O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares (Ransom Riggs)
Tudo está à espera para ser
descoberto em O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares, um romance inesquecível que mistura ficção
e fotografia em uma experiência de leitura emocionante. Nossa história começa
com uma horrível tragédia familiar que lança Jacob, um rapaz de 16 anos, em uma
jornada até uma ilha remota na costa do País de Gales, onde descobre as ruínas
do Orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares. Enquanto Jacob explora
os quartos e corredores abandonados, fica claro que as crianças do orfanato não
apenas são peculiares, mas ainda podem continuar existindo, para sempre presas
a um único dia, 03 de Setembro de 1940, em uma fenda temporal.
É o que Jacob está prestes a
descobrir…
QUE LEITURA FENOMENAL! Na capa de minha edição eu
encontrei os seguintes dizeres: “Eleito
uma das 100 obras mais importantes da literatura de todos os tempos”. Não
fui atrás de pesquisar quem disse isso, mas ler o livro já te prova que isso
faz todo o sentido. O Orfanato da Srta.
Peregrine para Crianças Peculiares é um livro impactante sem igual. Ransom
Riggs consegue criar uma atmosfera impressionante de suspense que mistura o
surreal com o sofrimento de uma realidade dolorosa. De forma tensa, o livro se
desenvolve no limiar entre a fantasia, o suspense e o terror. O resultado é
forte. O autor se apropria da voz de Jacob para narrar de uma forma
inegavelmente irrefutável, e evoca uma veracidade inigualável e arrepiante que
te guia pelos tormentos da mente de um jovem traumatizado que encontra uma
maneira para viver com os horrores que sua vida monótona lhe infligia. Li em
duas sentadas básicas o livro todo, e foi uma experiência tão incrível que eu
recomendo a todos. De uma leitura envolvente, você não tem vontade, de jeito
nenhum, de largar o livro enquanto não sabe o que vai acontecer.
Mas prepare-se para muita melancolia.
Parece-me que o livro é envolto em melancolia. Ele
começa apresentando a intensa relação de Jacob com seu avô, Abraham, e com suas
histórias fantásticas. O avô enchia a cabeça do garoto com histórias sobre um
orfanato em uma ilha galesa onde viveu na sua infância, e onde as crianças eram
capazes de coisas extraordinárias como voar, levantar pesos incríveis e ter abelhas
morando dentro de si – tudo ressaltado por fotos antigas que ele mostrava ao
neto. A fantasia se desfaz ao passo que Jacob cresce, tornando-se um jovem com
uma família controversa e um emprego que detesta, e ele percebe que o avô só
gostava de lhe contar histórias que o divertissem, mas eram tão reais quanto o
Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa. Mas não importava. Ainda assim o amor que
Jacob sentia pelo avô era intenso e bonito demais, e nós temos um primeiro
capítulo quase inteiramente sobre isso e é deveras comovente. Definitivamente,
é uma das coisas que mais me marcou ao longo da leitura, perceber a conexão
inegável de Jacob com Abraham.
No entanto, o avô é brutalmente assassinado. Ali
começam os tormentos que Jacob não esperava ter que enfrentar na vida.
Paranoico e cada vez mais acreditando nas fantasias que criou, Abe se torna um
perigo para ele mesmo, mas acaba assassinado próximo à sua casa (onde morava
sozinho), supostamente por cães selvagens. É traumatizante para o leitor,
imaginem para Jacob, que vê o avô sangrar até a morte em seus braços, enquanto
diz coisas aparentemente sem sentido. “Não
há tempo. Encontre a Ave. Na fenda. Do outro lado do túmulo do homem velho.
Três de setembro de 1940. Emerson… a carta. Conte a eles o que aconteceu, Yacob”.
Dicas que Jacob vai incessante e insanamente perseguir em uma busca implacável
para dar sentido às últimas palavras do avô. Tudo é muito dúbio, e eu adoro a
dualidade do enredo. Riggs brinca com possibilidades aterradoras de um estresse
pós-traumático quando Jacob não sabe lidar com a terrível morte do avô, de quem
era tão próximo, e as dicas para nossas próprias interpretações estão
espalhadas ao longo de todo o romance.
E você as caça loucamente.
No começo, minhas impressões sobre o livro
envolviam as palavras sombrio e melancólico, mas, especialmente, TRISTEZA.
