Desventuras em Série, Livro Oitavo – O Hospital Hostil
Quando Violet quase perde a cabeça. Literalmente.
WOW. Que leitura
é essa?! Já li “Desventuras em Série”,
mas isso foi há mais de 10 anos e embora eu sempre tenha amado a saga, talvez
eu não tivesse maturidade o suficiente para entendê-la. Agora, a cada leitura
eu percebo o quão macabra ela é, e
mais se torna a cada linha. As “brincadeiras” de Lemony Snicket, dessa vez com
a palavra “PONTO” no fim das frases, como em um telegrama, para avisar-nos que
seria melhor não continuarmos lendo
nunca fizeram tanto sentido. Passamos da metade de “Desventuras em Série”, e percebo que, agora, Lemony Snicket está
realmente pegando pesado. A história
se torna muito mais sombria, as crianças estão mais desamparadas do que nunca,
e agora elas podem ver os comparsas do Conde Olaf fora de seus disfarces, e isso torna tudo tão absurdamente real que
chega a ser perturbador. E as
crianças estão precisando abusar de algumas artimanhas
similares às do Conde Olaf elas mesmas.
É doloroso.
Veja a carta
de Lemony Snicket aos seus leitores:
Caro Leitor,
Antes de atirar no chão este livro
horroroso e se afastar dele tanto quanto possível, talvez seja melhor entender
por que você deve fazer isso. Este é o único livro que descreve até o último
detalhe a miserável estadia das crianças Baudelaire no Hospital Heimlich – e isso
faz dele um dos livros mais tenebrosos do mundo.
Existem muitas coisas agradáveis
de ler; este livro não contém nenhuma delas. Em suas páginas, há elementos lamentáveis,
tais como um desconfiadíssimo dono de armazém, uma cirurgia desnecessária e
fatal, um sistema de intercomunicadores, anestesia, balões em forma de coração
e uma notícia muito surpreendente sobre um incêndio. É claro que você não vai
querer ler sobre essas coisas. Jurei pesquisar esta história e escrevê-la o
melhor que pudesse. Portanto, é natural que eu saiba que este livro deve ser
largado agora mesmo no chão, onde provavelmente você o encontrou.
Respeitosamente,
Lemony Snicket
Confesso que não me lembrava do quanto “O Hospital Hostil” era perverso e, além
disso, complexo. Em pouco tempo (porque embora tenham sido sete livros antes
desse, o tempo de cada história não era muito longo), as Crianças Baudelaire
amadureceram de forma brutal, e a
crueldade dessa vida de desventuras pode ser facilmente notada na personagem de
Sunny, por exemplo, tão nova, mas cada vez mais parecendo real, e vê-la amadurecer, vê-la falar coisas cada vez mais inteligíveis… isso torna o peso de “O Hospital Hostil” mais palpável, de
alguma maneira. O livro começa pouco depois do encerramento de “A Cidade Sinistra dos Corvos”, as
crianças estão andando sem rumo por uma paisagem desolada, enquanto O Pundonor Diário as acusa de
assassinato, e o único ponto de fuga depois de uma longa caminhada (!) é o
Armazém Geral Última Chance, onde eles mandam um telegrama ao Sr. Poe.
E esperam a noite toda, sem nenhuma resposta.
O cenário do
Armazém Geral é abarrotado e bizarro, e perfeito para a proposta do autor. É um
momento repleto de tensão quando o “Lou” traz O Pundonor Diário, e faz comentários sobre como “a polícia está
fechando o cerco”, para capturá-los e levá-los para a cadeia. Segundo Lou, os
únicos que passam são ele e os “Voluntários C.S.C.”, o que acende uma luz nas
crianças. Não só é a maneira deles escaparem, como pode ser a resposta de um
dos maiores mistérios com o qual eles são confrontados desde “Inferno no Colégio Interno”. Assim,
depois de uma fuga alucinante dentro do Armazém abarrotado de mercadorias, as
crianças se fazem passar por voluntários dos Combatentes pela Saúde do Cidadão,
o que se mostra bem eficaz, já que
eles acreditam em disparates como “a
falta de notícias é uma boa notícia”, então se recusam a ler O Pundonor Diário.
Portanto,
nunca ouviram falar deles.
No caminho,
eles cantam uma música bizarra cujo
refrão é:
“Tra-la-lá, qui-qui-qui,
Quero que fique logo são.
Ho-ho-ho, hi-hi-hi,
Pegue um balão de coração.”
