Fronteiras do Universo, Volume I – A Bússola de Ouro (Philip Pullman)



“Quando Lyra recebe o aletiômero estranho e misterioso, se inicia uma jornada extraordinária para as terras geladas do Ártico, onde clãs de bruxas e ursos de armadura travam uma luta decisiva. Seu destino terá consequências inimagináveis, muito além do mundo em que ela vive…”

Certamente “A Bússola de Ouro” é uma das leituras mais intensas que já tive o prazer de fazer na vida. O li pela primeira vez ainda muito jovem, um pouco chocado com a narrativa, mas extasiado do início ao fim, curioso por mais, por informação – eu queria saber o que era o Pó, o que fazia o Conselho de Oblação, qual era o mistério da cidade na Aurora Boreal… mas talvez eu ainda fosse muito jovem para entender tudo o que estava acontecendo. Eu era como Lyra, meu dimon ainda mudando de forma constantemente, decidindo quem eu era. O reli agora, e novamente estou impactado. Conhecia a história, embora não recordasse os detalhes, e ainda assim não estou menos surpreso com os horrores de que as pessoas são capazes, especialmente na terceira e última parte do livro, culminando naquela cena de Lorde Asriel com Roger na neve.
O livro é fortíssimo, e brilhantemente inteligente. Philip Pullman constrói uma narrativa não apenas original, mas totalmente instigante e complexa. Esse é apenas o primeiro universo que ele cria na trilogia, e ele o faz com uma maestria sem tamanho – sou particularmente apaixonado pela noção de DIMONS, e eu adoro como isso, ao lado do PÓ, constituem a materialização de coisas de nosso dia-a-dia. Por mais “diferente” que seja do nosso mundo, no fim das contas ele não está assim tão distante do mundo que conhecemos. E quando eu digo isso, quero dizer que todos os horrores tampouco estão! Assim, o livro é bastante crítico, nos leva a uma série de questionamentos, e eu adoro quando uma narrativa consegue mexer conosco em um nível tão íntimo. “A Bússola de Ouro” certamente nos marca, e nos faz querer retornar imediatamente para o próximo…
Tudo muda em “A Faca Sutil”, por sinal.
“A Bússola de Ouro” começa nos apresentando Lyra, uma garota jovem que vive em Oxford, na Universidade Jordan, e que tem o dom da curiosidade. Por isso, ela entra escondida na Sala Privativa, juntamente com seu dimon, Pantalaimon, e acompanha secretamente uma reunião presidida pelo misterioso e intenso Lorde Asriel, onde ele institui os principais elementos que nos fascinarão e atormentarão durante a leitura, enquanto ansiamos por mais explicações. Ele traz “novidades intrigantes” a respeito do Pó, e a prova da existência de outros mundos através de imagens que registrou da Aurora Boreal, onde se é possível ver uma cidade, tão sólida quanto se estivesse ao alcance das mãos. Eu adoro como Philip Pullman compõe um mundo onde se fala sobre esses assuntos e sobre a “teologia experimental” – um mundo onde não há separação entre CIÊNCIA e RELIGIÃO.
Imagina o quão PERIGOSO não é isso?!
As coisas começam a mudar para Lyra com a chegada de uma mulher cujo dimon é um macaco dourado, e eu não sei se é por ter lido o livro anteriormente ou o quê (não consigo lembrar-me de minha reação na infância), mas eu a acho perversa desde o primeiro momento. Ela se faz de boazinha, mas a sua dissimulação forçada me causa calafrios. Lyra sabe que algo está acontecendo em Oxford, com o desaparecimento de crianças, e ela está prestes a perder o seu melhor amigo, Roger, para as pessoas que chamam de “Gobblers”. Para que isso tenha uma força maior, Pullman nos conta astutamente sobre algumas das aventuras de Lyra e Roger na Jordan, dentre elas as explorações das criptas com os túmulos dos reitores, o que, por sinal, nos dá mais informações sobre os dimons – representações das almas e das personalidades das pessoas, uma das coisas mais interessantes que o autor criou!
É um novum perfeito, na verdade!
