Crônicas Lunares, Livro Dois – Scarlet (Marissa Meyer)
“Duas semanas. Duas semanas
inteiras que sua avó estava por aí. Sozinha. Indefesa. Esquecida. Talvez até morta.
Talvez sequestrada e morta e deixada em uma vala escura e molhada em algum
lugar. E por quê? Por quê por quê por quê?
Lágrimas frustradas arderam em
seus olhos, mas ela piscou para afastá-las. Fechou a porta, foi para a frente
da nave e ficou paralisada. O lutador estava ali, com as costas no prédio de
pedra. Observando-a.
Os pelos da nuca de Scarlet se
eriçaram. Ela levou a mão instintivamente para a lombar, onde uma pequena
pistola estava quente contra sua pele. A avó tinha lhe dado de presente no
décimo primeiro aniversário com o aviso paranoico: você nunca sabe quando um
estranho vai querer levá-la para um lugar aonde não quer ir. Ela ensinou
Scarlet a usar a arma, e Scarlet não saía de casa sem ela desde então,
independentemente do quanto parecesse ridícula e desnecessária.
Sete anos se passaram, e ela
tinha certeza de que ninguém nunca tinha reparado na arma escondida debaixo do
casaco vermelho com capuz que ela costumava usar. Até agora”
Marissa Meyer
está, a passos largos, se convertendo em uma de minhas autoras favoritas. Faz mais de um ano que li “Cinder”, o primeiro volume das “Crônicas Lunares”, porque a
proposta de reinvenção do clássico ao lado de um toque de ficção científica me fascinou – agora, lendo “Scarlet”, percebo o quanto a autora ELEVOU a sua escrita a um
patamar totalmente novo e admirável. A
história de Scarlet, equivalente à Chapeuzinho Vermelho, se entrelaça à de
Cinder, a garota ciborgue e princesa lunar protagonista do primeiro livro, de
forma muito mais complexa do que inicialmente imaginei, e Marissa Meyer conduz
com maestria uma narrativa que dança por diferentes gêneros, valendo-se de
elementos das histórias clássicas, sem, em nenhum momento, privar-se de uma
história completamente original e sua.
É FASCINANTE!
<3
Adoro a
maneira como ela usa elementos da “Chapeuzinho Vermelho” para compor o
início de sua trama e outros momentos memoráveis. Scarlet é uma personagem
nova, mas inspirada na de Charles
Perrault, e as referências são lindíssimas. Aqui, em “Scarlet”, a capa e capuz vermelhos de Chapeuzinho também ganham
cabelos ruivos sob eles, e o pontapé inicial para a trama é o fato de a avó de Scarlet estar desaparecida. A
jovem, no entanto, não é uma garota tão inocente, andando por aí com uma arma
nas costas, escondida sob a capa, o que me faz pensar que Marissa Meyer brincou
com uma junção de Chapeuzinho e Caçador para compor a sua personagem principal
– também adoro como ela é piloto e o
seu emprego é levar coisas como tomate e alface de sua fazenda a tavernas… tem a ver com Chapeuzinho levando doces para
a vovó.
O Lobo? Ah, essa é outra história bem interessante.
Ninguém leva
Scarlet a sério quando ela diz que algo aconteceu à sua avó, e que ela não a
abandonaria daquela maneira. Ela sumira há duas semanas, perdeu o aniversário
de 18 anos de Scarlet, embora tivesse comprado os ingredientes para fazer seu
bolo favorito, e saiu sem o tablet… além
disso, Scarlet encontrou seu chip de identificação sujo de sangue na casa.
Como a polícia não parece interessada
em investigar o caso como se deve, Scarlet precisa fazer tudo sozinha. E Scarlet é uma personagem ADMIRÁVEL – muito
forte e decidida, ela tem uma personalidade quase guerreira, adoro como ela sobe sobre a bancada da taverna e arranca
os fios da televisão, por exemplo, exausta dos comentários machistas a respeito
daquela garota ciborgue que perdeu um
pé na escada do Baile Real e foi seguida pelo Príncipe Kai e tudo o mais. Ela não a julga como a maioria das pessoas.
