Ender’s Game


Um futuro repleto de guerras e sem muita esperança no qual o governo “encomenda” crianças e as treina na arte das batalhas para impedir uma “Terceira Invasão” alienígena. É basicamente essa a história de Ender’s Game, ou é nisso que querem que acreditemos, mas a verdade é que muito mais do que duas invasões dos buggers são retratadas. Claro, tudo parte da premissa de que os alienígenas atacaram a Terra duas vezes quase dizimando a raça humana, e para preparar-nos para a próxima invasão, os governos estão pegando crianças com a promessa de serem gênios militares para liderar a próxima guerra.
É um livro muito complexo, muito mais do que muita gente imagina. O número de atrocidades que presenciamos é tremendo, e a narrativa é muito inteligente. Envolvente e muito ágil, o tempo passa depressa e os anos correm durante a leitura do livro, capaz de correr 2 anos em um único capítulo – então você vê as histórias crescendo, as implicâncias de todas as ações e os personagens se transformando, sendo moldados e manipulados de acordo com os interesses maiores. Embora eu tenha muitos personagens pelos quais tenho um carinho imenso, parece que conhecemos realmente apenas o Ender.
Os demais foram coadjuvantes.
Mas conhecemos Ender de verdade. Acompanhamos o menino “frágil” de 6 anos que nasceu para se tornar um líder mundial na Guerra, e que não sabe muito bem o que está acontecendo. Que é mandado para a Battle School e testado de maneira intensa continuamente, por colegas e professoras – que é puxado ao extremo e colocado em situações absurdas que o obrigam a tomar decisões impensáveis para uma criança. É enganado, manipulado, mas ao mesmo tempo é incrivelmente esperto e inteligente para notar as coisas que estão acontecendo, lutar contra isso, e sempre surpreender quem quer que esteja com algum plano para ele. Incrível.
As crianças de Ender’s Game não parecem crianças.
Acho que os professores da Battle School são absolutamente ridículos – o livro é bastante extremista, e não tem como defender um ou outro lado sem que sejamos totalmente alienados, mas acho que cada um tem uma estratégia muito bacana e forte que torna a escrita de Olson tão inteligente quanto o é. Mas ao mesmo tempo é revoltante – revoltante ao extremo por parecer tudo uma grande brincadeira, um grande jogo, quando na verdade são vidas que estão ali e o tamanho das atrocidades são terríveis. Todo e qualquer senso de justiça é esquecido e vemos situações exageradas que nos enojam.
Defendo Ender. Sempre defenderei Ender. E o acho um personagem fascinante, por todas suas facetas. Um soldado e líder perfeito como exaltado pelos professores, ele é muito mais do que isso. Diferente do que eu imaginei ao começar o livro, o autor conseguiu aprofundar-se na personalidade e criar alguém convincente. Jovem, jovem demais, mas convincente. Jovem demais, digo, porque não me parece uma criança de 6 anos quando o livro começa. De maneira alguma. Nem mesmo os horrores da escrita, o tipo de piadas e as conversas nada infantis…
E os objetivos.
Mas eu entendo a idéia. Ele quer que eles sejam tão novos assim para que possamos reconhecer o verdadeiro inimigo e possamos notar que a grande manipulação dessas autoridades vem desde sempre – mesmo quando as crianças estão nascendo. É uma criança de 6 anos totalmente sem escolha (não importa o que eles tentem argumentar aqui), com a vida devastada por uma guerra que pode nem mesmo existir… é um livro muito conspiratório que me parece muito interessante, e um tanto quanto paranóico. Mas o cunho social e político que existe nele me encantou, porque eu juro que não foi por isso que eu comecei a lê-lo. Saber que muito mais se escondia na guerra Humanos x Buggers me deixou profundamente contente!
É claro que isso tudo exalta o horror da narrativa – não houve infância, roubada de todas aquelas crianças. E um dos maiores exemplos foi Bean, porque o vemos mais novo do que Ender (na época em que o personagem aparece pela primeira vez) e meio que fazemos projeções terríveis para seu futuro com base em tudo o que já vimos com Ender… que naquela época não tinha mais do que 8 anos e já parecia tão velho, tão madura, e tão forçado a crescer. A Battle School se preocupa com uma infinidade de outras coisas, menos com o bem-estar das crianças, destruídas o quanto for preciso, sem justiça ou qualquer tipo de carinho.