Com o desaparecimento de Roger, levado pelos Gobblers como o Billy, uma criança gípcia, Lyra se lembra de coisas que ouviu na Sala Privativa, como quando mostrou o slide do Pó e, nele, o que chamou de “uma criança completa”, o que é um paralelo à “criança seccionada”, o que ela ainda não entende a que se refere. Logo do sumiço de Roger, no entanto, Lyra está prestes a deixar a Universidade Jordan – naquela noite, o reitor tem um jantar com a Sra. Coulter, a elegante e sedutora mulher do macaco dourado, e embora não queira que ela leve Lyra, não há mais nada que ele possa fazer. Assim, Lyra é levada embora para Londres com a Sra. Coulter, inocentemente encantada com tudo, quase que enfeitiçada, e é apavorante, tendo em vista que sabemos como ela e seu dimon são DEMONÍACOS. Antes de partir, no entanto, o reitor lhe entrega o aletiômetro…
E ele é FASCINANTE.
Em inglês, a trilogia não se chama “Fronteiras do Universo”, mas “His Dark Materials”, traduzido oficialmente como “Seus Materiais Obscuros”, e a BÚSSOLA DE OURO, ou o aletiômetro, é o primeiro deles. Ele me fascina desde o primeiro momento, e me pego virando as páginas alucinadamente, em busca de qualquer cena de Lyra com ele, porque me encanta vê-la aprender a lê-lo, e ver a conexão que existe entre ela e o aparelho, que é quase macabra. Assustadora, no mínimo, mas fascinante, como muitas coisas que são assustadoras e perigosas. É um instrumento pesado, com 36 desenhos/símbolos, e três ponteiros menores, que ela pode comandar, e um maior, que se move sozinho, trazendo “a verdade”. O leitor de símbolos pode responder, basicamente, qualquer pergunta feita a ele… mas nem sempre a pessoa sabe como lê-lo.
Isso o torna místico. Envolvente.
As coisas não demoram para sair do controle com Lyra em Londres com a Sra. Coulter. Quando ela cita o Pó, “inocentemente”, em busca de mais informações, a atitude da mulher muda drasticamente… ela começa a tratá-la com mais rispidez, e o ápice está no momento em que Lyra se recusa a deixar para trás uma bolsinha (onde carrega o aletiômetro), e o dimon da Sra. Coulter ataca Pan de forma dolorosa. Naturalmente, sendo PARTE DELA como sua “alma”, Lyra consegue sentir toda a dor e sofrimento de Pantalaimon, e isso a traumatiza. Depois de “resolvido” o caso, a Sra. Coulter gosta de fingir que nada aconteceu, mas Lyra aproveita a festa daquela noite para escapar. Durante o evento, Lyra ouve falar sobre o Conselho de Oblação, e descobre que a Sra. Coulter e o Conselho têm a ver com os Gobblers e o sumiço de Roger, também sobre o Lorde Asriel preso em Svalbard, vigiado pelos “ursos de armadura”, e sobre o Pó, “uma emanação do próprio princípio das trevas”.
A tensão escala a cada segundo que Lyra passa dentro da caça, investigando, ouvindo falar sobre algum experimento e a afirmação de que “as crianças não sofrem”. Lyra percebe o perigo que corre e, ao invés de ficar para descobrir mais, acaba escapando – e quando é atacada por homens nas ruas escuras de Londres, ela é salva por gípcios. Ao ser resgatada por eles, Lyra acaba se envolvendo em uma verdadeira rebelião contra os Gobblers para salvar as crianças levadas para o Norte, e tudo fica ainda maior. Ela conhece John Faa, Mãe Costa, Farder Coram, e eles a levam a descobrir muitas informações a respeito de seu passado, como que Lorde Asriel é seu pai e a Sra. Coulter é a sua mãe. Mãe Costa, por sua vez, foi a mulher que a protegeu e a amamentou. No meio disso tudo estava o reitor da Jordan, a protegendo o tempo todo, até que não pôde mais.
Lorde Asriel não queria que a Sra. Coulter levasse Lyra…
…mas eventualmente ele não pôde fazer nada para impedi-la.
