Vidas Passadas (Past Lives, 2023)
“What if
this is a past life as well, and we are already something else to each other in
our next life? Who do you think we are then?”
Eu não sei
se todo mundo está preparado para assistir a “Vidas Passadas”… para enfrentar a crueza e a intensidade da
história de duas vidas que, de uma maneira ou de outra, estão entrelaçadas ao
longo dos anos. Hae Sung e Na Young se separaram aos 12 anos de idade, quando a
família de Na Young se mudou para os Estados Unidos e ela se tornou Nora Moon,
e conforme eles crescem e vivem vidas completamente diferentes um do outro,
alguma coisa ainda os mantém unidos – “Vidas
Passadas” é muito mais do que um filme sobre o amor romântico… é, também,
um filme sobre o impacto que causamos nas vidas de outras pessoas, sobre
expectativas e projeções, sobre ser feliz e sobre a necessidade de se fechar
ciclos adequadamente.
Emocionante,
belo e real, “Vidas Passadas” é uma
experiência impactante – daquelas que, se assistimos de coração aberto para
ouvir o que ele tem a dizer, nos deixa reflexivos por longos minutos quando o
filme chega ao fim… exibido originalmente no Festival de Sundance em 21 de
janeiro de 2023, o filme chegou aos cinemas em 02 de junho do mesmo ano, com
distribuição feita pela A24, e se tornou uma aclamação mundial, acumulando
aprovação da crítica, do público, uma série de prêmios importantes (!) e,
inclusive, uma indicação como Melhor Filme no Oscar de 2024. É um drama
belíssimo e sem exageros… com os pés no chão, o filme transborda humanidade e
sinceridade ao retratar as relações imperfeitas que construímos durante a vida.
A direção de
Celine Song dá à história um tom que envolve beleza e romance, mas também
melancolia e poesia, de maneira a torná-lo muito mais pungente. É impossível
passar por “Vidas Passadas” sem se
importar com os personagens, sem fazer uma série de leituras e, quem sabe,
pensar na própria vida, sem se encantar pela delicadeza e pelo cuidado com que
o roteiro é conduzido, lidando com temas pertinentes sob um olhar honesto.
Grande parte da força do filme está, a meu ver, nas atuações sinceras que são
entregues com todo o coração, e nos diálogos tão bem-escritos que
ocasionalmente me deixaram sem fôlego – a conversa de Nora e Arthur na cama
mexeu bastante comigo; a conversa de Nora e Hae Sung no bar me deixou com
lágrimas nos olhos.
Mas um sorriso no rosto?
24 anos
atrás, quando eles tinham apenas 12 anos de idade, Nora e Hae Sung se
separaram. Na época, eles eram grandes amigos, possivelmente apaixonados um pelo
outro, tanto quanto se podia ser nessa idade, e eles se despediram sem saber se
um dia voltariam a se ver. Doze anos mais tarde, eles se “reencontraram”
através das redes sociais, quando Nora estava tentando encontrar pessoas da sua
infância e descobriu que Hae Sung esteve procurando por ela meses atrás… e,
então, eles passam a conversar diariamente
por videochamadas, percebendo o quanto eles
sentiam a falta um do outro. Eventualmente, no entanto, Nora encerra as
conversas porque ele não pode ir para Nova York, ela não pode ir para Seoul, e
talvez eles não possam viver em uma quase
relação ilusória que os impede de viver a realidade.
Eles ainda
precisam viver a própria vida, não?
Mais doze
anos se passam, nos trazendo de volta ao presente… Nora Moon está casada há 7
anos com Arthur; Hae Sung terminou recentemente um relacionamento e está
prestes a ir para Nova York para as férias. E então, pela primeira vez em 24
anos, eles vão se encontrar novamente.
É curioso como esse é um reencontro pautado por expectativas e projeções… eu
não desmereço, de modo algum, a importância um na vida do outro, mas isso foi
naturalmente exacerbado pela imagem que um construiu do outro em sua própria
mente ao longo de todos os anos em que eles não
estiveram juntos. E no momento em que eles se encontram, é quase paradoxal a
maneira como eles não sabem o que falar, mas, ao mesmo tempo, eles têm tanto a
dizer.
O
reencontro, 24 anos depois, é muito mais melancólico, sentimental e realista do
que eu poderia esperar. Não é o destino os unindo, não é o momento em que “ela
larga o marido para viver o seu grande amor” nem nada disso, embora Arthur tema
que seja o caso em uma das minhas cenas favoritas de “Vidas Passadas”, na qual ele se pergunta o que os levou até aquele
momento e fala sobre ela “sonhar em coreano”. Mas a verdade é que Hae Sung e
Nora viveram vidas diferentes e separadas um do outro. Ao mesmo tempo, não tem
como saber que eles não teriam sido
felizes se ela tivesse ficado em Seoul 24 anos antes ou se ele tivesse ido para
Nova York 12 anos antes – mas a vida não pode ser feita de “e se”. Há uma
espécie de reconhecimento mútuo na maneira como eles conversam e se entendem…
Tudo o que
eles dizem. E tudo o que fica não dito em
palavras também.
E, como eu
já comentei, são diálogos lindíssimos.
Adoro o
filme por ele ser belo e corajoso – por ele não ser uma utopia colorida e
fantasiosa, mas tampouco ser um drama exagerado. Ele transpira realidade. Curiosamente, amamos o Arthur por ele ser
um homem maduro o suficiente para compreender
tudo o que está acontecendo, para entender que Nora e Hae Sung têm um ciclo a
ser fechado e que eles foram e sempre serão importantes um na vida do outro,
mas isso não quer dizer que ela vai “sumir e fugir com ele de volta a Seoul no
dia seguinte”. A conversa dos dois no bar, a honestidade de Hae Sung ao dizer
como passou muito tempo imaginando como
seria a vida deles se eles tivessem ficado juntos… é nesse momento que uma
das minhas frases favoritas no filme é dita: “Eu não sabia que gostar do seu marido me doeria tanto”.
Aquilo me
atingiu em cheio.
É um
encontro bonito, e necessário – mas que chega ao fim, vira uma página e acho
que ambos seguem adiante, de alguma maneira. A despedida de Nora e Hae Sung é
outro soco no estômago quando, antes de entrar no táxi, Hae Sung retoma a
conversa sobre “vidas passadas” que eles tiveram no bar, e se pergunta se essa
também já não é uma vida passada e,
se for, o que será que eles são um para o
outro na próxima vida. A verdade é que nenhum deles sabe. Ele se despede,
dizendo que “eles se veem em breve”, e eu não sei se ele quer dizer em algum
outro momento nessa vida ou na próxima… mas não importa. Eles sempre se amarão,
de um jeito ou de outro. Não acho que seja, no fim, de fato um amor romântico… mas definitivamente, é
algo intenso, real e impossível de negar.
Nora volta
sozinha para casa e chora assim que Arthur a abraça e a acompanha para dentro…
A “garota chorona” de quem Hae Sung se
lembra. A garota que ele trouxe de volta para ela.
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