“A Chave da Guerra… ela está aberta”
EU AMO “A
CHAVE DO TAMANHO”, e essa é a primeira coisa que preciso dizer… quando era
pequeno e lia os livros do
“Sítio do
Picapau Amarelo”,
“A Chave do Tamanho”
sempre foi o que mais me fascinou: li ainda naquela edição da Brasiliense, que
tinha a capa rosa e o “Sítio” armado na cartola do Visconde de Sabugosa, e isso
é uma memória tão gostosa da minha infância! Infelizmente, a versão de 2001 do
“Sítio do Picapau Amarelo”, embora tenha
adaptado a maioria dos livros originais, acabou deixando
“A Chave do Tamanho” de fora – talvez por uma série de motivos,
como terem achado a história
pesada
para o formato do programa e para a sua primeira temporada… afinal de contas, a
história não traz um tema leve, e fala abertamente sobre guerra e morte, com
uma mensagem bonita e momentos memoráveis, como a Emília preocupada com a Dona
Benta.
Em 1981,
“A Chave do Tamanho” foi adaptada para a
quinta temporada do
“Sítio do Picapau
Amarelo” por Sylvan Paezzo, em 25 capítulos. E embora não tenha
o pôr-do-sol de trombeta, eu gosto de
como a história segue bastante os passos do livro e podemos ver isso desde a
introdução… Pedrinho e Narizinho encontram Dona Benta triste enquanto lê o
jornal, por causa das guerras e dos atentados noticiados, e nós ficamos com
muita pena da vovó… é como a Emília diz:
se
a Dona Benta fica triste, todos ficam tristes. Então, os três abraçam
carinhosamente a vovó, enquanto Dona Benta fala sobre as guerras e sobre as
bombas que matam
outras vovós do outro
lado do mundo, que machucam outros Pedrinhos e Narizinhos do outro lado, e
ela diz que cada notícia ela sente como se fosse aqui, e seu coração “fica
cheio de dor por essas avós, mães e netos”.
É bem triste!
Então,
Emília resolve
tomar uma atitude –
“Mas eu acabo com esse negócio de guerra,
morte, bomba, mas eu acabo, acabo acabado mesmo”. O problema é que
ela não sabe como, e ela precisa
desesperadamente da ajuda do Visconde para saber “como acabar com as guerras
imediatamente… afinal de contas, ela não pode esperar, porque a Dona Benta está
triste! Eu acho muito fofo que a bonequinha já tenha um coração tão bom e uma
preocupação tão grande com a vovó, que seja a tristeza de Dona Benta que motiva
tudo:
a Emília só quer fazer alguma coisa
para que a Dona Benta não se sinta mais triste como está. Então, sem
pensar, o Visconde acaba falando alguma coisa sobre a “chave da guerra” e a
“Casa das Chaves”, e então a Emília tem uma ideia, é claro:
ela vai até a Casa das Chaves para desligar
a Chave da Guerra e pronto, “a Dona Benta vai ficar feliz de novo”.
“A Chave da Guerra… ela está aberta”
“E quem foi o infeliz que abriu?”
Naturalmente,
Emília encontra a Chave das Casas (Visconde diz aos demais que ele não conseguiria,
mas a bonequinha consegue, ah se consegue!), o lugar
onde estão as chaves que regulam e graduam todas as coisas do mundo.
Eu gosto bastante do cenário, todo futurístico e bem ficção científica dos anos
1980, com uma trilha sonora misteriosa, e Emília acha que desligar a Chave da
Guerra vai ser
a coisa mais simples do
mundo – até porque, nas fichas que encontra, está escrito que a Chave da
Guerra é a Chave Nº 8:
“Até agora, só
veio aqui pessoas que não sabem contar até oito”. O problema é que as chaves
não estão numeradas e a atrevida bonequinha de pano conta as chaves na parede e
escolhe qual virar:
segundo ela, depois é
só voltar para casa, “pronta para dizer à humanidade que não precisa agradecer”.
Então, Emília vira a chave.
E COMEÇA
TODA A CONFUSÃO!
No lugar de
Emília, vemos uma pilha de roupas da boneca e quando o Visconde se vira para
continuar conversando com o pessoal do Sítio, vê que todos desapareceram e, no
seu lugar, sobrou apenas
pilhas de roupas
–
“Emília! Que chave você virou, Emília?”
Emília é a primeira que vemos conseguir se desvencilhar das suas roupas
gigantescas depois de ser encolhida, e eu gosto das falas que parecem saídas
diretamente do livro, em relação a como aquilo parece
uma tenda de circo, ou como
tem
pouco ar lá dentro, e quando ela sai, se encontra
completamente nua. Enquanto isso, no Sítio, o pessoal também
consegue se desvencilhar de suas roupas e a Dona Benta comenta:
“A Emília deve ter virado a Chave do
Tamanho!” Agora, todos precisam improvisar maneiras de se cobrir, porque
suas roupas ficaram grandes demais para elas, e se proteger de animais que
antes eram inofensivos.
