The Boys in the Band (2020)
“Thank you…
and fuck you”
Que filme
PODEROSO, eu adorei. Como um homem abertamente gay vivendo em pleno Século XXI,
ainda enfrentando problemas e preconceitos, mesmo que o mundo já tenha dado
muitos passos significativos em relação à diversidade, é interessante voltar no
tempo: olhar para a nossa história, para
como as coisas foram no passado, para o quanto já foi mais difícil do que o que
vivemos agora. No especial que acompanha o filme, a equipe e os atores
falam sobre olhar para trás e agradecer cada uma das pessoas como Mart Crowley
que tornaram possível o mundo no qual
vivemos hoje. Todos os que lutaram para que pudéssemos, agora, continuar
lutando. Eu fiquei pensando em “Dois
Garotos se Beijando”, do David Levithan, enquanto assistia ao filme, um
livro publicado muitos anos depois de Mart Crowley escrever essa incrível peça,
mas que tem um poder similar.
“The Boys in the Band” estreou no
circuito Off-Broadway pela primeira vez em 1968 – a época em que se passa a
história. E foi algo revolucionário na época… era a primeira vez que
personagens gays eram retratados dessa forma no palco: nove protagonistas gays, cada um à sua maneira, sem reforçar
estereótipos, porque “The Boys in the Band” mostra justamente que “viemos de
todas as formas”. Como tudo que é novo e diferente, a peça, com o seu texto
afiado e sua mensagem clara, causou uma grande impressão… causou revolta nos mais conservadores, mas gerou um sentimento de
pertencimento em toda uma geração que pôde assistir naquela época e pôde se ver
nos palcos pela primeira vez. Pôde olhar para um ou vários personagens e
pensar: “Aquele sou eu. Essa é a minha
história”. A peça foi adaptada para filme em 1970 e ganhou um revival em 2018.
O revival de 2018, dessa vez na Broadway,
vem numa época muito diferente da produção original de “The Boys in the Band”, e é impressionante como a história ainda é
pertinente, como o sentimento de pertencimento continua válido, mas como também é bom olhar para esse texto
sabendo que caminhamos muito nos últimos
50 anos… em 2019, a nova produção ganhou o Tony Award de Melhor Revival, e
o elenco que deu vida a esses personagens no palco estão agora na adaptação da
Netflix, de 2020 – e eu devo dizer que o filme está LINDÍSSIMO. Emocionante,
engraçado em alguns momentos, doloroso… e
necessário. O elenco está incrível em seus papeis, e toda a produção é
impressionante, porque eu (que infelizmente nunca pude assistir à peça) senti como se eu estivesse no teatro… o filme
capta esse sentimento, consegue ser bem teatral.
E é lindo…
torna tudo mais íntimo, mais crível. Emocionante.
O elenco
escolhido, tanto para o revival no
teatro em 2018 quanto para o filme de 2020, não podia ser mais acertado… manter
o elenco da última produção teatral é importante porque permite que esses
atores eternizem os personagens a quem já dão vida há algum tempo, com quem já
estão familiarizados. E temos que ressaltar como é GRANDIOSO que todos os nove
personagens gays que protagonizam essa história sejam interpretados por nove atores abertamente gays na vida real.
Temos Jim Parsons impecável no papel de Michael; Zachary Quinto como seu
“nêmesis”, Harold; Matt Bomer, sempre encantador, como Donald; Andrew Rannells
(“Hello!”) como Larry; Charlie Carver
como o Cowboy Tex; Robin de Jesús como o divertido Emory; Michael Benjamin
Washington como Bernard; Tuc Watkins como Hank; e Brian Hutchison como o
problemático Alan.
QUE ELENCO
PERFEITO. Que nomes, que atuações, que entrega!
Que bela história eles contaram.
A trama da
peça começa com uma festa de aniversário que Michael está dando para Harold. E,
como em uma peça de teatro, quase toda a ação do filme acontece em cenários do
apartamento de Michael, e ali conhecemos cada um dos personagens: suas crenças,
suas motivações, suas personalidades, seus medos… seus amores. A festa vai da
divertida à trágica e deprimente em questão de minutos; eles podem estar
dançando e se divertindo em um momento, ou então se provocando ferozmente em
outro. Algo que também ajuda a noite a ser inesquecível
é a visita inesperada de um antigo amigo de faculdade de Michael, Alan, que não
sabe que ele é gay. Como se a noite já não estivesse sendo um verdadeiro
desastre, Michael ainda propõe um interessante e brutal “jogo” no qual cada um vai telefonar para uma pessoa que
amaram de verdade na vida.
A construção
dos personagens é perfeita. É incrível como os diálogos são bem escritos,
permitindo que estejamos ali naquela varanda ou naquela sala com eles,
vivenciando um pouquinho da vida de cada um e sentindo que os conhecemos. O jogo, que parece cruel e desnecessário quando
Bernard liga para um amor não-correspondido de infância, por exemplo, acaba se
mostrando não tão ruim quando permite
que Larry e Hank falem, em uma cena muito intensa, como se sentem – e eles têm,
na frente de todos, uma conversa que deviam ter tido há muito tempo, e que pode
salvar a relação deles de uma vez por todas, ou acabar com ela; mas, pelo menos, de uma maneira conclusiva.
Amo toda a sequência do “jogo”, por mais que Michael tenha sido um tanto quanto
brutal ao pressionar cada um deles… as
ligações, as histórias contadas, as expressões.
Cada um ARRASOU na sua própria sequência.
Destaco,
também, momentos divertidíssimos do Cowboy Tex, como aquela última fala dele (“Eu tento dar carinho. Para não me sentir
como um prostituto”), a atuação impecável de Jim Parsons, que consegue
transmitir toda a frieza do seu personagem, mas permitindo que percebamos que essa é só uma camada para esconder suas
próprias dores e inseguranças – algo que Harold faz questão de escancarar
antes de ir embora de sua “memorável festa de aniversário”. Também destaco o
personagem de Alan, que é alguém que detestamos por seu preconceito escancarado
contra Emory, por exemplo, por “ele ser afeminado”, mas cuja dor acabamos
conseguindo perceber, afinal, quando Michael expõe uma relação que ele teve
durante a faculdade com um amigo deles… Alan é o caso do gay no armário que não
consegue se libertar e que, por isso, ataca os demais.
Na verdade, ele tem inveja dos outros que
vivem abertamente o que sentem.
Quem são!
A
representação das várias histórias é de arrepiar, e eu acho que grande parte do
sucesso de “The Boys in the Band” vem
da inegável QUÍMICA que esse elenco compartilha, entrega aos seus personagens e
faz com que chegue até nós. Não sei por que essa química é tão forte… se é
porque eles já interpretaram esses personagens juntos no teatro, em sabe-se lá
quantas apresentações; ou se é porque eles são realmente atores excelentes; ou
se é porque eles se identificam com esses personagens e entendem a importância
de estarem nesse filme, contado essa história, sendo todos homens gays
assumidos e bem-resolvidos. Acredito, afinal, que é uma junção dessas três
coisas, e fico muito feliz porque esse filme foi feito e porque essa história
pode ser contada, pode ser assistida e pode ser lembrada, mesmo por aqueles que
não puderam vê-la no teatro.
Certamente,
um filme marcante!
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