Black Mirror 2x02 – White Bear

 

“O que é justiça?”

QUE DOENTIO! Não é a primeira vez que eu assisto a esse episódio… e eu sempre o termino com os olhos estalados, em choque – é incrível a brutalidade de que o ser humano é capaz, né? Acredito que “White Bear” é, na segunda temporada, o que “The Entire History of You” foi na primeira… mas ainda melhor. Para mim, “White Bear” é um dos melhores episódios de “Black Mirror”, mesmo que me cause uma angústia e um desconforto muito grande. Não é fácil assisti-lo, e você pensa em muitas coisas enquanto o faz, mas é uma crítica tão pesada e tão bem construída que eu mal posso acreditar que a série conseguiu fazer isso tudo em 42 minutos… que desenvolvimento brilhante, que atuações convincentes! “White Bear” começa com uma mulher desorientada despertando em um quarto que não reconhece, para um mundo totalmente maluco.

Lembro-me da primeira vez em que assisti o episódio, há mais de 3 anos, e como eu pensei muita coisa daquela vez – hoje, quando assisto, meus questionamentos em algumas partes são menores, porque eu já sei o que está por vir no inteligente e angustiante plot twist do episódio, mas ainda assim tudo é muito bizarro e incômodo. A mulher parece ser uma das poucas pessoas conscientes em um mundo com um misterioso sinal na TV e pessoas vidradas em seus celulares, a observando fascinadas, fotografando, filmando, rindo… aquelas pessoas com os celulares nas mãos me causam arrepios, sempre! Além dos “espectadores” (é assim que uma mulher que acaba a “ajudando” os chama), também existem os “caçadores”, pessoas cujo único intuito parece ser matar a mulher desorientada, que foge enquanto pode e passa por torturas inimagináveis.

Uma das coisas que mais nos causam angústia são as cenas da mulher correndo pela cidade, perseguida por maníacos com motosserras e espingardas, parecendo dispostas a matá-la a qualquer momento, enquanto um número muito maior de pessoas assiste àquilo como se fosse um grande espetáculo, um “Show de Truman”. Ouvimos os gritos dela pedindo ajuda, mandando que eles façam alguma coisa, mas nada adianta… em um momento chegamos a pensar que ela realmente está prestes a morrer, e então ela acaba recebendo uma ajuda inesperada que acaba a conduzindo até a fonte de energia Urso Branco, um lugar onde as coisas mais bizarras do episódio acontecem. Depois de ela ter parecido ser exposta durante todo o episódio a algum tipo de “show” doentio, ela se encontra em um palco, com espectadores sombrios aplaudindo, enquanto todos que conheceu durante o dia agradecem ao público.

Atores.

Gosto muito do plot twist de “White Bear”, embora o episódio já tenha dado uma série de dicas a respeito de tudo ser um show ou uma encenação ou um experimento… mas “Black Mirror” torna isso tudo muito mais complexo. Aqui, um apresentador resolve finalmente responder à pergunta que ela se fez o dia inteiro: a respeito de quem ela é. E então descobrimos que a mulher, Victoria Skillane, é alguém que foi presa por um crime horrível que cometeu… ela e o noivo sequestraram uma garotinha, que passou alguns meses desaparecida e sendo procurada por todo o país (o caso tomou as mídias, comoveu as pessoas, todos ficaram sabendo), e depois eles a mataram, em uma sequência horrível de se imaginar. O noivo de Victoria torturou a garota e a matou, enquanto ela filmava tudo do seu celular… depois, eles queimaram o corpo da garota e colocaram em um saco de lixo.

O que Victoria fez é horrível, e ela merecia pagar por isso…

…mas assim?

O episódio fala sobre o quanto é doentio “fazer justiça com as próprias mãos”, e o quanto isso nos torna iguais ou piores do que aqueles que estamos julgando. Victoria foi condenada a uma tortura eterna na qual as pessoas fazem com ela o que ela fez com a garotinha… diariamente, ela é perseguida, atormentada, torturada, enquanto uma série de pessoas filmam de seus celulares. Acho muito inteligente como o roteiro construiu todo o cenário da tortura de Victoria com base em elementos que eram importantes para o caso: o “urso branco” que era o bichinho que a garotinha carregava consigo e se tornou o símbolo da busca; o “sinal” que aparecia na televisão ser a tatuagem que o noivo de Victoria tinha na nuca; mas acho que o mais perverso de todos é o fato de eles terem manipulado Victoria para que ela acreditasse que a garotinha era, na verdade, sua própria filha… a garotinha que ela matou e filmou.

Tudo é cruel, perverso, angustiante – e doentio. Como eu disse, o episódio causa muito desconforto, e é engraçado como condenamos Victoria pelo que fez com a garota, mas como reconhecemos, de imediato, que aquela não é uma punição adequada… de algum modo, olhamos com mais nojo para as pessoas fazendo isso tudo. O episódio, então, fala a respeito de como as pessoas julgam as outras, como se vingam e como se sentem melhores do que as outras, fazendo justiça com as próprias mãos… o que eles fazem diariamente com Victoria não os torna melhor do que ela por tudo o que ela fez com a garotinha. Eles estão reproduzindo o que, supostamente, mais “abominam”, e intensificando e repetindo isso de uma maneira tão doente, enquanto acham que têm a razão, enquanto acham que estão fazendo uma grande coisa, e que estão punindo Victoria por isso. Eles gritam xingamentos que caberiam perfeitamente a cada um deles, nesse momento.

E tudo é um show sensacionalista, um espetáculo macabro.

O episódio nos faz mal, causa incômodo e nos leva a pensar no mundo em que vivemos – porque não é difícil pensar numa realidade em que as pessoas fariam exatamente a mesma coisa que aqueles “espectadores” fizeram o dia todo. Porque, para eles, é um espetáculo! Acho que o episódio é perversamente irônico em sua conclusão, quanto tudo começa de novo, e acompanhamos os créditos revivendo o dia de Victoria, dessa vez do outro lado… do lado do “Parque da Justiça” – porque é assim que eles se nomeiam. Ri de desespero com aquelas “instruções” no início do dia, e aqueles funcionários do “parque” mandando que os visitantes se divertissem… e acho que uma das piores coisas é ver que existiam crianças ali no meio, fascinadas, rindo, adorando. Que tipo de sociedade destruída é essa na qual vivemos? Eles não percebem que são ainda piores que ela.

Sei lá, tenho muito a dizer sobre esse episódio, e pouco que sei como.

É pesado, difícil, e um dos melhores de “Black Mirror”. Que série, minha gente!

 

Para mais reviews de “Black Mirror”, clique aqui.

 

Comentários