Desventuras em Série, Livro Sétimo – A Cidade Sinistra dos Corvos
Quando as coisas mudam de verdade para os Órfãos Baudelaire.
AH, MEU LIVRO
FAVORITO! Sério, a qualquer momento que você me perguntar qual meu livro
favorito em “Desventuras em Série”,
eu não pestanejarei em responder: “A
Cidade Sinistra dos Corvos”. Além de ter um jogo divertido de palavras no
título do livro (exclusividade brasileira, porque o título em inglês, “The Vile Village”, segue a aliteração
presente em todos os títulos em inglês, mas não tem uma referência/brincadeira
extra ao mistério de C.S.C.), ele é um livro importantíssimo para a saga… aqui,
as coisas mudam drasticamente para “Desventuras
em Série”. Se antes os Órfãos Baudelaire pulavam de tutor a tutor,
perseguidos pelos disfarces do Conde Olaf, daqui em diante as coisas meio que se inverterão, e tudo começa a ficar maior do que antes. Sem contar que ele
me parece o livro mais forte e mais triste até aqui, e com o melhor clímax!
É de tirar o
fôlego…
Comecemos
pela carta de Lemony Snicket a seus leitores:
Caro Leitor,
Com certeza você pegou este livro
por engano, portanto por favor ponha-o de lado. Ninguém em juízo perfeito leria
intencionalmente um livro sobre a vida de Violet, Klaus e Sunny Baudelaire,
pois cada momento tenebroso de sua permanência na cidade de C.S.C. foi
registrado nestas páginas de modo fiel e assustador.
Não consigo pensar em uma única
razão por que alguém abriria um livro que contém assuntos tão desagradáveis
como corvos migrantes, uma turba irada, uma manchete de jornal, a prisão de
pessoas inocentes, a Cela de Luxo e alguns chapéus muito esquisitos.
É minha solene e sagrada ocupação
pesquisar cada detalhe da vida das crianças Baudelaire e pôr no papel. Mas você
pode preferir fazer alguma outra coisa solene e sagrada, como ler um outro
livro no lugar deste.
Respeitosamente,
Lemony Snicket
Vocês já
conhecem o que Lemony Snicket diz: era
melhor que estivéssemos lendo outra coisa, como “O Menorzinho dos Elfos”, e
o início de “A Cidade Sinistra dos Corvos”
brinca justamente com a ideia de que aquilo
que você não lê é tão importante quanto aquilo
que você lê. Isso porque O Pundonor
Diário publicou uma matéria de jornal sobre como o Conde “Omar” tinha
sequestrado os “gêmeos” Quagmire, enquanto os Baudelaire estão esperando para
serem mandados a uma nova “casa” pelo Sr. Poe. A base desse livro está no
aforismo “É preciso uma cidade para
educar uma criança”, e uma cidade inteira será a nova tutora dos
Baudelaire, que escolhem eles mesmos para onde querem ir… não um lugar próximo
à Serraria Alto-Astral, nem tampouco do Mau Caminho, e o nome C.S.C. lhes chama
atenção… mas é uma frustração chegar até lá.
Quer dizer,
de certa maneira.
É visualmente
MARCANTE. Isso que vemos a cidade apenas em nossa cabeça, mas a ideia é
interessante, curiosa e perturbadora.
Lemony Snicket pensa em um lugar distante e plano, “tremulando no horizonte
indistintamente”, TOTALMENTE COBERTA DE CORVOS. Lembro-me muito bem de que a
imagem me impressionou quando li o
livro pela primeira vez na infância. A ideia é maravilhosa e bizarra! Um tanto quanto doentia e apavorante, mas
genial. Não tanto quanto aquele insuportável Conselho dos Anciãos, um grupo
de velhos chatos com chapéus de corvos, repleto das mais absurdas regras,
folgado e chato… os órfãos terão, por
exemplo, que cumprir as tarefas domésticas DA CIDADE INTEIRA. Ah, e a
cidade? Não tinha nada a ver realmente
com o mistério de C.S.C. Apenas uma coincidência: Cultores Solidários de
Corvídeos.