Mesmo depois, quando o Orfanato da Srta. Peregrine aparece no dia 03 de
Setembro de 1940, e supostamente temos cores e alegria, a bizarrice ainda
melancólica produz uma inquietude perturbadora. Eu não sei o quanto aconteceu
de fato, e o quanto estava dentro da mente de Jacob, embora Dumbledore diria
que não há diferença. Acredito que são efeitos prolongados do estresse
pós-traumático após a terrível morte de seu avô, e o enredo quer que nós acreditemos
nisso, pelo menos até certo ponto. No entanto, outras dicas sugerem que 1940
pode ser real e é mesmo visitado por Jacob (embora devamos confiar num suspeito
narrador em primeira pessoa, cujas experiências não são compartilhadas por mais
ninguém inegavelmente real), com
coisas como as roupas com as quais ele volta para casa em sua primeira visita
(embora ele possa tê-las encontrado na casa e, doentiamente, as provado); a
maçã que Emma dá para ele (embora ninguém mais a veja, e ela amanheça como amanheceu);
e, o que mais me intriga, o bronzeado com o qual ele aparece ao voltar de um
dia todo no sol em um dia de chuva.
A minha impressão é de que todo o começo (mais de
100 páginas do livro) é muito intenso e meticulosamente detalhado para ser ignorado. O trauma pelo qual Jacob passa
é forte demais, e claramente definido. Ele fala sobre o transtorno profundo em
que se encontra quando não consegue, por exemplo, sair da lavanderia, que é o
único lugar da casa onde não têm janelas, então ele se sente mais seguro. O
trauma cria situações e histórias malucas para preencher lacunas que a memória
de Jacob escolheu esquecer. Ele aos poucos começa a acreditar na história
oficialmente aceita para a morte do avô. Ele se permite voltar a acreditar que
as histórias eram, e sempre foram, mentiras fantasiosas que Abraham criou para
lidar com o passado de tormenta com o qual convive, e no qual aprisionou Jacob
também graças à sua proximidade. Tudo retorna assustadoramente quando Jacob
encontra a carta da Srta. Peregrine, supostamente de 15 anos antes, e então
precisa descobrir quem ela é, agradecê-la. O que o leva à Ilha onde está o
orfanato no qual o avô viveu antes de sair para ir para a Guerra…
E ele o encontra em ruínas.
Os detalhes são abundantes, e eles explodem em
minha mente enquanto tento escrever esse texto. Sou APAIXONADO pela primeira
parte da narrativa, antes que Jacob realize a travessia pela fenda, porque me
fascina tentar entender como a mente dele trabalha na tentativa de se convencer
de que há algo a mais. Já na Ilha, por exemplo, as histórias de como, no dia 03
de Setembro de 1940, a ilha foi bombardeada e o Orfanato destruído são
impressionantes. E falam sobre um sobrevivente, Abe. Talvez fosse mais fácil
para Abe acreditar que as crianças e a Srta. Peregrine continuavam a existir,
presos em uma fenda temporal, eternamente em Setembro de 1940. Talvez as
crianças e a Srta. Peregrine de fato tenham continuado a existir, presos em uma
fenda temporal, eternamente em Setembro de 1940. E essa dualidade é o que mais
me fascina no livro de Ransom Riggs. Ao mesmo tempo em que ele pode estar
descobrindo toda uma história por trás da morte do avô e sua própria vida, a
qual ele quer finalmente dar sentido, ele pode estar tentando dar sentido às
últimas palavras do avô.
Afinal de contas, todos os elementos surgiram de
lá…
…ou será que Abe disse aquilo porque de fato tudo
aquilo existiu?
Grande parte do roteiro NÃO se passa no Orfanato
nem do lado de lá da fenda temporal, diferente do que eu imaginava. O roteiro é
um intermeio entre a abordagem de terror, que eu esperava pela capa e sinopse
do livro, e a de fantasia, pelas fotos do filme. Quando Jacob, por acaso,
atravessa a passagem pelo túmulo do homem velho e adentra a fenda temporal, lentamente
conhecemos as crianças que fizeram parte da infância de Abraham e agora passam
a fazer parte da vida de Jacob – Emma, a garota que o confunde com um acólito,
apaixonada por seu avô, que transfere os sentimentos a ele, e pode acender fogo
com as mãos; Olive, a garota que se não estiver presa ao chão sai voando; Hugh,
o garoto que convive com várias abelhas dentro de si. E assim por diante. E a
Srta. Peregrine, a adulta (que vira uma ave) responsável pela segurança de
todos dentro da fenda temporal. As passagens do lado de lá não são tão extensas quanto eu achei que seria, e o
interlúdio entre as duas facetas da história é que se constituem no mais
impactante. E mesmo quando estamos do
lado de lá, as coisas funcionam de forma meio macabra.
Vale ressaltar que é um lugar bonito, colorido e supostamente muito feliz, mas não é bem
assim na realidade – os segredos guardados envolvem a narrativa em um conjunto
tenso de mistérios a serem desvendados. Vejo toda a realidade dentro da fenda
temporal como algo perturbadoramente estranha.