Assim, com os gípcios, Lyra começa sua viagem ao norte. Enquanto escuta falar de teologia e experimentos com crianças, Lyra vai aprendendo a usar o aletiômetro, a fazer perguntas a ele e ler suas respostas, e justamente por isso, e apenas por isso, ela acaba autorizada a se juntar a uma viagem: porque eles sabem que podem precisar de suas leituras do aletiômetro, e ninguém mais sabe lê-lo. Assim, Lyra está destinada a salvar as crianças e chegar até Lorde Asriel… ou assim acredita. O universo se expande quando Lyra está com os gípcios, e então conhecemos novos personagens importantes, como as feiticeiras, e isso tudo mostra que Lyra faz parte de uma trama muito maior, da qual nem tem ideia, mas ela é uma das peças centrais de tudo:

“Há séculos as feiticeiras falam dessa criança. […] Por viverem tão próximas do lugar onde o véu entre os mundos é fino, de vez em quando elas escutam sussurros imortais, as vozes daqueles seres que passam de um mundo a outro. E eles falaram de uma criança como esta, que tem um grande destino que não poderá ser cumprido neste mundo, mas num lugar muito além dele. Sem esta criança, morreremos todos, é o que dizem as feiticeiras. Mas ela tem que cumprir esse destino sem saber o que está fazendo, porque somente na inocência dela nós podemos ser salvos. Está entendendo, Farder Coram?”

Quando a viagem começa rumo ao Norte, nós também nos aprofundamos na ideia de DIMONS, algo que Philip Pullman criou e que, até hoje, me fascina. Acontece que o tempo todo ele age como deveria – narrando do ponto de vista de personagens que habitam esse mundo, os dimons não são criaturas excepcionais, tampouco novidades. Elas sempre existiram e sempre existirão! Entendemos o quão repugnante é, para eles, a ideia de alguém não ter um dimon, e eu adoro a conexão de Lyra e Pan, como ele a anima quando ela fica enjoada no barco, e ele se transforma em vários animais, e ela pode sentir sua alegria, euforia e liberdade. A conexão é mágica, intensa, íntima – eles são UM SÓ. E Lyra não consegue entender o porquê de os dimons precisarem se fixar em uma só forma na vida adulta, e não consegue pensar que um dia ela ia querer isso.
Também temos uma cena fortíssima quando Lyra se aproxima de Iorek Byrnison, um urso de armadura, e ela e Pantalaimon se separam a uma distância maior do que deveriam – a sua dor é física e pungente, e quase a podemos sentir na descrição precisa do autor. Lyra está se aproximando de Iorek porque sabe que, com a sua ajuda (como o aletiômetro sugeriu), eles têm mais chances de serem bem-sucedidos na missão de salvar as crianças dos “Gobblers”, e ele promete ajudá-los até a morte ou a vitória se eles lhe devolverem sua armadura. Com a ajuda do aletiômetro, que conta a Lyra onde está a armadura de Iorek, Lyra consegue ajudá-lo e conquista a sua confiança. Aqui, temos um paralelo interessante sobre como, para os ursos, sua armadura é a sua alma, assim como o dimon é para os seres humanos…
O livro tem uma série de elementos interessantes. As Luzes do Norte. A cidade na Aurora Boreal. Os dimons das feiticeiras. Os Caçadores de Pó. Lyra descobre que Lorde Asriel, seu pai, pretende construir uma ponte que ligue esse mundo àquele que se pode ver através da Aurora Boreal, e o admira tolamente, sem saber tudo o que há por trás desse desejo de Lorde Asriel… movida pela utopia de “atravessarem a ponte juntos”, Lyra pensa em ajudá-lo de qualquer maneira. E enquanto ela está no ápice de sua ilusão e esperança, a realidade a chama de volta para os horrores que o mundo reserva, quando ela chega a uma aldeia onde todos os moradores estão amedrontados por uma “criança estranha”, que o aletiômetro pede que Lyra ajude… UMA CRIANÇA SECCIONADA. É a primeira vez que Lyra vê o que o Conselho de Oblação tem feito no Norte:
Cortando os dimons das crianças.