E isso é o de
menos, porque as estrofes são perfeitamente perturbadoras. Tudo parte do humor dark de Lemony Snicket. Parte do humor
de Snicket é esse desejo de nos provocar com informações que ele joga, mas não explica…
como o “chá em que Beatrice conheceu Esmé Squalor”, sobre o qual não temos mais nenhuma informação… o que eu mais
amo na escrita de “Desventuras em Série”
é esse senso de absurdo que Lemony
Snicket explora tão bem, como a curiosa estrutura do Hospital Heimlich, que dá
título ao livro. Aqui, estamos em uma estrutura semi-acabada, com metade
perfeitamente pronta e a outra metade precária, “parecendo um desenho”. Isso está
até na placa onde o nome do hospital está escrito, metade toda trabalhada e
elegante, outra metade feita de papelão, com a palavra “HOSPITAL” escrita de
caneta esferográfica.
Weird.
Os C.S.C. com
quem os Baudelaire chegam ao Hospital Heimlich definitivamente não são os C.S.C. que eles buscam, mas
eles abraçam a oportunidade de serem voluntários para trabalhar na Biblioteca
de Registros, onde podem descobrir algo sobre o verdadeiro C.S.C., quiçá, ou sobre Jacques Snicket! E há de TUDO
nessa Biblioteca de Registros, afinal de contas, “O que fazemos de mais importante no Hospital Heimlich é a papelada”.
Tudo parece funcionar perfeitamente para eles se infiltrem. Babs, a Diretora de
Recursos Humanos, é só uma voz em um intercomunicador; Hal, o velho responsável
pela Biblioteca, é um homem com óculos minúsculos e “a sua visão já não é como
era antes”. Eles estão seguros, por ora.
No entanto, acho que “O Hospital Hostil”
é o livro, até aqui, que mais trabalha com abundância de cenários e situações…
Quantas desventuras em um único livro?
As crianças
estão mais perto de descobrir algo do
que nunca. Eles não podem ler o que arquivam nas pastas, mas Hal os instiga
falando que viu algo sobre eles na pasta sobre “os Fogos Snicket”. Nosso coração
dispara, e eu posso visualizar Lemony Snicket se divertindo com nossa angústia… é perturbador pensar no tanto
de informação que Lemony Snicket tem
e nos oculta. Quando o Conde Olaf reaparece, na forma de Mattathias, a voz do
novo “Diretor de Recursos Humanos” pelo intercomunicador, as crianças sabem que
precisam encontrar essa pasta depressa. Até porque as páginas resgatadas dos
cadernos de Isadora e Duncan Quagmire se mostram bem ineficazes em dar-lhes
informações, rasgadas nas partes mais estratégicas… é, na verdade, uma grande
provocação do autor, que não quer nos dar respostas.
Tudo o que
sabemos é que C.S.C. tem a ver com “voluntários” e com “fogo”. Os cadernos
também trazem uma dica sobre “anagramas”, e uma lista de datas não exploradas ao longo do livro. O autor ainda fala sobre
como a palavra “Beatrice” o faz pensar em “uma
organização de voluntários que estava fervilhando de corrupção”, e aquele
perverso: “Se eu estivesse com as
crianças, teria lhes contado uma longa e terrível história sobre homens e
mulheres que se juntaram a uma nobre organização apenas para ver suas vidas
arrasadas por um homem ganancioso e um jornal preguiçoso”. Perverso porque não nos diz muito. Mesmo assim, segue
sendo genial… porque ele nos provoca, e isso é grande parte da graça de ler “Desventuras em Série”. Ele brinca sobre
como é “uma história sobre Violet, Klaus e Sunny”, e nos fala do que poderia contar, se fosse uma história
dele, mas que não convém agora… e nos dá algo que nos acompanhará por muito
tempo: algo que o atormenta!
“Será que foi realmente necessário? Será que foi
absolutamente necessário furtar aquele açucareiro de Esmé Squalor?”
AH, O AÇUCAREIRO!
As crianças
invadem a Biblioteca de Registros durante a noite, bem-sucedidos em enganar o
Hal para isso, e enquanto alguém tenta abrir a porta, eles buscam a tal pasta.
Buscam em “S” de “Snicket”, em “J” de “Jacques” e em “F” de “Fogo”, até que
encontrem algo em “B”, de “Baudelaire”. A pasta dos Baudelaire, no entanto,
está quase vazia. O “Dossiê Snicket” (morri!) retirado para investigação
oficial. Ali, no entanto, ainda resta a Página 13 do Dossiê. Uma página com uma
foto que traz quatro pessoas na frente da Avenida Sombria 667: Jacques Snicket,
um homem de costas, com um caderno e uma caneta visíveis na mão, provavelmente
um autor (Lemony), e os pais dos Baudelaire. E uma frase que nos deixa sem
fôlego: “Devido às evidências discutidas
na página nove, os peritos agora suspeitam que possa haver de fato um
sobrevivente do incêndio, mas seu paradeiro é desconhecido”.
