Sítio do Picapau Amarelo (1978) – Memórias de Emília: Parte 1
“Esta vai ser a única mentira das minhas memórias”
UMA DAS
MINHAS HISTÓRIAS FAVORITAS NO “SÍTIO DO PICAPAU AMARELO”. Há muito tempo
planejo vir ao blog comentar a primeira versão da Rede Globo para o “Sítio do Picapau Amarelo”, e sempre me
perguntei por onde começaria… talvez
pelas histórias clássicas de 1977, embora não a primeira, que é dificílima de
se encontrar… ou então por histórias emotivas como “A Morte do Visconde”… ou ainda a adaptação de 1981 de “A Chave do Tamanho”, que é o meu livro
favorito e nunca ganhou uma adaptação na segunda versão do canal. Mas acabei
optando por “Memórias de Emília”, porque eu amo essa história, seja ela em
que versão for – a do livro de Monteiro Lobato, a de 1978 com a Reny de
Oliveira, ou a de 2001 com a Isabelle Drummond. Nessa história, nossa querida
boneca de pano resolve “contar as suas memórias”… do seu jeitinho especial.
A história é
divertida e repleta de novidades, ao mesmo tempo em que consegue caminhar por
uma série de aventuras que o pessoal do Sítio já viveu… não é uma reprise
comentada nem nada assim, porque a Emília
não conta as histórias realmente do jeito que elas aconteceram (e o tanto
de mentiras, eventualmente, transformam essa numa história única e singular!),
mas revivemos, de uma maneira ou de outra, uma série de eventos, como a
primeira visita de Narizinho e Emília ao Reino das Águas Claras, quando a
boneca comeu a pílula falante do Doutor Caramujo e desandou a falar, ou a
clássica história do Minotauro e, ainda, uma participação do Capitão Gancho e
seus piratas, que protagonizaram uma outra história dessa mesma temporada, e
que é, até hoje, uma das histórias mais lembradas e mais amadas pelos fãs.
“Memórias de Emília” começa apresentando
dois conceitos: a percepção de que as memórias já estão ficando embaçadas no meio de tanta aventura que eles vivem;
e a ideia de que “quando algo está escrito, ninguém esquece”. Dona Benta é a
primeira a citar o conceito, ainda sem a presença das crianças, por causa de
uma “discussão” da Tia Nastácia e do Zé Carneiro, esse último tendo se
esquecido de trazer maisena da venda para ela fazer um bolo… enquanto isso,
Emília e Narizinho caminham pelo capoeirão em busca do célebre VIDRO AZUL, e é
fácil notar por que Reny de Oliveira é tão amada no papel da adorada bonequinha
de pano: ela tem um carisma próprio, ela nos envolve e nos faz sorrir, e eu
adoro o seu jeito rápido de falar, cheia de perguntas, como quando Narizinho
diz que “deixou o Vidro Azul perto de uma pedra”, e ela pergunta:
“Pedra? Que pedra? Grande ou pequena?
Redonda ou quadrada? Branca ou marrom?”
Amo toda a
história do Vidro Azul, um dos melhores amigos do Visconde, que apareceu pela
primeira vez em toda a história do casamento da Emília com o Marquês de Rabicó.
Agora, a Emília o pegou emprestado do Visconde, e a Narizinho não se lembra onde ela o escondeu… as
duas até discutem, porque a boneca a acusa de ter perdido seu vidro, embora
Narizinho afirme que “tem boa memória”, mas o vidro, na verdade, está com o
Pedrinho, que o viu jogado na mata e o pegou para colocar minhocas dentro
quando vai pescar com o Tio Barnabé… e então, Pedrinho conta para o Tio Barnabé
toda a história do Vidro Azul e do casamento – ou pelo menos tenta, de acordo
com o que ele se lembra, mas ele também já percebe que está ficando confuso. Afinal de contas, tantas coisas acontecem o
tempo todo no Sítio do Picapau Amarelo… como se lembrar de tudo?