É apavorante pensar no dimon como a ALMA da criança, como algo que nasce com ela, como parte dela, e pensar em uma parte da Igreja que está tentando tirar isso das crianças! Horrorizada, Lyra não sabe como agir – sente ânsia, pensa em sair correndo, porque não consegue conceber a ideia de que alguém possa não ter um dimon. Todos tratam essa criança como um MONSTRO, uma ABERRAÇÃO, e a descrição para ela inclui dizeres como “criatura horrivelmente mutilada”. Felizmente, no coração de Lyra, como Philip Pullman coloca, “a repugnância estava lutando com a compaixão, e a compaixão venceu”. Então, ela acolhe Tony, o “meio-menino”, e o leva com Iorek até os gípcios, mas apesar de todos os seus esforços, o menino acaba encontrando o mesmo destino que todas as outras crianças que foram separadas de seus dimons… ELE MORRE.
Tudo é intensamente forte e marcante. Lyra reage lindamente à morte do garoto, com muito sofrimento expresso em cada palavra, porque ela respeita e pensa na dor do menino, revoltada quando percebe que tiraram dele o peixe morto que ele carregava como se fosse o seu dimon, a única coisa que tinha para tentar “substituir” a Rateira, por quem ele perguntava o tempo inteiro… Lyra improvisa e, como viu nas criptas da Universidade Jordan com Roger, certa vez, coloca uma moeda com o nome da Rateira na boca de Tony, esperando que isso seja o suficiente. E, sendo ou não, é uma atitude LINDÍSSIMA e HUMANA de Lyra, que é a única que trata o garoto com respeito, e não como se “ele não fosse gente”, porque não tem mais o seu dimon. E é essa trama que dá início a todo o desvelamento das ações futuras de “A Bússola de Ouro”.
Lyra acaba sequestrada e levada à Estação Experimental, onde o Conselho de Oblação trabalha – e ela dá o nome falso de “Lizzie Brooks”. Na manhã seguinte, a Sra. Coulter vai chegar à Estação, e então uma criança será levada para nunca mais voltar. Por isso, Lyra sabe que não tem muito tempo para agir. Assim, durante um desorganizado treino de incêndio, Lyra sai com Roger e Billy (!) para “investigar”, e ela encontra um lugar onde vários dimons estão sendo guardados em caixas de vidro, pálidos… ela e o dimon da Feiticeira os ajudam a escapar, e então Lyra retorna para junto das demais crianças, mas com um plano em mente para que escapem usando, novamente, o alarme de incêndio… o problema é que, ainda com o “treinamento” chegando ao fim, um zepelim trazendo a Sra. Coulter chega, e então Lyra sabe que ela não tem mais tempo.
Naquela noite, Lyra sai escondida e escuta conversas cruéis e desesperadoras – ela escuta falar sobre a INTERCISÃO e sobre uma GUILHOTINA PRATEADA, e enquanto está investigando, ela acaba descoberta. É um NERVOSISMO SEM TAMANHO quando Lyra é levada para ser cortada e separada para sempre de Pantalaimon, uma sequência angustiante que, ainda hoje, me causa calafrios e náuseas durante a leitura… é desesperador, é doloroso, e aqui Pullman chama Pan de “alma da Lyra” abertamente, por isso é tão horrível que eles estejam tocando em Pan, e os estejam submetendo a isso. É um suspense tremendo enquanto esperamos a guilhotina baixar separando-os para sempre, com uma dor tão palpável, e então por questão de segundos, Lyra não é seccionada, pois a Sra. Coulter aparece e não permite que continuem com isso.
Não com Lyra.
A narrativa me entristece e me angustia, do início ao fim. “A Bússola de Ouro” realmente nos convida a SENTIR o que os personagens estão sentindo. É claro o horror quando eles tocam em Pan pela primeira vez e, imediatamente, Lyra fica fraca, perde todas suas forças e está vulnerável como nunca antes esteve. É apavorante que esses possam ser seus últimos momentos “como um ser completo”, e os adultos são frios falando da separação da criança e dimon, criando “duas entidades separadas”, como se isso não fosse nada… ao ser salva pela Sra. Coulter, no entanto, Lyra mantém sempre sua INTELIGÊNCIA. Ela se faz de inocente, finge que foi sequestrada, não que escapou em Londres, e ainda engana a mãe quando ela tenta pegar o seu aletiômetro. Então, no meio de toda uma confusão, Lyra aciona os alarmes de incêndio, coloca fogo no local para ser mais real, e lidera UMA GRANDE FUGA DA BASE!