Já devíamos ter
aprendido a não ter esperanças.
Mas caímos
como patinhos!
É UM
VERDADEIRO DESESPERO. Enquanto em choque observando a Página 13 do Dossiê
Snicket (!), as crianças se esquecem que havia alguém tentando entrar na Biblioteca, então eles são perseguidos por Esmé
Squalor, que os persegue com sapatos de salto de estilete, e destrói toda a
Biblioteca. E, surpreendentemente, ela é bem-sucedida em separar os irmãos. Klaus
e Sunny entram na via de informações, para uma subida íngreme e difícil,
enquanto Violet fica para trás, sem conseguir escapar. Enquanto os irmãos
Baudelaire mais novos esperam Violet em seu lar frio e precário, ela não aparece. Eles passam a noite
toda sem saber o que aconteceu com a irmã, e só descobrem na manhã do dia
seguinte, quando Mattathias anuncia pelo intercomunicador que “as buscas foram
canceladas, já encontraram o que buscavam”. Violet
fora capturada.
Escondidos atrás
de balões de coração dos Voluntários C.S.C., Klaus e Sunny andam de quarto em
quarto com os cantantes, na esperança de encontrar e salvar Violet, sem
sucesso. Tudo parece uma intensa corrida contra o tempo, e a situação fica mais
grave quando o intercomunicador anuncia uma “craniectomia” em uma garota de 14
anos, e Sunny resume muito bem a situação: “Decap?”,
ela pergunta. Por isso, eles precisam encontrar a irmã IMEDIATAMENTE. E procurar
o seu nome na lista de pacientes não é nada
eficiente, porque “Violet Baudelaire” não figura em lugar algum. Até que Klaus
tenha uma ideia brilhante: ANAGRAMAS! Por isso as sopas de letrinhas, para
ajudar a descobrir que paciente daqueles é Violet escondida, e eu adoro o
processo de investigação sob pressão, enquanto Sunny diz sua melhor palavra:
“Pietrisycamollaviadelrechiotemexity”
O que quer
dizer:
“Devo admitir que não tenho a mais pálida ideia do que
está acontecendo”
Ao mesmo
tempo em que Lemony Snicket brinca com essa palavra, dita algumas vezes ao longo de “O
Hospital Hostil”, parece que Sunny está cada vez falando mais próximo do
que nós entendemos. Quando o Klaus explica dos anagramas e de “Al Funcoot”, e
diz que a sopa de letrinhas vai ajudar a desembaralhar e encontrar Violet na
lista, ela pergunta: “Mas como?”, e
aquilo me partiu o coração. Sunny está
crescendo, e em que condições? O anagrama sob o qual Violet Baudelaire está
escondida é Laura V. Bleediotie, e Klaus e Sunny precisam descobrir uma maneira
de entrar na Ala Cirúrgica. É a PRIMEIRA VEZ na série em que eles assumem disfarces, esperando que as artimanhas
do Conde Olaf também funcionem para eles. Com jalecos brancos e máscaras
cirúrgicas, eles planejam se passar por médicos, e seguem Esmé Squalor, que se
passa por cirurgiã-assistente e carrega um grande facão enferrujado, “perfeito
para uma craniectomia”.
Ouch.
As coisas ficam
macabras em “O Hospital Hostil”. Parece que, agora, Lemony Snicket começa a pegar pesado. Passamos da
metade das “Desventuras em Série”, e
agora o negócio é sério. Klaus e Sunny, fantasiados, aproximam-se de Esmé, se
infiltram entre os ajudantes do Conde Olaf, e é angustiante. Eles se passam pelas mulheres com o rosto branco,
acidentalmente, e eles podem ver os vilões sem
disfarces, maldosos e sanguinários, fazendo comentários doentios e pesados.
É traumatizante. E agora eles vivem
isso tudo, agora eles veem ao vivo, agora eles participam. A tensão só aumenta até o momento em que os Baudelaire
encontram Violet, e ela está anestesiada, desgrenhada, com uma roupa branca
toda manchada. Violet está pior do que nunca, e os irmãos mais novos se sentem
incapazes de fazer algo. A ordem é levá-la
até o Anfiteatro da Ala Cirúrgica e cortar a cabeça dela, eles mesmos.
Eles nem
falam mais nada, enquanto absorvem o sofrimento, a dor e a sensação de impotência.