Emília logo
percebe o equívoco que cometeu, mas acha que, ainda assim, resolveu todo o
problema das guerras – afinal de contas, agora que estão desse tamanho, as
pessoas não conseguem mais se enfrentar nem segurar aquelas armas grandes e
pesadas… mas ela não pensa nas outras consequências do que fez. Agora, enrolado
num pedaço de tecido laranja da sua antiga roupa, Emília tem que voltar para
casa e enfrentar “monstros” como um lagarto, para o qual ela grita “trégua” e
sai correndo Enquanto isso, Dona Benta fica brava dizendo que a Emília “foi
longe demais”, e eu acho essa cena de uma crueldade sem tamanho! A Emília pode
ter errado e causado uma série de estragos (sobre os quais Visconde ainda
dissertará), mas parece tão injusto a Dona Benta ficar
brava com a boneca que fez isso tudo
só porque não queria vê-la triste.
O pessoal do
Sítio, agora, precisa tomar algumas providências… para começar, o Visconde traz
as roupas das bonecas de Narizinho para que a Tia Nastácia faça alguns ajustes
e eles possam ser usados pelas pessoas pequeninas… o Visconde, que continuou em
seu tamanho normal, fica responsável por “cuidar” do pessoal, até que ele
resolve ir atrás da Emília, para desfazer toda essa confusão, e então ele deixa
o Rabicó cuidando do pessoal…
ele tem que
ficar de guarda para que nenhum animal se aproxime, mas é claro que o
Rabicó acaba se distraindo comendo umas abóboras na cozinha enquanto eles são
“atacados” por um passarinho pequeno, e eles precisam se esconder… a nova
“casa” do pessoal do Sítio, agora, é uma
caixinha
de fósforo dentro da qual eles podem se esconder do frio e do perigo de
animais outrora inofensivos que podem atacar.
Também
acompanhamos a história de outros personagens, como o pessoal do Arraial dos
Tucanos, vestidos de jornal, de notas de cruzeiro e papeis de bala… e as
tragédias começam a aparecer, como quando Emília encontra duas crianças que
aparecem chorando, dizendo que o gato comeu o pai, a mãe e a empregada deles,
ou quando o cachorro do farmacêutico de Tucanos, que já não reconhece e obedece
mais ao dono, come quatro pessoas… é um tanto quanto macabro, e então o pessoal
parece se voltar
contra o
farmacêutico, como se a culpa fosse dele, e ele precisa sair fugido, até que,
acidentalmente, ele acabe encontrando o Visconde de Sabugosa, que resolve
ajudar como pode, e o leva de volta até o buraco na parede no qual o pessoal de
Tucanos está vivendo, e o defende – afinal de contas, a culpa não é dele, e
eles concordam que Visconde tem razão.
Isso, no
entanto, leva o Visconde a reflexões, porque se o pessoal de Tucanos também
encolheu como o pessoal do Sítio, então todo mundo deve ter encolhido, e então
Visconde coloca em palavras o horror que isso deve ter sido:
quantas pessoas devem ter morrido sufocadas
nas roupas, sem conseguir sair de dentro delas; e as pessoas que andavam de
avião, de ônibus, de trem, na hora que perderam o tamanho; e as pessoas que
estavam nadando no mar, na piscina, ou mesmo tomando banho dentro de casa. “Meu
Deus, deve ter morrido milhões de pessoas. Milhões de pessoas! E quantas mais
ainda vão morrer! Emília, você não passa mesmo de uma irresponsável!” Acho
que essa é, possivelmente, uma das histórias mais
pesadas do
“Sítio do Picapau
Amarelo”, mas eu gosto de como ela propõe reflexões e fala abertamente
sobre assuntos como a guerra e a morte.
Temos,
inclusive, uma cena em que o Visconde conversa com a Dona Benta, depois de
fazer toda essa reflexão e voltar para casa pensativo, e então ele diz que a
culpa não é, realmente, da Emília, porque era ele quem estava distraído e foi
falando e falando e falando, sem pensar no que estava dizendo e sem avaliar as
consequências… se ele não tivesse falado da lenda das chaves e da Casa das
Chaves, nada disso teria acontecido. Mas agora já é tarde, as pessoas estão
morrendo, e pelos cálculos que o pessoal de Tucanos faz, 118 pessoas já morreram…
fora todas que ainda vão morrer. É estranho pensar nas consequências de algo
como “o mundo todo subitamente encolher”, porque se o Visconde não fizesse
aquela reflexão, talvez não pensássemos em todas as pessoas que morreram… e
isso me faz pensar em
“Revolution”,
que propõe um mundo sem tecnologia.
O resultado é muito similar: catástrofe e
mortes na hora, e depois aprender a sobreviver em um “novo” mundo.
Enquanto
isso, Emília fica responsável por cuidar de Juquinha e Candoca, as crianças que
perderam o pai, a mãe e a empregada para um gato! Adoro como Emília tenta
acalmá-los, filosofando e perguntando se
eles
viram o gato mastigar e palitar os dentes porque, se não viram, isso quer
dizer que talvez os pais deles não tenham morrido, e eles têm que pensar que
“eles só foram guardados na barriga do gato”, o que, na verdade, não ajuda
muito, porque as crianças
começam a
chorar ainda mais – “Enquanto o gato não desguardar o pessoal, eu sou a
responsável por vocês. Vocês podem me chamar de Tia Emília”. Então, a “Tia
Emília” fica responsável pelas crianças, escondidas em um buraco de bicho, e
sai para procurar algo que eles possam comer, e volta com um ovo, que fica
gigantesco no tamanho em que eles estão… mas ela precisa, mesmo, protegê-los de
animais que podem atacar, como um sapo e um passarinho… e quando um passarinho
ataca a Candoca, Emília promete salvá-la.
Juquinha já perdeu todo mundo, não pode
perder a irmã também!
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