The Matrix


Impossível falar sobre ficção científica e não mencionar a obra-prima dos irmãos Wachowski. Eles criam, em 1999, uma distopia marcante e revolucionária, que nos apresenta um mundo totalmente dominado pelas Máquinas, que escravizaram os humanos e os prendem em um programa de computador que os faz acreditar que estão vivendo suas vidas normalmente. Então com mais sucesso do que qualquer outra produção, The Matrix consegue questionar o mundo “real” e plantar todo tipo de dúvidas em nossas mentes, que são interessantíssimas, além de uma infinidade de reflexões. Até onde a escravidão é escravidão, se não me vejo como um escravo?
The Matrix é uma das produções mais bem-sucedidas, também, em misturar o gênero da ficção científica com a ação de maneira convincente – com cenas muito bem coreografadas, novas, e pertinentes à história. O filme criou um estilo de ação muito próprio que se consagrou mais tarde – mas na época de seu lançamento, foi uma grande invenção, e impressionou as pessoas de uma geração inteira, como a icônica cena na qual Neo pára as balas que vêm em sua direção. E como ele pode fazer isso? Simplesmente por que ele sabe que está dentro da Matrix. Saber que está dentro da Matrix, sendo controlado exteriormente, faz com que você possa, você mesmo, optar por controlar o que vê e o que faz, e isso é uma idéia genial do filme, uma das premissas mais interessantes.
Também adoro as alegorias, como o computador conversando com Neo logo que o conhecemos, e ele ainda é um mero programador preso dentro da ilusão da Matrix, antes de verdadeiramente tornar-se o Escolhido e fazer a diferença. “Follow the White Rabbit”Alice no País das Maravilhas é citado em mais de um momento, e podemos perceber os interessantes paralelos guiando a história de maneira inteligente, como Pinocchio guia Artificial Intelligence, por exemplo. Não só isso, mas também teremos uma das mais famosas quotes do filme referenciando O Mágico de Oz: “Buckle your seatbelt, Dorothy, ‘cause Kansas… is going bye bye”.
O filme é gigantesco, e é todo construído meticulosamente para guiar-nos em uma jornada ao lado de Neo – nada é apressado, e a complexidade de tudo nos é apresentada como se nós mesmo estivéssemos sendo acordados da Matrix e trazidos de volta para o mundo real. Sabe aquela sensação de não saber se está sonhando ou não? Lembro-me um pouco de Inception e dos contos de Philip K. Dick. Amo a cena de Thomas Anderson (vulgo Neo) na janela do prédio, guiado por Morpheus ao telefone, para fugir do Agente Smith que está tentando capturá-lo. A própria duplicidade de seu nome é importantíssima, pois ele já assume duas identidades mesmo antes de saber da ilusão: uma de Thomas Anderson, um respeitável programador e Neo, um hacker poderoso na internet, em busca de Morpheus, e a verdade.
What is the Matrix?
É atormentador conhecer as maneiras como a Matrix funciona, e ver cenas tenebrosas como o momento em que Neo perde a boca, ou então o bug colocado nele pelo seu umbigo. Não que o filme não vá brincar com esse tipo de cena o tempo todo antes de Neo ser retirado para o mundo real, nos fazendo questionar o que era sonho e o que era realidade. Se alguma coisa foi sonho e se alguma coisa foi realidade. Sempre as cores escuras ou então esverdeadas, que conferem o estilo clássico do filme que sempre nos lembramos. As imagens que nos vêm à mente quando pensamos em Matrix sempre, sempre, evocam essas cores, e a fotografia do filme é muito bem construída em cima desses princípios.
The Matrix consegue questionar a nossa realidade de uma maneira singular. Ao ver o filme, duvidamos de tudo e de todos, olhamos para as ruas e lugares como se fossem todos criados e passíveis de mudança a qualquer momento, servindo a propósitos maiores que não cabem a nós. Toda rua vazia, todo prédio, toda pessoa é questionável, e o clima do filme sugere uma ilusão o tempo todo – como um sonho, como um programa de computador, como uma droga. E acabamos deixando o filme, após mais de 2 horas, atormentados, olhando para todos os lados e procurando sinais da Matrix. E assustados procurando por mudanças no mundo toda vez que sentimos um déjà vu.