É tão ruim vê-los sozinhos e totalmente imersos nesse horror, sem Violet e sem poder
fazer nada por ela. O lance do anfiteatro cirúrgico é perturbador. Doentio. Esse
horror vira um verdadeiro ESPETÁCULO, com aplausos, gritos, imprensa. É tão
bizarro, é tão surreal, que chega a ser assustador:
“Agora, senhoras e senhores, como certamente já sabem,
uma craniectomia é um procedimento em que a cabeça do paciente é removida. Os
cientistas descobriram que muitos problemas de saúde estão enraizados no
cérebro, portanto a melhor coisa a fazer com um paciente enfermo é removê-lo.
No entanto, uma craniectomia é tão perigosa quanto necessária. Existe uma
chance de que Laura V. Bleediotie venha a morrer no decorrer da operação, mas
às vezes é preciso correr o risco de acidentes, a fim de curar a doença”
É uma grande
brincadeira sombria de Lemony Snicket, esse humor duvidoso e angustiante. Durante
essa quase craniectomia, eles falam
abertamente sobre “cortar a cabeça dela fora”, e eu acho que é quando o autor
se torna mais literal. É tão cruel e
tão gráfico que chega a me dar aflição, enquanto Klaus Baudelaire segura um facão
enferrujado, que é o que usa para tentar enrolar
e ganhar tempo, para, quem sabe, a anestesia passar e sua irmã despertar. Ele enrola
enquanto pode falando sobre a história do facão, sobre a ferrugem, e então tem
uma ideia genial: “A coisa mais
importante que fazemos aqui no Hospital Heimlich é a papelada”. Parecia que
ia funcionar, parecia que teríamos tempo, se não fosse Esmé Squalor chegar com
as duas reais assistentes do Conde
Olaf, e então os Baudelaire são desmascarados na frente de todos.
E a plateia vai á loucura.
Os Baudelaire
bradam sua inocência, mas ninguém acredita neles. Médicos, enfermeiros,
voluntários, repórteres e pessoas normais querem capturá-los, enquanto uma
repórter d’O Pundonor Diário pensa em
manchetes como “ASSSASSINO TENTA
ASSASSINAR ASSASSINA!”, e o caos toma conta. E quando tudo já parece ter
saído de controle, percebemos que, em “Desventuras
em Série”, SEMPRE DÁ PARA PIORAR. Hal aparece dizendo que eles se fizeram
passar por voluntários para entrar na Biblioteca de Registros e destruir as
pastas sobre seus crimes, e informa que a
Biblioteca de Registros está em chamas. Além de assassinato, agora eles
também são acusados de incêndio criminoso,
e foi a vez na série em que eu menos
senti esperança, de verdade. Mas eles têm uma escapada DE MESTRE, fugindo pelo Hospital
Heimlich sobre uma maca em alta velocidade!
Ah, e o Hospital também está em chamas.
Eletrizante.
É a primeira
vez em “Desventuras em Série” que
lemos sobre um incêndio acontecendo em
tempo real, e tem a ver com a quantidade de informações (e não-informações)
de C.S.C. que garimpamos ao longo de “O
Hospital Hostil”. Violet acorda lentamente, a anestesia começa a passar, e
os irmãos acabam escondidos em outro armário de suprimentos, e a sua única
esperança é que Violet invente alguma
coisa que possa ajudá-los a escapar. O Hospital pegando fogo, a fumaça
começando a passar por baixo da porta do armário, Violet ainda meio que sob o
efeito da anestesia, e nenhuma faixa para amarrar seu cabelo… mas com a ajuda de Sunny e de Klaus, uma
faixa espúria e uma lata de sopa de letrinhas vazia, Violet cria um
intercomunicador, se faz passar por Babs e distrai a multidão que os aguarda na
entrada do prédio, para que eles possam escapar em segurança.
Eles podem ser bons em enganar pessoas
também.
Isso providencia
uma das partes mais fortes e bonitas do livro. Eles se dão conta de como “são bons
em enganar pessoas”, e se perguntam se isso os faz ser iguais ao Conde Olaf,
mas concluem que a diferença é que eles não
deixam ninguém para trás. Por isso, dessa vez eles escapam juntos, os três,
quicando com uma corda improvisada feita de elástico e, do lado de fora, eles
ficam à mercê da fumaça que toma conta do ar, nenhum lugar para ir… a não ser, quem sabe, o porta-malas do carro
do Conde Olaf, que está escapando com seus comparsas. Eles não queriam, nunca,
estar nessa situação, mas é a única opção que eles têm, e talvez Olaf os leve
até o Dossiê Snicket e até as “evidências” que fazem os peritos pensarem que
pode haver um sobrevivente do incêndio na Mansão Baudelaire… por isso, eles têm que ficar ali, encolhidos no
escuro, com o carro do Conde Olaf balançando e os levando para longe, rumo ao
desconhecido.
Foi o fim mais desesperador dos livros das “Desventuras
em Série”.
Cual e os protuto estavan no armazem
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