo o filme, instigando a crença cega.

Acho extremamente apavorante, inclusive, essa crença cega, esse fanatismo religioso que toma conta de Arrakis e coloca Muad’Dib quase na posição de um deus, e que é, de certa maneira, o centro narrativo de “Duna: Parte II”. Curiosamente, ainda que não concorde com isso em nenhum momento, Chani acaba tendo um papel essencial, como Primavera do Deserto, na ascensão de Muad’Dib como Lisan al Gaib, quando suas lágrimas ajudam a trazê-lo “de volta à vida” depois de tomar a Água da Vida. A prova final pela qual os fundamentalistas estavam esperando. Mas ela não se curva em nenhum momento, ela não vai segui-lo cegamente… ela não o reconhece mais como a pessoa que chegou anteriormente a Arrakis e por quem ela se apaixonara.

Não sei qual é a trama futura de Chani nos demais livros de “Duna”, mas eu acho que ela pode ser uma antítese interessante da pessoa em quem Paul Atreides se transformou… afinal de contas, ela sempre foi um contraponto interessante a Lady Jessica ou mesmo a Stilgar, que acreditava veementemente que Paul Atreides era Lisan al Gaib desde o começo. Em um dos seus diálogos mais importantes, Chani fala a respeito dos fundamentalistas do Sul e de como o fanatismo religioso deles e a Profecia em que tanto acreditam nada mais é do que uma forma de escravizá-los e de silenciá-los – algo em que querem que eles acreditem enquanto esperam passivamente por “salvação” externa sem fazer nada. Mas ela pretende lutar por seu povo e seu planeta.

E não por um Messias de Duna.

A reta final de “Duna: Parte II” entrega os melhores momentos do filme, na minha opinião. Toda a trajetória de Paul Atreides à Muad’Dib à Lisan al Gaib culmina no seu discurso frente aos Fremen, seu desafio ao Barão Harkonnen, que ele descobre ser seu avô (portanto, ele é tanto um Atreides como um Harkonnen!), e seu desafio ao Imperador Shaddam IV. Gosto muito do duelo entre Muad’Dib e Feyd-Rautha, e a inteligência da ausência de uma trilha sonora muito marcada, tornando-nos espectadores daquela batalha intensa, na qual os sons da batalha em si é o que importa e o que torna tudo tão realista, tão próximo de quem está assistindo… e, consequentemente, tão impactante. Só sinto que Feyd-Rautha talvez tivesse mais a entregar se não tivesse morrido ali.

Há MUITO a se explorar à frente. Muad’Dib, mais poderoso do que nunca, ruma a uma guerra contra as Casas, invocando uma Guerra Santa, enquanto Arrakis sonha com o Paraíso Verde ao qual o Lisan al Gaib os conduziria um dia, segundo a Profecia, e nos perguntamos que papel a filha de Lady Jessica desempenhará no futuro de “Duna”. É, certamente, um filme impactante, competente em tudo o que se propõe a fazer, e muito mais empolgante, na minha opinião, do que a Parte I. Impossível não reconhecer sua grandiosidade ou sua importância para o gênero de ficção científica. Sem ter lido os livros e não conhecendo a história de “Messias de Duna”, eu estou proporcionalmente assustado e empolgado com o que está por vir. Ainda ouviremos falar muito de “Duna”.

 

Para a review de “Duna: Parte I”, clique aqui.

 

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