Enquanto as crianças fogem e os tártaros atacam, as feiticeiras ajudam na batalha enquanto as crianças andam no frio, beirando à morte, até a proteção dos gípcios. Lyra quase é pega pela Sra. Coulter novamente, mas Serafina Pekkala a salva, em uma cena e tanto! Então, os gípcios acabam com a Estação Experimental no norte, salvam as crianças que estavam no lugar, e Lyra acaba com Roger e Iorek em um balão, rumo ao norte, na companhia das feiticeiras, que têm muito que contar! A viagem é linda, com direito a diálogos inteligentes e intrigantes, e todas as conversas de Lee e Lyra com Serafina acabam por conceituar e ampliar o universo criado por Philip Pullman. Agora, eles estão indo rumo a Svalbard, mas em um novo ataque, Lyra acaba sendo presa e levada pelos ursos… mas essa é uma chance inesperada da qual Lyra tira o máximo proveito!
Ao reler o livro, eu só conseguia pensar: COMO EU AMO A LYRA! Ela fica prisioneira no Palácio de Iofur Raknison, o urso que enganou a todos e tomou o trono que pertencia por direito a Iorek Byrnison, e ela não descansa em nenhum momento. Ela conversa tanto com o aletiômetro como com outro prisioneiro na mesma cela que a sua, e se lembra do que ouviu na Sala Privativa, lá no início do livro: Iofur quer um dimon mais que qualquer coisa no mundo! Então, dissimulada e mentirosa, ela manipula Iofur perfeitamente, o fazendo acreditar que ela é o dimon de Iorek Byrnison, convencendo-o através de seu ego, ambição e um quê de burrice – mais as informações que consegue com o aletiômetro. Assim, Lyra garante que Iorek não será morto na chegada como qualquer outro renegado, e lhe garante o direito de uma luta justa com Iofur, pelo trono que é seu por direito!
Nunca no livro me orgulhei tanto dessa garota!
Iorek acaba agradecido pela chance de lutar e, ao fazê-lo, ele VENCE, se tornando o rei dos ursos, devolvendo a eles sua natureza de urso, frustrando os planos da Sra. Coulter, que manipulava Iofur, de transformar o lugar em outro centro de experiências. Agora, Lyra só precisa terminar a sua missão, que ela acredita ser entregar o aletiômetro para o pai antes que a mãe o pegue. O tempo todo, no entanto, Lyra está sendo alertada sobre como está interpretando as coisas erradas, mas ela segue sem perceber. O aletiômetro fala sobre “entregar algo a Lorde Asriel”, por exemplo, mas não usa os símbolos que comumente usa para se referir a si mesmo, e ela sente que está deixando passar algo na leitura, mas embora pense sobre isso, ela não consegue entender o que seria… então, na inocência que precisa ter para “cumprir seu papel”, Lyra segue em frente.
E condena a vida de Roger.
Há meses, Lorde Asriel está na sua “prisão” realizando experimentos para erguer a ponte até o outro mundo, e apenas uma coisa está faltando – ele surta ao ver Lyra chegar, pede que ela vá embora, e então “se acalma” subitamente ao ver Roger ao seu lado, e meu coração se aperta ao perceber qual é o seu plano, desde o início. Próximos ao fim do livro, OS CAPÍTULOS SÃO INTENSOS. Lyra pergunta ao Lorde Asriel sobre o Pó, e Lorde Asriel resolve compartilhar o que sabe com a filha: fala sobre como o Pó é a manifestação do pecado original, que surgiu quando Eva comeu do fruto proibido e seu dimon assumiu uma forma única (tem até uma passagem da Bíblia naquele mundo, com menção aos dimons de Adão e Eva!). Lorde Ariel fala sobre o Conselho de Oblação, sobre a tentativa da Igreja de acabar com o Pó, que começa a ser atraído para as pessoas na puberdade, quando os dimons assumem uma única forma.