“I don’t like the idea I’m not in control of my life”
Depois do choque inicial e de toda a premissa apresentada, precisamos conhecer o mundo real – Neo é levado até ele através de sua própria escolha, apresentada na icônica cena da Pílula Vermelha e da Pílula Azul. Uma das quais lhe levará à verdade, e a outra que lhe fará acordar novamente em sua cama, acreditando no que ele quiser acreditar. “Welcome. To the real world” – conhecer o “mundo real” através de Neo é quase tão chocante para nós quanto para ele, com uma cena que marcou história no cinema e em minha vida. Aquele futuro controlado por Máquinas, a desconstrução de toda uma realidade na qual ele e nós sempre acreditamos. Aceitar toda essa nova realidade não é simples.
Estamos próximos a 2199. Através de uma simulação Morpheus apresenta tudo o que aconteceu – “O que é real? Qual a sua definição de real?” – o mundo que Neo conheceu nada mais é do que o mundo antigo, do final do século XX, que agora só existe como parte de uma simulação chamada de Matrix. A Inteligência Artificial começou a se desenvolver no início do século XXI, e isso gerou toda uma nova geração de Máquinas, e em uma guerra subseqüente os humanos queimaram o Céu, na esperança de que então as Máquinas não sobrevivessem sem a luz solar. No entanto, a humanidade se viu escravizada, porque a energia produzida por eles era mais do que suficiente para sustentar as Máquinas, e como combustíveis, eles se tornaram escravos presos em um mundo de fantasias gerado pela Matrix, quando na verdade não passam de campos e mais campos de cultivação de humanos. Plantações de humanos.
De nós.
E como alguém poderia simplesmente acreditar nisso e aceitar isso com tanta facilidade? Completamente impossível! É com isso que o filme trabalhará então até o final, com Neo precisando entender qual é o mundo no qual vive, se adaptar à nova vida e entender como controlar e usar a Matrix e seus conhecimentos a seu favor. O filme aposta em diferenças alarmantes entre o “mundo real” e o “mundo da Matrix”, quando na verdade os dois parecem igualmente desesperadores, e é difícil saber por quem ou o quê torcer. Dá um desejo muito grande de poder voltar no tempo e escolher a Pílula Azul e deixar isso tudo para trás.
Uma das coisas mais importantes de Matrix são as suas bonitas mensagens e todas as frases de efeito que marcaram uma época, das quais ainda nos lembramos hoje com tremenda nostalgia. Como “Eu estou tentando libertar a sua mente, Neo, mas eu só posso abrir a porta. Você é quem tem que atravessá-la” ou a mais que perfeita cena no Oráculo em que ele conhece um garoto capaz de entortar colheres. “Do not try bend the spoon. That’s impossible. Instead, only try to realize the truth. […] There’s no spoon”. THERE’S NO SPOON! Se eu tivesse que escolher apenas uma frase para definer The Matrix como um todo certamente seria essa. There’s no spoon.
O clímax do filme segue puxando mais para o lado da ação – Matrix fez sua parte questionando nossa realidade e criando um dos mais convincentes e complexos roteiros de ficção científica já feitos. Agora é o momento de termos lutas nesse maravilhoso estilo, e a marcante cena na qual Neo realmente se assume como o Escolhido – é impactante demais vê-lo acordar graças a Trinity após todos aqueles tiros, parar todas as balas no ar com a mão estendida, começar a ver a Matrix em clássicos códigos verde, e a luta despreocupada como se nem estivesse prestando atenção. E o desfecho, com ele voando.
THE MATRIX é um ícone na cultura nerd, e não só para nós, como também para todos os amantes de cinema. O filme, difícil de igualar-se, traz tudo o que mais adoramos: um roteiro complexo e bem amarrado, cenas muito bem filmadas e a ação bem coreografada, e essa capacidade de questionar a realidade de maneira convincente, fazendo-nos passar dias e dias pensando em teorias e questionando-nos a respeito do filme. Infelizmente as duas sequências não são tão boas, por isso eu dificilmente as vejo – acabou a surpresa, acabou o grande trunfo que o original traz em si: a teoria de que o seu mundo não é real.

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