É nesse
momento que conhecemos Lobo. Ele é estonteantemente belo (!), mas cheio de
hematomas e cicatrizes pelo corpo… ombros largos, braços fortes, em contrates a
uma voz baixa, hesitante, mansa – quase
tímido, talvez. Com seus olhos esmeralda sedutores, ele pede um emprego na
Fazenda Benoit, da avó de Scarlet, mas ela o dispensa. Afinal de contas, ela
não vai confiar num cara que acabou de conhecer, não é? Eu, por outro lado, tapado, estava lá torcendo por Lobo, já apaixonado
por tudo isso. Com a ajuda de Lobo, Scarlet acaba chegando a informações
sobre a sua avó, sobre a “Ordem da Matilha”, e o motivo de “Os Lobos” a terem
levado: ela é uma ex-militar, e eles acham que ela tem uma informação que lhes
interessa. Parece suicídio, mas Scarlet decide que ela vai em busca dessa Ordem
da Matilha para salvar a avó.
A confirmação
de que a avó está sendo mantida prisioneira vem mais tarde, quando o misterioso
e ausente pai de Scarlet retorna à fazenda depois de ser torturado – ele revira
a casa e o depósito em busca de algo que possa entregar à Ordem, porque
Michelle Benoit, a avó de Scarlet, “esconde segredos perigosos”. Scarlet, no entanto,
não quer acreditar quando o pai diz que “a avó sempre escondeu um segredo
deles”, e depois da bagunça que ele
causa, ela o expulsa, mas é impossível não pensar no que ele disse: a avó é egoísta, pois esconde um segredo, e
esse segredo agora os colocou em perigo. Como Scarlet quer salvar a avó de
qualquer maneira, Lobo se voluntaria para ir com ela até Paris, no trem
magnético que leva em torno de 8 horas para chegar à capital: é a única maneira de garantir que ela não
esteja entrando em uma missão suicida de fato.
Enquanto
isso, revemos Cinder, e É TÃO BOM ESTAR DE NOVO COM ELA! Com uma nova mão,
presa e arquitetando uma fuga, ela acaba fugindo da prisão com Carswell Thorne,
em uma sequência de cenas um tanto quanto desesperadoras,
que passa por esgotos nojentos, por exemplo. É interessante acompanhar Cinder
em “Scarlet” porque é a primeira
oportunidade que temos de vê-la agir, de fato, como uma LUNAR. Quando está
assustada, por exemplo, ela usa o poder lunar mesmo sem perceber ou querer… e se culpa por isso, especialmente por
parecer tão “certo” em seu corpo. Quando ela deixa os três guardas para
trás cantarolando, por exemplo – ela se odeia pelo dom poderoso e injusto, como
o julga, mas não pensa em deixar de usá-lo. É
ele que a permite escapar. Depois da brilhante fuga, Cinder e Thorne chegam
a uma nave que Cinder liga com a própria
energia, e eles partem para o espaço, com a nave sendo controlada por Iko!
Sim, Iko agora é uma nave…
Também
revemos Kai, por trechos muito menores do que vemos Cinder, e é interessante e
doloroso acompanhá-lo. Ele é um político, está em uma posição complicadíssima, mas ele não se vê capaz
de odiar Cinder como esperam que ele
faça. Assim, com a Rainha Levana ameaçando invadir a Terra, ele precisa autorizar a caça a Cinder por todo o
planeta, mas ele não pode deixar de
desejar que ela não seja encontrada. O antigo pé dela, inclusive, ainda está em seu escritório. Mesmo
assim, com esses sentimentos conflituosos
dentro de si, Kai sabe que Cinder precisa ser encontrada se ele quiser garantir
a segurança da Terra – há anos Levana busca uma desculpa para invadir o planeta, e se ele não entregar Cinder, como
ela exige, ela terá o motivo que tanto quer… em uma coletiva de imprensa, no
entanto, ele até chega a soltar um “Não
vejo porque ela ser ciborgue seja relevante”, quando fazem uma pergunta
maldosa.
<3
Cinder,
Thorne e Iko, por outro lado, não podem ficar no espaço para sempre, e a única maneira de voltar à Terra sem serem
localizados é, talvez, usando o poder lunar para esconder a nave, mas Cinder
não sabe se é capaz disso. E ainda tem a indecisão do que fazer uma vez na
Terra: ir à África atrás do Dr. Erland e seu futuro ou à Europa atrás de
Michelle Benoit e o seu passado? Por algum tempo, Cinder até consegue usar bem
o seu poder para esconder a nave, ao que tudo indica, e Kai precisa dizer à
imprensa que está caçando Cinder,
mesmo com os seus sentimentos conflituosos evidentes, e ainda que estejamos na
história da “Chapeuzinho Vermelho”, a madrasta e a irmã da “Cinderela” ainda
têm uma pontinha para arruinar a vida
dela mais uma vez: falam sobre o chip de identificação de Peony, que ela
ainda deve carregar consigo.
E Cinder pode agora ser localizada.
