Desventuras em Série, Livro Primeiro – Mau Começo
Quando as crianças Baudelaire se tornaram os órfãos Baudelaire.
Desventuras
em Série é justamente o que o título sugere: desventuras terríveis. Lemony
Snicket pode trabalhar com todo o seu humor macabro e um sarcasmo irreparável,
mas ele está contando uma história realmente deprimente de três crianças
absolutamente encantadoras. Sim, elas são encantadoras e tudo o mais, mas elas
estão destinadas a sofrer tudo o que for possível ser sofrido em uma vida
infeliz que se inicia no momento em que seus pais morrem em um terrível e
misterioso incêndio que destrói completamente a Mansão na qual eles moravam.
Lemony Snicket, um pseudônimo bem
dramático de Daniel Handler, conta as coisas com uma desesperança imensa,
sempre nos lembrando de o quão trágica é a história, e da impossibilidade de
qualquer final feliz… ou começo feliz… ou qualquer coisa feliz. Ou mais ou
menos. Porque pode até ter acontecimentos felizes na história dos Baudelaire,
mas eles são pequenos e muito rápidos.
Acho importante reproduzir a carta dele para
começar a review:
Caro Leitor,
Sinto muito dizer que o livro
que você tem nas mãos é bastante desagradável. Conta a infeliz história de três
crianças muito sem sorte. Apesar de encantadores e inteligentes, os irmãos
Baudelaire levam uma vida esmagada por aflições e infortúnios. Logo no primeiro
capítulo as crianças estão na praia e recebem uma trágica notícia. A
infelicidade segue os seus passos, como se eles fossem ímãs que atraíssem
desgraças.
Neste pequeno volume, os três
jovens têm que lidar com um repulsivo vilão dominado pela cobiça, com roupas
que pinicam o corpo, um incêndio calamitoso, um plano para roubar a fortuna
deles e mingau frio servido como café da manhã.
É meu triste dever pôr no papel
essas histórias lamentáveis. Mas não há nada que o impeça de largar o livro
imediatamente e sair para outra leitura sobre coisas alegres, se é isso que
você prefere.
Respeitosamente,
Lemony Snicket
A maneira como ele tenta desencorajar a leitura
com a carta muito pessoal que ele deixa no fundo do livro é única e perspicaz,
e funciona como sinopse e uma dica de como é a narração… quando você abre, você
se depara com a mesma coisa: um autor fadado a escrever sobre os desfortúnios
de três órfãos muito encantadores e muito inteligentes, mas perfeitamente
infelizes, que parecem atrair todo tipo de desgraça. E eu simplesmente adoro o
início, como o autor apresenta as três crianças Baudelaire já na Praia de Sal,
em um dia cinzento e nublado, no qual receberão, já nas primeiras páginas, a
notícia de que seus pais morreram em um terrível incêndio na Mansão Baudelaire…
e então eles são levados pelo Sr. Poe para uma infinidade de tutores, dentre os
quais o pior é o Conde Olaf, tentando loucamente roubar sua fortuna em planos
absurdos como se casar com Violet Baudelaire…
Claro que toda essa maneira de narrar é uma
escolha incrível de Daniel Handler que chama a atenção, e nos prende durante a
leitura – mesmo com uma história bem infeliz, os personagens realmente nos
cativam, e nós queremos continuar a virar as páginas, com tanto dinamismo e
objetividade. O que me fascina é o fato de ele se esconder atrás do pseudônimo
de Lemony Snicket, todo envolto em mistérios e com uma das melhores “descrições
de autor” na orelha das obras. E ele sempre dedica o livro a Beatrice, em
dedicatórias realmente muito engraçadas, embora sejam macabras e causem
estranheza. No caso do primeiro livro: “Para
Beatrice – querida, adorada, morta”. O livro é guiado com um terrível humor
ácido e sarcástico. A imensa ironia de quando ele usa uma palavra – a primeira
é precário – e então ele pausa para
explicar como ela está sendo usada, apresentando qualquer sinônimo igualmente
infeliz.