Visconde fica
arrasado quando descobre que seu amigo e confidente desapareceu, e Emília está
brava, dizendo que a culpa é da Narizinho, “que não lembra onde põe as coisas”,
mas Visconde está bravo é com a marquesa, porque foi para ela que ele emprestou
e, portanto, era dela a responsabilidade… aqui, novamente a ideia de escrita é
levantada, quando a Emília discute com Narizinho e diz que ela podia ter feito
um mapa para o Vidro Azul, assim como os piratas fazem: “Escrevendo nunca se esquece”. No fim, Pedrinho aparece com o Vidro
Azul, e tudo é extremamente divertido, porque, nessa versão, eu acho que era
mais clara a maneira como Pedrinho e Emília viviam
implicando um com o outro – algo que também é muito forte nos livros em que a série é baseada. E Reny de
Oliveira e Júlio César estão MARAVILHOSOS em seus papéis!
É com as
crianças e com Dona Benta que surge a ideia de escrever um livro com todas as
histórias que acontecem por ali… afinal
de contas, todos eles têm muitas histórias para contar. “As aventuras do pessoal do Sítio do Picapau
Amarelo”, sugere Pedrinho, mas é claro que a Emília não concorda – para ela, tudo tem que ser sobre ela, então ela decide que é sua função escrever as memórias
do Sítio do Picapau Amarelo. As crianças protestam, dizem que todos eles podem
narrar e a vovó vai escrever, porque ela é quem melhor escreve, mas Emília é
irredutível: ela vai fazer isso, porque ela esteve em todos os lugares e todas
as aventuras, e “se lembra de tudo muito bem”. Aqui, temos um dos meus diálogos
FAVORITOS de toda a história do “Sítio”,
transposto quase da íntegra daquilo que foi escrito no livro original das “Memórias de Emília” e é sempre
excelente de se ouvir:
“Mas afinal
de contas, Emília, o que é que você entende por ‘memórias’?”
“Memórias
são as histórias da vida da gente desde o dia que a gente nasce até o dia que a
gente morre”
“Ué, nesse
caso a pessoa só pode contar as memórias dela depois que morre”
“Não, por
isso não. O escrevedor de memórias ele vai escrevendo e escrevendo até sentir
que a morte está próxima. Então, ele deixa o finalzinho sem acabar e morre
sossegado”
“Uhm! E as
suas memórias vão ser assim, é?”
“Não. Não
porque eu não pretendo morrer. Eu só vou fingir que vou morrer. O finalzinho
vai ser assim: ‘E então, eu morri’. Mas é mentira, eu não morri, não. Eu só
escrevo, pisco o olho e vou me esconder atrás do armário para as pessoas
pensarem que eu morri mesmo. Esta vai ser a única mentira das minhas memórias.
O resto vai ser verdade, pura da dura”
“Verdade
pura, Emília? Que coisa difícil, minha filha, é dizer a verdade. […]”
“Pois
verdade é uma espécie de mentira das bem pregadas, mas que ninguém desconfia!
Só isso”
Então, Emília
sai correndo atrás do Visconde, seu “secretário”, para começar agora mesmo…
todos sabem que vai ser uma confusão, e todos sabem que a bonequinha
provavelmente não vai conseguir dizer a verdade, porque ela adora mandar os
outros fazerem as coisas para depois dizer que foi ela… Visconde, por sua vez,
acredita que Emília nunca terminaria esse trabalho, porque ela não tem
persistência, “é uma preguiçosa”, mas Emília chega decidida: “Visconde, pegue papel e caneta. Você vai
ser meu secretário. Vou começar a escrever minhas memórias”. E é como Dona
Benta diz: é melhor assim, Visconde tem paciência. Emília diz coisas como “Faça o que eu mando e não dê palpite.
Ninguém te pediu opinião”, e o Visconde obedece, mesmo com alguns
protestos… como quando ele lhe diz que ela viveu tão pouco e memórias é “coisa
de gente velha”.