A viagem a
Paris de Scarlet e Lobo é um dos melhores momentos de todo o livro. Acho
absolutamente FASCINANTE a química que esses dois compartilham, e cada virar de
página é um verdadeiro êxtase. Há
muita tensão envolvida, e um quê de mistério (na cena da estação, por exemplo,
ou quando Scarlet conhece o ameaçador Ran no restaurante do trem, por exemplo),
mas também tem momentos em que eles
verdadeiramente se abrem um com o outro. Scarlet defendendo Cinder e
dizendo que “gosta de conhecer a história inteira”, por exemplo, e Lobo
contando parte da sua… os momentos são quebrados quando o trem para e androides
andam por ele colhendo sangue em busca da Peste: eles serão isolados em quarentena. Assim, só há uma coisa a fazer
se eles quiserem chegar a Paris e salvar a avó de Scarlet: PULAR DO TREM O MAIS
RÁPIDO POSSÍVEL!
Lobo a pega no colo, e pula com ela.
Na cena da
floresta, enquanto caminham para se afastar do trem que deixaram para trás,
temos várias revelações importantes. Ran ressurge como o irmão mais novo de Lobo, e a relação entre eles não é lá muito boa – e Ran é um ômega, a
posição mais baixa das matilhas. As cenas são fortes, Scarlet pensa que Ran
pode saber algo de sua avó, Lobo se recusa a confiar nele, e a luta entre os irmãos é impactante. Ao ver que Lobo é capaz de matar o próprio irmão, Scarlet lhe dá um tiro de raspão no braço,
como alerta, mas Ran realmente acaba
por não dizer nada… depois de se separarem do ômega, Scarlet e Lobo voltam a
caminhar seguindo os trilhos, em busca de outro trem que possa lhes dar carona,
e Lobo fala sobre a Matilha, e como a deixou na manhã em que sua avó foi
sequestrada – ele tem uma parcela de culpa nisso, e agora quer consertar tudo,
ajudar Scarlet…
Segundo Lobo,
a Ordem está atrás da Princesa Selene, e acredita que Michelle Benoit (!) pode
saber algo sobre isso, e então se delineia a parte mais complexa da trama, que
reúne as histórias de “Cinder” e “Scarlet” com perfeição, criando uma
Mitologia elaborada para as “Crônicas Lunares” que é bem-sucedida em nos deixar
ansiosos pelos próximos livros, e em
como as próximas protagonistas se unirão a essa trama maior. Ao conversar com
Lobo, Scarlet se dá conta de algumas coisas: como a avó é legal com lunares, como não os julga como os demais, e Lobo conta
algo que ela não sabia de sua época como militar: ela pilotou uma missão a Luna
há 40 anos, 9 meses antes do nascimento
de seu filho. E esse “Avô de Scarlet”, lunar, é o médico que ajudou a
salvar Selene quando a Rainha Levana tentou assassiná-la, há vários e vários
anos.
Agora que
“tudo” (?) foi dito, a tensão sexual entre Lobo e Scarlet cresce, e temos um
dos momentos mais excitantes do livro
– o desejo é forte, latente. Sinto em mim.
Quando eles saltam de volta ao trem, por exemplo, ela beija seu rosto e abraça
seu peito para pular com ele, e isso o desconcentra, quase lhe custando a vida…
mesmo assim, ele a protege de toda maneira, embora doa e, depois de passado o
susto, a bordo de outro trem, eles se
aninham e se sentem. Ela o quer, ela se sente protegida em seus braços, e ela
acaricia as cicatrizes de seu rosto e corpo até que não possa mais evitar
beijá-lo… e quando o beija, o beijo é intenso,
tanto que chega a dar arrepios. E é assim que eles chegam a Paris, à rua do
Museu do Louvre, destruída pela Quarta Guerra Mundial, um cenário belíssimo,
mas destroçado, onde as coisas mudam
completamente mais uma vez.
Lobo é
chamado de “Alfa Kesley”, ainda membro da Ordem da Matilha – e “a interrogou da
melhor maneira que pôde”. A traição é tão dilacerante quanto o desejo fora
pulsante. Gosto de como Marissa Meyer conduz essa parte da narrativa, porque
parecemos tão desnorteados quanto
Scarlet, que ainda está processando
todas essas novas informações, e a questão da “traição” não chega a ser tão
surpreendente… eu desconfiei dele quando insistiu
muito em busca de lembranças e informações que “pudessem ajudar a avó”, mas o
que é um baque é ouvir que ele é um “Agente Especial Lunar”. QUE LOBO TAMBÉM É
LUNAR, COMO CINDER. Mas geneticamente
modificado, o que o torna ainda mais
perigoso. Mas a traição é ambígua, de que lado Ze’ev Kesley, outrora Lobo,
está é bastante incerto… talvez ele
realmente sinta algo por Scarlet?
