A Garota no Trem (The Girl on the Train, 2016)
You don’t know her. But she knows you.
Um daqueles filmes de suspense eletrizante que te
prende porque você está louco tentando descobrir de fato o que está acontecendo
– e quem é o culpado. Gostei demais
do estilo da narrativa, gostei dos flashbacks
se alterando de acordo com as memórias que voltavam ou informações que eram
descobertas, e do suspense gostoso criado a partir de sequências de rápidos flashes que não entendíamos bem até que
tudo se encaixasse. Fez com que tudo fizesse sentido, por fim, e foi
maravilhoso. O filme é bem diferente do que eu esperava, para falar a verdade,
e me fez pensar um pouco em Garota
Exemplar, embora não seja tão bom quanto. Estou com o livro de Paula Hawkins
há meses aqui em casa, sempre postergando a leitura, e agora estou curioso.
Estou curioso para saber como ela colocou aquilo nas páginas, mas também certo
de que eu não o lerei tão cedo. Acontece que o grande elemento de um suspense é
realmente prender-te porque você não sabe o que vai acontecer e quer descobrir
aquilo que a autora está tentando segurar para você até o fim, te fazendo
duvidar de uma e de outra pessoa.
O mistério já se resolveu para mim.
De todo modo, vamos ao filme. Estrelado por Emily
Blunt, como Rachel em uma interpretação tocante e inspirada, a trama traz uma
mulher que observa as casas que vê quando anda de trem, e imagina vidas para as
pessoas que encontra. Me identifiquei, até certo ponto, porque é algo que
costumo fazer quando viajo no banco do carona. Eu olho para as casinhas da
estrada, às vezes vejo uma televisão ligada, e sempre me passa pela cabeça quem
são aquelas pessoas, o que elas estão fazendo, ou o que já fizeram no dia, e,
principalmente, como é ser elas.
Rachel leva isso a uma profundidade extra. Acontece que, com todos os problemas
que enfrentou com o fim de seu casamento, Rachel se sente um lixo. Ela nunca
pôde engravidar, e aparentemente seu marido a abandonou porque ela era
alcóolatra e descontrolada (por causa de todo o trauma que a não capacidade de
engravidar causou). Então seu marido fez com que ela se sentisse a pior pessoa
do mundo, a culpou por todos os erros, e ela se sente terrível. Assim, sua vida
se resumiu a ficar na casa de uma amiga e pegar o trem, todos os dias, dentro
do qual ela olha para as casas e imagina vida para as pessoas.
É o que ela faz com Megan. Megan, para Rachel,
pode se chamar Jess ou qualquer outra coisa. Ela a observa e imagina toda uma
vida: ela é pintora; seu marido é
arquiteto ou médico. Eles são muito feliz juntos. Parece que “Jess”/Megan é
tudo o que Rachel quer ser. E então tudo desmorona quando, passando de trem,
Rachel vê Megan com outro homem. E ela fica transtornada. Ela se embebeda
novamente, ela fala sobre como queria matar aquela “puta”, e então, em uma cena
confusa, ela desce do trem, se encontra em um túnel no qual grita com ela, e
ela não tem muita noção do que aconteceu. Porque quando ela acorda, em casa, as
coisas já estão diferentes. Ela tem um típico apagão de quem não lembra o que
fez depois de ter bebido demais. E Megan desaparece no mesmo dia. Logo em
seguida seu corpo é encontrado e o caso é tratado como assassinato. E Rachel é
uma das primeiras suspeitas. Assim, ela se envolve em uma história que
aparentemente não tem nada a ver com ela, mas que surpreendentemente tem muito
mais a ver com ela do que ela esperava. É doentio, assustador, intrigante.
E perturbador.
Digo que era e foi perturbador porque a própria
Rachel não tinha certeza de que não tinha sido ela mesma a matar a Megan. Quer
dizer, até onde ela sabia ela se tornava um “monstro” quando bebia. Fazia
coisas terríveis das quais não se lembrava depois. Como ameaçar o marido com um
taco (até quebrando um espelho) e dando show em uma festa da empresa. Então, para ela, por que ela não poderia ter
feito isso? Assim, sem nada melhor que ela pudesse fazer, ela se envolve de
verdade em todo o caso. Ela conhece Scott, o marido supostamente traído de
Megan, e descobre a ligação com ela mesma: afinal de contas, Megan trabalhava
como babá para Tom, seu ex-marido, e Anna, sua nova esposa, cuidando de Evie, o
bebezinho deles que ela nunca pôde ter. É perturbador para ela, e Rachel é um
personagem muito bem construído, porque você sente toda a dor dela, e você se
solidariza. Pelo menos durante o FILME, eu nunca tive a impressão ou a
desconfiança de que Rachel fosse a assassina. Independente do que ela
acreditava que fizesse quando estava bêbada, independente de ela ter se
encontrado com Megan naquele túnel e gritado com ela pouco antes de ela
desaparecer e ser assassinada.
Eu acreditava na inocência de Rachel.
Que bom que o fiz!
O filme tem uma história MUITO FORTE e um
desenvolvimento muito bom. Os personagens têm profundidade que deve ser muito
melhor trabalhada no livro e isso me faz lamentar que eu ainda não o tenha
lido. Nós conhecemos, por exemplo, a história de Megan através de sua terapia,
e eu acho que ela tem uma das histórias mais sofridas da trama. Aquela
narrativa sobre como ela matou a sua filha em um terrível acidente na banheira
é desconcertante, desconfortável, assustadora. Também a maneira como ela se vê.
Anna é uma personagem que se redime nas cenas finais, felizmente, mas eu não
consegui ter empatia por ela em momento nenhum. Talvez porque ela dormia com
Tom mesmo quando ele ainda era casado com Rachel. E Rachel sofreu também muito,
tem uma história triste e forte, e, diferente de Megan, não foi por causa de
nada que ELA mesma fez. Mas ela tem todos os problemas que têm e pensa nela
como pensa e age como age por causa de uma construção eficiente de seu
ex-marido, que a faz acreditar que ela é a pior pessoa do mundo, e um monstro
quando bebe.
É revoltante quando tudo se desenrola e ele quer
que ela beba.
Porque tudo começa quando ela encontra Martha no
trem e descobre que o show que fez Tom ser demitido NUNCA existiu. Então nós
revemos as cenas como de fato aconteceram. Nós vemos a própria cena do taco
quebrando o espelho de outra perspectiva, de outro jeito. Resumindo, Tom era um
grande filho da p*ta que destruiu completamente a vida de Rachel, fazendo-a
acreditar que ela fez coisas terríveis que nunca fez. A transformou em uma
alcóolatra. Fez com que ela perdesse a credibilidade frente a todo mundo. É
nessa perspectiva que o vemos revoltantemente batendo nela, em sua antiga casa,
e temos um flashback que mostra o
completo assassinato triste de Megan (porque ela dormia com Tom e estava
grávida). Eu acho que o final não poderia ter sido diferente. Talvez Tom nunca
fosse acusado do assassinato. Rachel precisava fazer o que fez, e no estado que
estava e nas circunstâncias, era a única maneira. FOI em legítima defesa. E por
mais doentio e digno de filme de horror que fosse, a participação de Anna foi
essencial. Ainda bem que ela estava presente, ainda bem que o fato de ela
defender Rachel perante a polícia significasse tanto!
Saímos do cinema um pouco pesados. Mas aliviados
ao mesmo tempo.
Porque Rachel vai viver, vai seguir em frente.
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