Mas se Emília
colocou isso na cabeça, ela não vai desistir…
Para começar,
Emília quer um papel cor do céu com todas suas estrelinhas, tinta cor do mar
com todos os seus peixinhos e pena de pato com todos os seus patinhos… e ela
usa o Faz-de-Conta para conseguir tudo o que quer, mas ainda não sabe como começar… depois de algum tempo pensando,
ela dá a primeira ordem ao sabugo de milho seu secretário: “Bote seis pontos de interrogação. Não vê que estou indecisa,
interrogando-me a mim mesma?” Emília pensa e pensa, mas não sabe por onde
começar, e então é o Visconde quem lhe dá a ideia, falando de como as memórias
normalmente começam: dizendo quem é que
está escrevendo, onde nasceu, essas coisas todas… “Nasci no ano de… três
estrelinhas. Na cidade de… três estrelinhas. Filha de gente desarranjada”.
Emília diz que tanta estrelinha é “para confundir futuros historiadores que
queiram estudar sua história”.
EU AMO A
EMÍLIA! <3
Então, a
bonequinha começa a contar suas histórias desde o seu nascimento, quando foi
feita pela Tia Nastácia: “Nasci de uma
saia velha da Tia Nastácia. Nasci vazia. Só depois é que ela me encheu de umas
pétalas de uma cheirosa flor… uma flor cor de ouro que dá nos campos e serve
para estufar travesseiros” “Diga logo macela que todos entendem”. Emília
continua contando sua história: nasceu boba, de olhos parados iguais de toda
boneca, e feia, feia como uma bruxa… e então ela tem que contar como ficou diferente das demais bonecas, como e
quando ela começou a falar, naquela visita dela e Narizinho ao Reino das Águas
Claras, ainda antes da chegada do Pedrinho ao Sítio, mas é então que a Emília
já começa a misturar tudo e “contar
as coisas do seu jeito”. E ela não deixa o Visconde ficar dando muito palpite: “Você nem existia. Você era só um milho no
milharal”.
Assim, Emília
começa suas memórias com duas histórias paralelas, no Reino das Águas Claras.
Uma delas parcialmente verdade… a outra, inteiramente inventada. Enquanto
acompanhamos a narração da boneca podemos revisitar aquela clássica cena da
Narizinho tirando um cochilo na beira do riacho, e a briga das duas com a Dona
Carochinha, que está furiosa por causa da fuga do Pequeno Polegar, que “foi
procurar uma certa menina do nariz arrebitado que vive num sítio com duas
velhas corocas”. Tudo isso é o clássico do clássico do “Sítio do Picapau Amarelo”, e causa uma NOSTALGIA TÃO GRANDE
assistir a essas cenas, presenciar o começo de tudo, as clássicas histórias que
nós sempre amamos, e que nos apresentaram a esse universo… aqui, Emília até que
é bastante verdadeira na história que está contando.
Conta que
Narizinho brigou com a Dona Carochinha, e defendeu o Pequeno Polegar dizendo
que “ela é tão implicante que ninguém mais quer saber das suas histórias
emboloradas”, e Emília defendeu Narizinho dando um chute na canela da
baratinha, antes de fugir com o Pequeno Polegar para escondê-lo em uma caverna.
E ela consegue protegê-lo por um bom tempo, mas acaba sendo descoberta pela
Dona Carochinha, as duas brigam e ela não
pode nem pedir por socorro, porque, como a Narizinho conta, ela é “muda de
nascença”. Os machucados, a Tia Nastácia pode consertar com linha e agulha,
mas não pode consertar a fala dela… o Príncipe Escamado até se lembra do
célebre Dr. Caramujo, mas a verdade é que suas
pílulas foram todas roubadas de seu laboratório… certamente ele tinha uma
lá que podia fazê-la falar.