Isso é tão a igreja quadrada e CONSERVADORA – quantos horrores já foram cometidos ao longo da história em nome da Igreja e por ela mesma? Lyra pergunta onde é que ele entra nisso tudo, e Lorde Asriel explica: o Conselho de Oblação quer separar os dimons das crianças porque acha que assim elas nunca atrairão o Pó, independente de elas se tornarem verdadeiros zumbis sem vontade própria ou vontade de viver, no caso de sobreviverem, mas ele mesmo acredita que isso não é o suficiente – o que Lorde Asriel quer é ir até a fonte do Pó, que ele acha que está na cidade que pode ser vista através da Aurora Boreal. Segundo ele, se a luz passa entre os mundos e eles podem vê-la, então eles também podem fazer uma ponte e atravessar até o outro mundo… para isso, no entanto, eles precisam de um montante imenso de energia. E Lyra ainda não percebera…
Lorde Asriel falava sobre a IMENSA ENERGIA de que precisaria para construir a ponte entre os mundos, e também já falara sobre a IMENSA ENERGIA que conecta o dimon a um humano, e que é liberada e desperdiçada quando a Guilhotina Prateada os separa – era só uma questão de ligar os pontos, mas Lyra estava atordoada demais com todas as novas informações. Assim, Lyra só percebe o que fez quando já é tarde demais. Durante a noite, o empregado de Lorde Asriel desperta Lyra assustado, dizendo que Lorde Asriel “estava louco e saiu levando o menino”. Então, enfim, Lyra percebe tudo: que Lorde Asriel quer usar a energia da separação entre Roger e seu dimon para ergue a ponte entre os mundos – DEPOIS DE TUDO O QUE LYRA TINHA FEITO PARA SALVAR A VIDA DE ROGER, ELA TINHA APENAS O ENTREGADO NAS MÃOS DO LORDE ASRIEL.
Para ser morto.
Cruel L
Assustada, Lyra pede a ajuda de Iorek Byrnison, para que ele a ajude a seguir o pai, e enquanto eles atravessam a neve sem fim, eles são atacados por tártaros, o que os atrasa ainda mais, dando mais tempo para o Lorde Asriel concretizar o seu plano… por fim, Lyra precisa fazer o fim do caminho sozinha, atravessando uma ponte que cai logo após a sua passagem. Quando Lyra enfim chega até o lugar onde Roger e o Lorde Asriel estão, ela acaba perdendo o amigo, que cai morto em seus braços quando ele e seu dimon são separados, e é doloroso ler as cenas de Lyra com o corpo inerte de Roger nos braços. A dor dessa perda é um paralelo macabro e lindo com o novo mundo se desvelando frente aos seus olhos quando a energia da separação entre humano e dimon abre a ponte até o outro mundo… tudo fica concreto na frente de seus olhos.
Ela pode tocar o outro mundo.
Lorde Asriel convida a Sra. Coulter a ir com ele, mas ela teme o que terá do outro lado, ou como a Igreja vai reagir, e acaba ficando para trás. Então, depois que Lorde Asriel atravessa sozinho a ponte até o outro mundo, Pantalaimon convence Lyra a fazer o mesmo – afinal de contas, se o Lorde Asriel e todos os outros estão tão certos de que o Pó é ruim, talvez ele não seja tão ruim assim. Para descobrir mais a respeito disso, os dois precisam eles mesmos atravessar e encontrar a FONTE DO PÓ, e então saberão o que fazer. Assim, Lyra e Pantalaimon também atravessam a ponte recém-erguida, deixando para trás o mundo que conheceram e caminhando corajosamente rumo ao desconhecido… a vontade é de correr para “A Faca Sutil” e continuar essa trama! Até porque Philip Pullman levantou muitas questões intrigantes que queremos ver desvelar.
Fora toda a questão de UNIVERSOS PARALELOS.
Que eu, por sinal, adoro.
Um livro ESPETACULAR, marcante, para se ler várias vezes. E pensar em todas elas.


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