O Escaravelho do Diabo (Lúcia Machado de Almeida)



“Hugo é simpático e cheio de amigos. Com cabelos ruivos, ar sadio e jovial, aos 18 anos ele coleciona admiradoras. Um belo dia, recebe um pacote secreto em sua casa. Foguinho, como é conhecido, desconfia que seja mais um presente de alguma garota. Mas, ao abri-lo, encontra algo inusitado: um besouro negro com chifres. Quem teria enviado algo tão sinistro a ele?
Dias depois de receber o pacote, Hugo é encontrado morto. E, de repente, uma série de assassinatos tem início na tranquila cidade de Vista Alegre. Em comum, toda as vítimas eram ruivas e haviam recebido besouros antes de morrer.
Porém o irmão de Hugo, Alberto, não vai descansar enquanto não desmascarar o criminoso”

Um dos livros mais famosos da Coleção Vaga-Lume, e que ganhou uma adaptação para o cinema recentemente, O Escaravelho do Diabo é um livro de suspense e investigação que foi escrito e publicado, inicialmente, em capítulos no jornal, em formato de folhetim… você nota isso claramente durante a leitura, com os ganchos deixados ao fim de cada capítulo por Lúcia Machado de Almeida, prendendo o leitor que ainda tinha que esperar uma semana, pelo menos, para conhecer a continuação da história. É como ela termina um capítulo falando sobre uma caixinha com seis escaravelhos encontrados sob o colchão de Verônica… PAH! De leitura rápida e envolvente, Lúcia Machado de Almeida consegue manter bem o segredo do assassino e seus motivos para os crimes absurdos que cometeu, enquanto Alberto tenta encontrá-lo em Vista Alegre.
A história de O Escaravelho do Diabo começa quando Hugo, um garoto alto, bonito, de cabelos “cor de fogo” e pele sardenta, que fazia muito sucesso com as garotas, é brutalmente assassinado. Antes do crime, ele recebe uma caixinha com um escaravelho dentro, espetado em uma rolha e, instigado pelo mistério da morte do irmão, Alberto começa a investigar o caso. O escaravelho que Hugo, o Foguinho, recebeu é um Phanaeus ensifer, cujo nome significa “portador de espada”. Não coincidentemente, Hugo foi encontrado morto na manhã seguinte com uma espada espanhola cravada no peito, o que chama a atenção porque não pode ser mera coincidência… no entanto, tudo começa a se constituir mesmo como um caso quando Clarence O’Shea também é assassinado, e ele tinha os mesmos cabelos VERMELHOS de Hugo!
Clarence O’Shea cai morto na frente de todo mundo ao tomar um “remédio” no meio de uma festa, e a autópsia acusa “envenenamento violento por cianeto de potássio”. Assim como Hugo, Clarence recebeu uma caixinha com um escaravelho dentro, que Alberto descobre ao visitar o quarto do rapaz com a polícia: um Hipophenemus toxicodendri, cujo nome indica o envenenamento. A terceira morte acontece na ópera, Maria Fernanda, mulher ruiva que interpretava Carmen, é morta por uma pequena seta envenenada que a acerta no peito, atirada de zarabatana, provavelmente de longe. Seu besouro? Um Onthophagus sagittarius, e sagittarius significa “seta”. Com TRÊS MORTES, é oficialmente um caso. Ruivos estão sendo mortos pela cidade e, antes de morrer, recebem um escaravelho que é uma dica de como essa morte ocorrerá.
O suspense é interessante.
Tanto que o caso chega ao ZOOLÓGICO! Um galo-da-serra, cujas penas são descritas como “da cor ardente do fogo”, é morto e completamente depenado durante a madrugada, mostrando um nível de psicose agudo do criminoso em questão. O livro vai trabalhando com uma série de pistas e desconfianças claras, e o leitor é instigado a indagar ao lado dos personagens, mas não tem muito mais caminho a percorrer do que o que já está descrito no livro. Você devora porque quer saber as respostas, a identidade do assassino, mas o material não é o suficiente para indagações extraordinárias que o levam a conclusões independentes. Os entomologistas da cidade são todos visitados, e Alberto e o Inspetor Pimentel localizam todos os ruivos da cidade para alertá-los do perigo, pedindo que eles avisassem imediatamente se recebessem uma caixinha com um besouro.
Os principais suspeitos estão todos na pensão de Cora O’Shea em que, em certa ocasião, Alberto imprudentemente fala de “seu interesse por besouros”, o que faz com que o assassino fique alarmado e mande uma ameaça ao jovem: um embrulhinho próprio, com um escaravelho vermelho, com dois chifres, de PAPELÃO, com a palavra “SILÊNCIO” gravada no verso. Rachel Saturnino é a próxima vítima, mas esta não recebe a caixinha com o escaravelho, porque uma tempestade faz com que o carteiro perca todas as encomendas, com a caixinha com o presságio sendo levada pela correnteza… ela é atacada em um parque, de madrugada, mas diferente dos demais, não chega a morrer. É gravemente ferida, perde uns 2 litros de sangue, e Alberto acredita que ela possa ser uma grande fonte de PISTAS sobre o “inseto”, como passam a chamar o assassino.
Mas Rachel Saturnino não está em condições de falar.
Rachel tem um colapso nervoso, fruto do choque e do trauma. Não diz coisa com coisa, grita, e ela grita de puro pavor quando Alberto lhe mostra o pequeno escaravelho vermelho de papelão… aquele que a atacou também tinha mãos vermelhas e chifres. Infelizmente, para atrapalhar as investigações, o caso vem todo à tona nos jornais, e as coisas vão ficando mais intensas quando, por exemplo, Alberto e Verônica são atacados na rua, voltando de uma palestra, e Alberto atira no “inseto” sem nenhum sucesso. Depois disso, Alberto corre, eufórico, até a pensão de Cora em busca dos suspeitos, para receber, dias mais tarde, uma encomenda: uma caixa em tamanho regular, dentro da qual ele encontra um par de luvas de pano vermelho vivo, e uma espécie de máscara, com dois chifres vermelhos de algodão, e um recado para ele:

“PARA POUPAR SEU TRABALHO, COM OS CUMPRIMENTOS DO… ‘INSETO’”

O livro trabalha com uma série de suspeitas, como o cozinheiro e a copeira, e personagens como Phillip Gedeon lendo um livro sobre besouros, até o fatídico momento da ÚLTIMA VÍTIMA: o Padre Afonso. Ele volta de uma viagem para descobrir uma caixinha que chegou para ele, com um besouro espetado em uma rolha: um besouro verde escuro, quase BRONZEADO. Como o telefone não funciona, o sacristão corre à cidade para avisar Pimentel e Alberto, mas quando eles chegam de volta… TARDE DEMAIS. A igreja está em chamas, e o fogo consome tudo, inclusive os dois corpos lá dentro, o Padre Afonso e o Mr. Graz, que devia estar se confessando no momento. Ali todos os suspeitos, menos a copeira, se reúnem, convenientemente “nas redondezas”, porque a mãe mora por ali, ou porque queriam falar com o Inspetor Pimentel.
Então quem é o responsável pelo fogo?!
Inicialmente eles tentam acreditar que o fogo foi um acidente que antecipou o trabalho do “inseto”, mas a identificação do escaravelho do Padre Afonso mostra que não: Bembidion ustulatum. E ustulatum quer dizer “queimado”. Depois dessa última morte, Alberto recebe uma nova mensagem:

“CUMPRIU-SE O PLANO PREVIAMENTE TRAÇADO. FEZ-SE JUSTIÇA, AFINAL. HUGO FOI O PRIMEIRO, E PADRE AFONSO, O ÚLTIMO. JAMAIS SUSPEITARÃO QUEM FOI… O ‘INSETO’”

E, depois disso, 5 ANOS SE PASSAM…

A solução do mistério vem nos capítulos finais… infelizmente, eu senti que faltou uma construção melhor para a grande REVELAÇÃO. Os crimes ficam bem explicados, bem como a identidade do assassino e suas motivações, mas tudo foi tão ao acaso. É conveniente DEMAIS, meio Deus ex-machina, que Alberto esteja conversando com um amigo alemão em Paris (!) quando mostra a ele uma foto de Verônica, na qual ele reconhece Mr. Graz, mas o chama de Rudolf Bartels, um entomologista que surtou há alguns anos depois de um caso específico. Você entende que a solução parece ter, simplesmente, caído do céu para Alberto, depois de tanto tempo? Como se, diariamente, conversássemos com amigos alemães, na França, e descobríssemos a solução de um antigo caso de assassinato em série que te atormentou. Porque o mundo é pequeno, mas será que tão pequeno assim?
Rudolf Bartels descobriu uma nova espécie de besouro, há alguns anos, que nomeou Ignicornius diabolicus, o “Escaravelho do Diabo” do título, mas o seu assistente, Hans Schultz, roubou esse besouro antes que ele pudesse expô-lo aos seus colegas cientistas… resultado? UM SURTO PSICÓTICO. Rudolf Bartels perdeu o juízo, ficou quase irreconhecível, e como Hans Schultz era alto, de cabelos vermelhos e pele sardenta, ele, depois de uma espécie de amnésia, desenvolveu um tipo de fobia psicótica de ruivos em geral, justificando a mente atormentada que cometeu todos esses assassinatos. A explicação é boa, evidenciando porque Rudolf Bartes escolhia vítimas de cabelos vermelhos e pele sardenta, e também porque mandava besouros para suas vítimas antes, o que é fruto de muita pesquisa e preparação, eu só gostaria que a conveniência fosse mais velada.
Por fim, o assassino morreu ao lado de sua última vítima.
Acredito que a grande força do final do livro, mesmo, está, mais do que no “Escaravelho do Diabo”, que explica a trama por trás de Mr. Graz que o corrompeu a ponto de ser um assassino psicopata, na maneira como Alberto acredita no AMOR, e faz o possível para ir até Curitiba atrás de Verônica, encontrando-a na noite de um concerto! A cena dos dois no teatro, rápida e poderosa, é uma das melhores partes do livro, assim como as últimas frases, que nos levam um ano no futuro, mais ou menos, para encontrarmos Alberto no hospital, de madrugada, ouvindo gritos de parto, antes de uma enfermeira chegar carregando um bebê, filho seu e de Verônica, com cabelinhos vermelhos, que recebe, merecidamente, o nome de “Hugo”, como seu irmão, a primeira vítima do “inseto”. Lúcia Machado de Almeida conduziu, de forma interessante, tanto um caso policial de investigação quanto uma história de amor ao longo dos anos.
E é isso o que torna “O Escaravelho do Diabo” tão aclamado.
Embora meu favorito ainda seja “O Mistério do Cinco Estrelas”.

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