Mas o visual,
como eu disse, é arrebatador. Consigo ver tudo em minha mente, e me encanta! A
maneira como os corvos levantam voo todos juntos, voam em círculo no céu,
iniciando um caminho até a Árvore do Nunca Mais (Corvos? Nevermore? Edgar Allan
Poe?), no quintal de Hector, o cara que acolherá os órfãos em sua casa. Me arrepiou a primeira vez em que li sobre
esse voo. E a verdade é que os Baudelaire até poderiam ter se dado bem em
C.S.C. Afinal de contas, o Hector era bacana com eles, embora fosse um fraco
que ficava “desassossegado demais na presença do Conselho”, mas ele mesmo
desobedecia a algumas regras, e tinha uma biblioteca e um ateliê de invenções
escondido em seu celeiro, o que era tudo o que Violet e Klaus Baudelaire mais
poderiam querer para serem felizes… mas
eles também sabem que não foram feitos para serem felizes.
Não depois
daquele dia fatídico na Praia de Sal.
Uma das
coisas que mais me encanta nesse
livro é todo o tom de mistério e investigação. Tudo começa quando Hector
entrega aos irmãos um poeminha que encontrou sob a Árvore do Nunca Mais naquela
manhã. Quando os irmãos o leem (“Cá, por
safiras, cativos estamos. / Hora após hora, em terror aguardamos”), eles
imediatamente o identificam como um dístico de Isadora Quagmire. Então os
Trigêmeos Quagmire precisam estar
escondidos em algum lugar ali por perto, e eles precisam saber onde! A primeira
noite que os irmãos passam na casa de Hector é marcada por uma vigília,
“latindo para a árvore errada”, mas eles encontram um novo dístico pela manhã: “Até de manhã, não vai dar pra falar; /
Fechado e tristonho há de o bico ficar”. Acho os dísticos tão interessantes
e tão intrigantes que eu fiquei com
eles na cabeça por semanas… ainda os sei
de cor.
Como vocês
sabem, eu AMO o tom de mistério e investigação. E o livro é cheio disso. Enquanto
os irmãos fazem uma série de tarefas domésticas para um bando de velhos
mal-humorados e mal-educados, como limpar o horrendo novo Chafariz Corvídeo,
eles pensam intrigados nas mensagens de Isadora, tentando extrair dela algum
significado que tenham deixado passar. Até que recebem a notícia de que “O
Conde Olaf foi capturado”. Wow. É um momento importante, nosso coração congela,
e ficamos angustiados ao ver os irmãos “pulando para conclusões precipitadas”,
querendo celebrar o fato de estarem livres do Conde Olaf, antes de averiguar de
fato a informação. O livro é bom, e Lemony Snicket trabalha bem com aqueles
cidadãos alienados e intolerantes de C.S.C., que propõem um mesmo castigo
independente de que regra você quebrou, mas o que me intriga é Jacques…
Porque
Jacques aparece em C.S.C., com uma sobrancelha única e um olho tatuado no
tornozelo esquerdo, e ele diz que “isso é parte do trabalho”. Infelizmente, no
entanto, o Conselho dos Anciãos não o
deixam falar. Afinal de contas, HÁ MUITO A SER DITO E NÃO É DITO. Ele
começa frases como “Trabalho para os
voluntários…” e “Oh, Baudelaires,
estou tão aliviado em ver vocês vivos. Os seus pais…”, que dariam respostas
ao mistério de C.S.C., e nos explicariam a relação dos Baudelaire Pais com a
organização, mas os velhos do Conselho dos Anciãos não o deixam falar! E é angustiante. Os cidadãos de C.S.C.
planeja queimar Jacques na fogueira no dia seguinte, por “quebrar regras”, e os
Órfãos Baudelaire planejam fazer de tudo para
não deixar um homem inocente morrer. Por isso eles têm um plano. Sunny vai passar a noite toda sob a Árvore do Nunca
Mais, tentando descobrir como Isadora envia seus dísticos. Klaus estará na
biblioteca escondida de Hector, procurando uma maneira de salvar a vida de
Jacques. E Violet estará no ateliê de invenções, tentando encontrar uma maneira
que eles possam escapar.
Afinal, há a
casa móvel autossustentável a ar quente do Hector!
Só precisa de umas melhorias.
