Pearl (2022)
“All I
really want is to be loved”
Menos um slasher e mais um drama com pitadas de slasher, “Pearl”
é o segundo filme da franquia “X” e,
particularmente, eu o considero melhor do que seu antecessor, mas gosto demais
dessa proposta de eles se complementarem mutuamente: são ótimos filmes que se
tornam ainda melhores em paralelo. Também lançado em 2022, apenas meses depois
de “X”, “Pearl” se passa em 1918 e acompanha a juventude da dona da fazenda
em que, em 1979, uma equipe de produção de um filme pornográfico chega,
trazendo Maxine, uma garota que faz com que Pearl se lembre dela mesma.
Acredito que “Pearl” é mais complexo
e incrivelmente mais desafiador para Mia Goth, que segue dando um show
interpretando uma personagem repleta de facetas.
Sinto que se
no primeiro filme Mia Goth era a estrela, mas dividiu seu protagonismo com
outros, “Pearl” é realmente um filme
DELA, e que ela sustenta brilhantemente – amparada, sim, por um bom roteiro,
mas com um magnetismo que é desconcertante e inevitável. Muito da psique da
personagem é construído em detalhes em seu olhar, sua postura, suas expressões…
de maneira sutil e crescente durante o filme, culminando naquele descontrole
final e naquela expressão propositalmente exagerada que nos acompanha durante
os créditos do filme (exagerada, mas real
e condizente coma personagem construída), se prolongando justamente para nos
deixar desconfortáveis (inclusive, a coragem dessa “cena” faz com que ela se
torne uma das minhas favoritas no filme).
Pearl é uma
jovem que vive na fazenda dos pais, e tudo com que ela mais sonha é com o dia
em que ela finalmente vai poder ir embora
dali… para o mais longe possível. Pearl sonha em ser uma estrela como as
garotas bonitas que ela vê furtivamente na tela de cinema toda vez que precisa
ir à cidade, e ela aguarda o dia em que será ela na telona e sua vida será
diferente desse poço de limitação e infelicidade no qual está enterrada. Pearl
tem que lidar com uma mãe rigorosa e amargurada, com um pai doente em estado
vegetativo, com o marido que foi para a guerra e não escreve há tempos, então
ela nem sabe se está vivo, e com a pandemia de gripe espanhola que deixa todo
mundo meio apavorado. É o retrato de uma vida infeliz e frustrado de uma alma
que outrora fora cheia de sonhos.
Uma bela
origem para a personagem de “X”.
Gosto
bastante do personagem do Projecionista (interpretado pelo sempre lindíssimo
David Corenswet), e como ele é um catalisador para a virada de Pearl. É o
sedutor e charmoso Projecionista quem apresenta à Pearl uma nova variedade de filmes, que trouxera
da França, e em quem ela deposita todas as suas esperanças de ir para a Europa
e acabar no cinema… o filme é construído de forma inteligente ao unir os dois
e, depois, ao contrapô-los, a partir do momento em que o Projecionista percebe
que tem alguma coisa errada e assustadora
com ela, e Pearl se recusa a “ser abandonada”. O Projecionista é o primeiro
assassinato intencional de Pearl, e a cena é fortíssima com a garota dizendo
que nem ele nem ninguém vai “confiná-la” àquela fazenda para sempre.
A
“transição” de Pearl não é abrupta, não é inadvertida e nem acontece de fato
durante o filme. Na verdade, o recorte coberto pelo filme é uma parte diminuta
de uma psique conturbada que esteve ali
desde sempre e que foi motivada por uma série de fatores já mencionados…
acho interessante como isso é construído desde
sempre no filme, através de todos os detalhes. Gosto demais de toda a cena
de Pearl com o espantalho, depois da primeira vez que ela vê o Projecionista: a
maneira como ela escala para soltar o espantalho e pedir-lhe “uma dança”, ou
como ela “transa” com o espantalho e vê nele o rosto do homem que acabara de
conhecer… naquele momento, ainda estamos na
parte inicial do filme, e eu acho que é um dos grandes momentos de Mia
Goth.
Atuação de
se tirar o chapéu!
Também amo
toda a cena do ganso, por exemplo, que mostra uma dualidade sempre presente – o
filme faz questão de mostrar facetas
de Pearl quando ela está se imaginando como uma estrela de cinema no celeiro e
termina a cena matando um ganso brutalmente e, em seguida, o levando para
Theda, o seu “jacaré de estimação” e cúmplice… o mesmo para quem ela teria
entregado o pai, que considera um peso, se a mãe não tivesse aparecido. Isso
tudo combina com aquela fala da mãe sobre como “existe maldade dentro de
Pearl”, e essa “maldade” está encontrando o seu caminho para fora. Os pais são
outras duas vítimas de Pearl, duas “amarras” das quais ela está se libertando,
e sem as quais ela acredita que poderá finalmente voar… e uma audição na igreja pode ser a sua chance.
A audição é
o clímax perfeito para “Pearl”. A
jovem deposita todas as suas esperanças de sair
da fazenda à qual se sente presa em audições para dançar que vão acontecer
na igrejinha da cidade, e ela entrega o que considera “a sua melhor
performance” – mas ela não é considerada boa o suficiente, porque não é o que
eles estão buscando… eles querem alguém que seja “mais americana” e “mais
loira”, o que eu acho que é um aceno divertido à fala de Pearl a Howard em “X” depois de ela matar Bobby, sobre
como “ela não gosta de loiras”. Se o Projecionista foi o primeiro catalisador
para quem Pearl se tornaria, a rejeição na audição da igreja e o fato de Mitsy,
sua cunhada, ser escolhida em seu lugar é o segundo… e, a partir dali, as
coisas nunca mais seriam as mesmas.
A conclusão
do filme tem, como eu comentei inicialmente, seus toques de slasher, mas também com uma carga
emotiva fortíssima, que é acentuada por uma atuação pungente de Mia Goth – é
impossível assistir a “Pearl” e não
sair fascinado com o poder que ela
tem! O seu longo monólogo quando Mitsy sugere que ela imagine que ela é o
Howard e diga tudo o que ela quer dizer é, sem dúvida, a cena mais impactante e
mais difícil do filme… com a câmera parada, tudo está na força do texto e da
atuação, e a cena é de arrepiar! Se aquela já teria sido uma bela conclusão ao
filme, a morte brutal de Mitsy e aquela montagem na qual Pearl alimenta Theda e
coloca os pais sentados à mesa é um acréscimo fenomenal, culminando no retorno
de Howard e seu choque em ver aquela cena…
Não preciso
nem falar da expressão de Pearl aqui, porque já a elogiei por isso: simplesmente, arte.
Sério, que
filme! Muito, muito bom!
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