Por isso acho que o capítulo 12 (Bonzo) e o 14 (Ender’s Teacher) foram os dois melhores escritos pelo autor, que conseguiu nos surpreender e nos elucidar verdadeiramente os terrores de tudo. Em Bonzo tivemos o crescimento de Ender cada vez mais depressa, as poucas felicidades e amizades lhe roubadas muito bruscamente, uma triste conversa com Bean, e uma conversa entre os adultos que nos deixou apavorados. A que ponto chegamos? There was a death in the Battle School. E o 14 por mostrar que Ender está no fim de suas forces, por mostrar que após Petra desmoronar, Ender está cada vez mais próximo disso. “Mazer, I don’t want to keep dreaming these things. I’m afraid to sleep. I keep thinking of things that I don’t want to remember” – tudo isso em paralelo com os sonhos terríveis e transtornados, as mãos tremendo, as lágrimas, as tentativas de suicídio enquanto está dormindo.
Assustador.
Gostei do sentimento de amizade, e como isso foi colocado. Porque diferente do que pensávamos, o primeiro grande amigo de Ender foi Alai, e os dois tiveram a melhor amizade possível – o amor por Valentine, a irmã, parecia muito distante. Bean, tão irritante em suas primeiras cenas, ganhou nosso coração e nossa torcida. E o fato de Ender estar sempre tão isolado fazia com que as suas projeções de amizade fossem sempre mais fortes do que elas realmente eram, então era bonito ouvir a reentrada de Petra, Bean, Alai, Dink, Shen e Crazy Tom na história… e ainda mais sofrido quando elas se afastassem para que Ender não fosse um amigo, apenas um comandante eficiente.
“What do we do now?”
“We are kids”
Ender’s Game é inteligente e repleto de fases – odiamos os professores, mas também admiramos a complexidade do plano e a assustadora eficácia que eles apresentam. Mas eu gosto de ver as soluções inusitadas para as mais injustas batalhas, os momentos de revolta de Ender quando ele decide não jogar mais (“How stupid do you think I am?” ou “I don’t care about the game anymore!”). E acho que o título é muito cabível e só se entende totalmente no fim do livro, quando você tem todos os dados na mão e entende a grandiosidade desse “jogo”. E a certeza de que esse garoto jamais será o mesmo, traumatizado e horrorizado – o tipo de coisa a que a narrativa sombria o submeteu. Uma brincadeira muito grande com essas vidas.
Acho que o livro é bastante amplo e muito bem amarrado como uma história completa e bonita. Conhecemos Ender Wiggin aos 6 anos quando tiram o monitor de sua cabeça, e o acompanhamos por tanto tempo que acabamos com Andrew Wiggin – uma pessoa que parece totalmente diferente, quando ele já deve ter pelo menos 23 anos pelas minhas contas. A história apresenta um começo, meio e fim, e termina com um teaser bacana que não necessariamente precisava de continuação, era bom apenas para nos fazer pensar… bonito, emocionante e muito inteligente, o último capítulo é extremamente complexo e surpreendente. O livro te encanta do começo ao fim, e você termina com a sensação de que realmente foram anos conhecendo esses personagens a fundo.
O autor, no entanto, é uma pessoa preconceituosa e desprezível. Muita polêmica envolve seu nome graças a seus depoimentos públicos contra a homossexualidade e o casamento gay, fazendo a Lionsgate se distanciar dele publicamente também. Muito me espanta, no entanto, que ele tenha então enchido seu livro de cenas de garotos correndo nus pelos corredores, ou mesmo uma luta no banheiro entre dois garotos nus e suados. Mas embora eu discorde totalmente de sua opinião acerca do assunto, isso não interfere em nada na sua escrita, e Ender’s Game é um ótimo livro, com uma ótima história e merece ser lido. Críticas e mensagens interessantíssimas. Uma narrativa incessante, criativa e inteligente. Recomendo.

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