O bizarro se encontra com o macabro em cenas angustiantes e doentias como a
passagem de Victor, por exemplo, e aquela cena de Jacob, Bronwyn e Enoch com
ele no quarto, morto… cena que viria a
ser essencial para a conclusão do livro. E o roteiro ainda brinca, de forma
inteligente, com um vai-e-vém contínuo entre o presente e o passado e,
diferentemente do que eu projetava no início da leitura, é um alívio vê-lo do lado de cá, por um motivo ou por outro.
Me peguei ansiando pelo momento em que ele cruzaria a fenda de volta à
“realidade” que é o presente, com seu pai na ilha, ardente por mais informações
e peças que eu pudesse encaixar no meu quebra-cabeça pessoal que tentava
entender o que o Orfanato, como ele o via, de fato significava.
É bacana como Riggs mistura o colorido e o sombrio
tão bem.
E inverte os papéis de forma surpreendente. Porque
lá é mais sombrio que aqui.
Muita ação envolve a última parte do livro, e
explicações dadas às pressas, mas de forma satisfatória, sem interromper o
fluxo do roteiro. Entendemos de fato como acontecem as fendas temporais (e
gostamos de vê-la sendo reiniciada), assim como todos os conceitos básicos que
nos permitirão entender o caminhar da história. Então somos apresentados aos
etéreos (que me lembram Oods) e aos acólitos, em uma perturbadora revelação
sobre como Jacob fora observado durante toda sua vida (embora isso seja uma
marca possível de esquizofrenia, a questão de se sentir perseguido e observado,
especialmente quando o acólito toma a forma de seu psiquiatra), e então é
eletrizante, página a página, como as crianças lutam bravamente para se
defender e defender o lugar onde moram. Mas nas lutas que misturam o presente e
o passado, de forma novamente muito sombria, a Srta. Peregrine acaba presa na
forma de um falcão, enquanto a fenda
temporal não se reinicia. E então tudo é brutalmente modificado na vida de
cada um para o desenrolar da série que continua nos próximos livros.
Também peculiar, Jacob escolhe segui-los, no
passado. Jacob é um personagem fascinante acima de qualquer outro. Sua
complexidade e capacidade de surpreender superam qualquer outra característica
da obra, talvez. E eu gosto de pensar em sua mente inteligente criando todo um
cenário no qual consiga viver com o estresse pós-traumático de ter visto seu avô
morrer em seus braços. Acredito, inclusive, que a primeira metade do livro é
infinitamente MELHOR que a segunda, que não deixa de ser excelente. Mas minhas
convicções são intensamente questionadas quando ele escolhe estar junto dos
seus, e como eu disse, eu gosto de como Ransom Riggs foi bem sucedido ao deixar
isso aberto a interpretações. A despedida de Jacob do pai (e especialmente a
aparição das crianças peculiares para ele) é confusa, mágica e um tanto
desconcertante, até para nós. E então ele parte, de volta a [agora] 04 de
Setembro de 1940, com a possibilidade de “viajar no tempo” através de fendas do
passado em busca de outra ymbryne que
possa ajudar a Srta. Peregrine a voltar a sua forma humana e à sua posição
original de protetora das crianças peculiares. E mesmo que você pense que não,
é um final igualmente melancólico, como todo o restante do livro, aquele
barquinho com quatro pessoas, os navios de guerra atrás…
Melancólico e perturbador.
Por fim, não podemos terminar uma review de O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares e não
mencionar o INTELIGENTÍSSIMO uso das fotografias (reais!) de época para a
narrativa. Ela servem a uma função narrativa definida, intensificando
amplamente a veracidade da história, e nos fazendo pensar na forte impressão
que elas podem causar em crianças, que talvez tenham causado em Jacob.
Mostradas pelo avô e depois encontradas no baú descoberto no Orfanato em
ruínas… as fotos encontradas por Jacob, as lembranças escondidas pela casa, as
palavras do avô, tudo isso pode ter funcionado como um incentivo à criação da
mente de Jacob. De um modo ou de outro, eu ADORO as fotos, e acho que elas
tornam a leitura ainda mais interessante e muito mais perturbadora. Você passa
horas pensando naquelas fotos, sonhando com elas… mas é maravilhoso. Quanto às
experiências de Jacob, eu gosto de acreditar que tudo aconteceu de fato, porque
talvez seja melhor assim, mas a possibilidade de que tudo não tenha acontecido me fascina igualmente. De todo jeito, o livro
é INCRÍVEL e praticamente uma leitura obrigatória!
Acredite, você vai adorar!
Partindo para Cidade
dos Etéreos agora…
Reviews dos
próximos volumes da série, EM BREVE.
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