O próximo
dístico de Isadora, que Sunny Baudelaire leva aos irmãos, diz: “A que antes se lê, contém uma pista, /
Recurso inicial que o bandido despista”, e para mim esse É O MAIS BRILHANTE
DE TODOS. O mais confuso, super enigmático, mas eu abri um sorriso depois de
alguns segundos, matando a charada, como fiz na primeira vez em que o li. Já é
possível matar a charada antes do último dístico, especialmente quando Klaus
coloca os três dísticos juntos, mas ainda não é hora. Por enquanto, eles
precisam dar um jeito na casa móvel autossustentável a ar quente de Hector, e
Klaus precisa tentar usar a “psicologia das turbas” para salvar a vida de
Jacques… mas, cruelmente, quando eles chegam lá na cadeia para colocar seu
plano em prática, já é tarde demais.
JACQUES ESTÁ MORTO. Em todo livro um personagem morre, mas eu achei esse
momento particularmente cruel.
Acho que em “A Cidade Sinistra dos Corvos”, talvez,
foi a primeira vez em que eu senti tudo aquilo que Lemony Snicket clama desde o
início de “Desventuras em Série”: a
DOR, o SOFRIMENTO, a MALDADE. É muito
triste. Já não bastasse a dolorosa morte de Jacques, sem que ele consiga
nos dar nenhuma informação, o Conde Olaf ressurge, agora como Detetive Dupin,
talvez com seu plano mais maléfico: acusar os Órfãos Baudelaire de terem
assassinado um homem! E ele os acusa com provas questionáveis como uma fita de
cabelo ridícula, uma lente de óculos e “marcas de mordida”. Sunny é acusada
como a assassina, e seus irmãos como seus cúmplices. Graças à psicologia das
turbas, a cidade de C.S.C. inteira acredita que os Baudelaire são criminosos, e
Hector está “desassossegado demais” para falar em sua defesa… então, de forma
REVOLTANTE, os irmãos são presos em uma cela imunda, para serem queimados na
fogueira no dia seguinte.
Confesso que
foi em choque li isso tudo.
Assim começa
o importante ponto de transição da série. Nada
nunca mais será o mesmo. A cena da cela de prisão é uma das mais fortes e
desesperadoras. Ali, as crianças estão sem esperanças, sem ideia e com tudo
desmoronando ao seu redor. É triste ver como Violet e Klaus se acusam e brigam,
e como é Sunny quem tem que pedir que eles parem. Também é triste quando Klaus,
desanimado, se lembra de que é seu 13º aniversário, e então eu me lembrei de
como esse é o livro mais forte, mais injusto e mais triste da série. É de partir o coração que o pão faça Klaus
se lembrar de seu último aniversário e da promessa de seus pais para o próximo,
que nunca vai se cumprir. É triste
ver Klaus tirar seus óculos para secar suas lágrimas, é triste ver Violet
abraçando-o e chorando também. Agora eu
entendo e sinto o sofrimento deles. Elas são crianças fortes, que
dificilmente choram, e, por isso, vê-las “se debulhar em lágrimas”, de alguma
maneira, torna tudo mais real.
Então, depois
desse momento deprimente, as crianças voltam às suas genialidades de sempre, à
sua força rotineira. Eles ganharam um deus
ex machina de presente! Com um banco de madeira, um pedaço de pão esponjoso
e uma jarra de água, Violet Baudelaire cria um “amolecedor de argamassa”!
Assim, eles passam horas e horas exaustivas trabalhando sem parar no melhor
presente de aniversário que a Violet e a Sunny podem dar ao irmão: fugirem daquela prisão. Enquanto
trabalham, eles falam sobre os dísticos de Isadora Quagmire, tentando entender
que mensagem ela quer, de fato, passar a eles, e Hector, pela manhã, aparece do
lado de fora para entregar-lhes o mais recente dístico pela pequena janela da
prisão: “Isto é o que o olho nas letras
já vê: / Zás! Seus amigos, e C.S.C.”. E então Klaus sabe o que significa!
“Cá, por safiras, cativos
estamos
Hora após hora, em terror aguardamos
Até de manhã, não vai dar pra falar;
Fechado e tristonho há de o bico ficar
A que antes se lê, contém uma pista,
Recurso inicial que o bandido despista
Isto é o que o olho nas letras já vê:
Zás! Seus amigos, e C.S.C.