Também temos as falas de Sunny Baudelaire,
infantis, fantasticamente traduzidas!
“Por
exemplo, nessa manhã ela disse ‘Gá!’ muitas e muitas vezes, o que provavelmente
era para se entender como: ‘Vejam só essa figura misteriosa surgindo do
nevoeiro!’” – o sr. Poe que “veio andando pela praia em sua direção e mudou
a vida deles para sempre”.
Não temos uma história bonitinha e feliz, e nem
mesmo todo o horror na vida dos jovens Baudelaire é tão divertida quanto a ironia de Lemony Snicket faz parecer – como uma
simples história infantil. Eu não sei se me lembrava do quão dramático é, e do
quão repulsivo! Os dias com o Conde Olaf são realmente revoltantes, pela
maneira como ele os trata e as condições nas quais eles são obrigados a viver.
O grande auge está em duas cenas. A primeira quando ele bate na cara de Klaus e
o menino cai, ficando com uma cicatriz que ainda pode ser percebida até o fim
do livro. Eu realmente quase segui as orientações do autor e fechei o livro com
tal desaforo! Fiquei muito e muito revoltado. Depois, o plano ABSURDO e nojento
de se casar com Violet Baudelaire para que possa ter acesso à toda a fortuna
que foi deixada a eles, e que eles só poderão sacar quando Violet atingir a
maioridade.
Vocês percebem o quão repulsivo e grave é esse plano?
É um crime a níveis gigantescos! Ah, E AINDA TEM A
SUNNY PRESA NA GAIOLA!
As coisas por fim se resolvem de uma maneira bem
fantasiosa e meio absurda, que não é muito de meu agrado – Violet assina o
documento do “casamento” com a mão esquerda, ao invés de assinar com a mão direita,
e por isso tudo é invalidado –, mas ali percebo o quanto as coisas poderiam ter
sido diferentes… a juíza Strauss quis
adotar as crianças, mas o Sr. Poe as levou para outro tutor, supostamente
seguindo as orientações dos Baudelaire pais de que eles fossem criados por
algum parente. Infelizmente, mas caso contrário Daniel Handler não teria uma
série nas mãos. Também é ali que o Conde Olaf recebe voz de prisão, sendo a
base para todos os futuros disfarces que serão usados pelo personagem enquanto
ele constantemente foge da polícia e persegue os órfãos Baudelaire por
querer tanto tomar posse de toda a fortuna deixada para eles depois da morte de
seus pais, e o incêndio desastroso que destruiu a Mansão Baudelaire.
As bases são bem construídas, e o autor consegue
nos fazer gostar de seus três protagonistas – Klaus e seus livros, usados nesse
volume para descobrir os planos do Conde Olaf; Violet e suas invenções, dessa
vez com o arpéu na tentativa de salvar a irmã mais nova; e Sunny com seus
dentinhos afiados e vontade de morder tudo. Acho que não é nem de longe um dos
melhores livros da série, é provavelmente o meu menos favorito, mas é uma boa introdução. Sempre temos, no mínimo,
uma morte por livro, dessa vez limitada aos pais das crianças; disfarces começam
mais tarde. Uma das melhores coisas, na minha opinião, são as “cartas ao
editor” que o autor deixa no fim do livro, que são sempre bem sugestivas em
relação ao próximo livro. Dessa vez, ele fala sobre a coleção de répteis do dr.
Montgomery Montgomery após “os trágicos acontecimentos ocorridos quando os
órfãos Baudelaire se achavam sob sua guarda”, cita alguns elementos do próximo
livro, como o “Mau Caminho” e o filme “Zumbis na Neve”, fora a receita do dr.
Montgomery para o bolo com creme de coco… e o dr. Lucafont.
Fora o título: A SALA DOS RÉPTEIS. Um dos meus
favoritos pessoais!
“Lembre-se,
o senhor é minha última esperança de que as histórias dos órfãos Baudelaire
sejam finalmente contadas ao grande público”.
Reviews dos demais
livros EM BREVE.
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