Em paralelo a
essa história, Emília coloca o Pedrinho “caído no mar” no meio de tudo – tudo
invencionice divertida de sua cabeça. O Pequeno Polegar comenta algo sobre “o
menino que estava indo para o Sítio do Picapau Amarelo e caiu no mar”, e então
acompanhamos uma aventura inédita do Pedrinho com o Capitão Gancho e seus
piratas em um navio naufragado. Quando o pirata aparece, o Pequeno Polegar
escapa com suas botas de sete léguas para pedir ajuda no Reino das Águas
Claras, enquanto o Pedrinho é feito prisioneiro, e o Visconde já começa a
questionar a veracidade dessas informações – “Eu estou muito desconfiado dessa sua versão da história”. Segundo
o Visconde, o Capitão Gancho só apareceu muito
mais tarde, quando ele veio ao Sítio, mas Emília não está nem aí para os
protestos do seu secretário, que não
devia ter uma opinião.
“As memórias são minhas e eu coloro do jeito
que eu quiser!”
Capitão
Gancho mantém Pedrinho prisioneiro, acreditando que ele é um príncipe e que
pode conseguir algum tipo de resgate com ele, enquanto os piratas acham tudo muito estranho, e percebem que “devem
estar em uma história inventada por alguém”, o que é uma piada recorrente e
maravilhosa! Os piratas também acabam prendendo a Dona Carochinha, mas ela faz
um acordo com o Capitão Gancho para que ele não leve embora o saquinho em que
ela prendeu o fujão do Pequeno Polegar, e então ela fala sobre um tesouro,
sobre um reino no fundo do mar… o Reino das Águas Claras. Então, a
baratinha leva o Capitão Gancho e os outros piratas para o reino do Príncipe
Escamado, que não está protegido por um guarda, porque o guarda é o Major Agarra-e-Não-Larga-Mais,
o sapo que comeu todas as pílulas do Dr.
Caramujo do seu escritório.
Emília
alterna entre as histórias da maneira que quer, o que incomoda o Visconde, e eu
AMO a interação desses dois ao longo dessa história inteira – rende ótimos momentos
e ótimas risadas. Visconde protesta que quer saber o fim da história dos
piratas, porque “ela não pode deixar os seus amigos nas mãos de piratas e da
Dona Carochinha”, mas Emília protesta, dizendo que quer falar dela e não pode
continuar muda… o Príncipe Escamado e o Dr. Caramujo sugerem tirar a fala de um papagaio para colocar
na boneca de pano, mas Narizinho não deixa eles cometerem essa crueldade: “Eu prefiro que a Emília fique muda a vida
inteira do que sacrificar o pobrezinho que não tem nada com isso!”
Eventualmente, eles conseguem tirar as pílulas da barriga do sapo, e Emília
come uma a uma como se fossem balas, até finalmente engolir uma que é falante.
“Estou com gosto horrível de sapo na boca”
AS CÉLEBRES
PRIMEIRAS PALAVRAS DA BONECA!
Esse é um
momento icônico de qualquer versão do Sítio: quando Emília fala pela primeira vez. E Reny de Oliveira faz a cena
DA MANEIRA MAIS DIVERTIDA POSSÍVEL. Ela fala sem parar, toda a “fala recolhida”
do tempo que foi muda, e sempre me admira a capacidade de trocar sílabas de uma
frase inteira, de maneira tão natural… imagino
a quantidade de treino que Reny precisou para conseguir falar tudo isso com
perfeição. E é apaixonante! Ela inevitavelmente nos arranca um sorriso, nos
faz rir, e fala e fala e fala sem parar, teimosa desde o começo, inventando nomes e trocando palavras que ela
continuará trocando para sempre,
chamando o Pequeno Polegar de “Polegada”, por exemplo”, o xale da Dona
Carochinha de “cobertor” e o famoso “liscabão” no lugar do “beliscão”. Um trechinho da Emília contando sobre o
desmaio dela:
“E tibau
com tanta força que eu distraí… quer dizer, desafi. Não, desfolei. Não, eu
desatalei, despinafrei, deslaminei”
“Você
desmaiou, Emília”
“Deslaminei,
isso mesmo, deslaminei”
Como não AMAR
essa boneca?! <3
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Esther
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Fofa