CHAFARIZ! E
devo dizer: foi uma tradução brilhante e certamente trabalhosa (!) do original
em inglês, que forma FOUNTAIN. Amei a ideia de Lemony Snicket, amei como as
coisas estavam escondidas nos poemas, como eles estão repletos de significado e
dicas de como chegar à resposta: os Trigêmeos Quagmire estão escondidos no
Chafariz Corvídeo! Assim, quando eles conseguem escapar com o Amolecedor de
Argamassa de Violet e um aríete improvisado, eles só têm mais uma coisa a
fazer: SALVAR OS AMIGOS. É em um acidente que Sunny consegue apertar o botão no
olho do Chafariz que abre o bico e liberta os Quagmire, E QUE CENA LINDA. Foi
muito emocionante vê-los saindo lá de dentro, ver a alegria dos cinco em estar
reunidos, se abraçando, dizendo “coisas jubilosas” uns aos outros… meu sorriso
ao ler essa passagem é raro na leitura de “Desventuras
em Série”, e verdadeiro.
Feliz.
Eles
conseguem passar um tempo juntos, caminhando até a casa de Hector para escapar,
mas eles não têm tempo o suficiente para respostas
importantes. Afinal de contas, eles estão sendo perseguidos pela turba de
C.S.C. com tochas, e embora os Quagmire tenham informações sobre o verdadeiro
C.S.C. e sobre Jacques Snicket (!), eles não conseguem contar aos Baudelaire. E
o final do livro é FANTÁSTICO E INTELIGENTE, coroando mesmo “A Cidade Sinistra dos Corvos” como o
MELHOR LIVRO DA SÉRIE. Aqui, cercados pela multidão enfurecida, os Órfãos
Baudelaire e os Trigêmeos Quagmire veem Hector se aproximar com a sua casa
móvel autossustentável a ar quente, agora sem resquícios de seu antigo
desassossego, e enfrenta a turba de C.S.C. com uma coragem nunca antes vista…
os Quagmire são os primeiros a escalarem para a segurança…
…os
Baudelaire ficam pendurados na escada de corda.
E É UM CAOS.
Um clímax e
tanto, devo dizer. Fiquei nervoso do
início ao fim. Os irmãos estão pendurados na escada enquanto Hector sobe
cada vez mais alto, a “Oficial Luciana” lança arpões para estourar os balões e
os corvos se levantam da Cidade para o seu voo até a Árvore do Nunca Mais. É eletrizante. Toda a ação que nos
angustia culmina na não-segurança dos
irmãos. Eles veem que não vão conseguir subir, e que a única saída é descer, e
caem de volta ao chão, de volta a C.S.C., enquanto os amigos e Hector partem em
segurança… Isadora e Duncan ainda jogam seus cadernos com as informações sobre
C.S.C. e Jacques Snicket, mas a Oficial Luciana, que mais tarde nos inteiramos
de ser Esmé Squalor, os acerta com um arpão, e os Baudelaire conseguem apenas
recuperar algumas poucas folhas com informações rasas e não suficientemente
reveladoras.
O final é
EMOCIONANTE. Os irmãos se dão conta de que, agora, não podem recorrer à cidade,
nem a Poe, nem a nenhum tutor legal – agora
eles precisam ser autossustentáveis, como a casa móvel a ar quente de
Hector. Nessa onda, e com Klaus agora com 13 anos, Sunny dá seus primeiros
passos, e eu me emocionei de verdade.
Agora tudo mudou. O Pundonor Diário
publicou uma matéria sobre eles terem “assassinado o Conde Omar” em seu jornal,
e agora as crianças são procuradas como três criminosos. Elas sabem que, agora,
ninguém mais vai cuidar delas, e elas
precisam cuidar delas mesmas. Serem autossustentáveis. Foi muito, muito,
muito TRISTE, mas também foi incrivelmente bonito.
Agora as coisas mudam, agora Olaf os persegue sem disfarces, e os três precisam
se disfarçar e se esconder… uma nova era
em “Desventuras em Série”.
E estou
ansioso para reler isso tudo!
“[…] e então os autossustentáveis órfãos Baudelaire
deram os primeiros passos na direção das últimas luzes remanescentes do sol
poente”
Lindo demais.
MELHOR LIVRO
DA SÉRIE <3
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