Ele a “beija”
na cela e lhe passa um chip de
identificação que pode ajudá-la a escapar.
A trama fica
muito mais complexa quando tudo é colocado às claras e Cinder chega à Fazenda
Benoit, de Michelle e Scarlet, em busca da mulher que a salvou da Rainha
Levana: A AVÓ DE SCARLET! No hangar, ela encontra a passagem secreta até o
laboratório onde ficou escondida desde os 3 anos, quando Levana tentou matá-la,
até os 11 anos, quando acordou como uma ciborgue. Ela também descobre um poder
interessante de Michelle Benoit, que descobriu uma maneira de ser imune ao
poder lunar, para proteger a informação
sobre a Princesa Selene. E é esse poder de Benoit que agora interessa às
autoridades lunares, não mais a localização da Princesa. Assim, Scarlet é
levada para ver a “avó” quando está presa, e a cena é FENOMENAL, porque não é a
avó de verdade, mas Ran, se fazendo
passar pela avó com o poder lunar, e quando Scarlet começa a perceber isso,
ela fala sobre “os olhos ficando maiores”, “as mãos ficando maiores”.
Uma referência
inteligentíssima à história original.
Ela não fala
a “fala clássica”, mas está ali… implícito.
O clímax do
livro chega quando Scarlet foge de sua cela com o chip de identificação que
Lobo lhe entregou e reencontra a avó, dessa vez de verdade, e ela está muito machucada, incapaz de andar, cheia
de ataduras por todo o corpo – é emocionante e muito triste. Michelle conta à
neta sobre a Princesa Selene e pede desculpas por tê-la envolvido nisso, mas
quando pede que Scarlet vá embora, Scarlet jura não deixá-la novamente. Mesmo assim, quando Ran chega à cela, a avó
faz de tudo para chamar a sua atenção e provocá-lo, para distraí-lo enquanto a
neta foge… e a morte é BRUTAL e SANGRENTA. Ao ver a avó morta, Scarlet foge, e
tudo é cheio de dor e sangue… e fica
ainda mais violento quando Lobo aparece em sua defesa, lutando contra o irmão.
Ele mata Ran na frente de Scarlet, e Scarlet o convence a não matá-la, porque sabe que não é isso o que ele quer
fazer.
Ele quer protegê-la.
É seu instinto de lobo.
Nas ruas de
Paris, na frente do Museu do Louvre destruído pela Quarta Guerra Mundial, as
protagonistas dos dois romances se unem quando Cinder atira em Lobo achando que
está protegendo Scarlet, e a confusão
é TREMENDA, com uma luta intensa contra
poderosos soldados lunares comandados por um taumaturgo, e Cinder mostra as
capacidades de seu poder ao conseguir controlar um membro da Matilha, enquanto
Scarlet pilota a nave e garante a segurança de Lobo, agora desacordado desde o
tiro de tranquilizante de Cinder. Por fim, as duas garotas fogem na nave que
agora é Iko, com Thorne e Lobo. Enquanto isso, LEVANA INVADE A TERRA. Múltiplos
ataques sanguinários tomam conta do planeta, mais de 10 mil mortos, e só há uma
coisa ao alcance de Kai para impedir mais mortes: casar-se com Levana. É MUITO TRISTE, mas é o que precisa ser feito.
Politicamente
falando.
Cinder fica
enfurecida ao ver o pronunciamento, e ali tudo vem à tona entre ela e Scarlet,
como ela é a Princesa Selene, e Lobo lhe reconhece como sua “verdadeira rainha”
e lhe jura lealdade. Talvez Levana tenha
razão em temê-la, é surpreendente o que conseguiu fazer com um membro da
matilha em sua primeira tentativa. Assim, o fim do livro traz um bom
momento entre Scarlet e Lobo, se entendendo depois de TUDO, e eu realmente acredito no “amor” daqueles
dois… porque foi tudo ao longo de uma semana, mas foi uma semana INTENSA. Agora, Cinder decide aceitar ser
treinada por Lobo e pelo Dr. Erland… chegou
a hora de ela deixar de se esconder. Treinar, aceitar quem é e o que pode
fazer, e enfrentar a Levana, antes que ela mate o Imperador Kai e tome controle
de toda a guerra, como anseia por fazer HÁ MUITO TEMPO. A guerra está só
começando…
Que venha “Cress”!
Para ler a review de “Cinder”, clique
aqui.
Comentários
Postar um comentário